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Não chega a ser uma parede ou uma barreira sonora, mas Zarabatana, a primeira faixa de Introdução à cortina do sótão, o novo disco do grupo de rock instrumental ruído/mm, começa com uma certa elevação de som. No mínimo uma pedra no caminho. Se a primeira faixa do disco é uma curta introdução de clima tranquilo, Zarabatana faz o disco começar todo de uma vez e meio rápido. Você só viu a pedra no caminho depois que já estava tropeçando nela.
Segundo a Wikipedia e o Dicionário Informal, Zarabatana é uma arma de sopro. Um tubo oco pelo qual são soprados dardos ou projéteis. Os tiros podem atingir grandes velocidades e distâncias. Mas o nome antigo da mesma música, Mariachis, parece ter mais a ver com ela. Há algo em sua estética que relembre do clichê mexicano: calor, areia, sombreros, deserto. E esse começo seco e duro dos primeiros segundos lembra milhares de agulhadas de uma tempestade de areia. Depois dela, a bonança, a escaleta tocada por Alexandre Liblik (falaremos mais dele aí para frente), a calma. O vento parou e fica tudo em silêncio até que surja a primeira parede sonora do disco, formada por 1) a guitarra de André Ramiro gritando aguda e profundamente, como se um grão de areia da tempestade tivesse chegado ao osso e fosse a maior dor possível -- essa guitarrinha aproxima Introdução à cortina do sótão ao post-rock; 2) a guitarra grave de Pill gritando "porra!" entre os dentes e o vento, mas ficando apenas incomodada com a tempestade; e 3) o grave do baixo incrivelmente calmo de Rafael Panke, que parece nem se incomadar com tudo aquilo, ou ainda, imponentes, talvez sejam estas notas graves as responsáveis pela construção e arquitetura da tempestade.
De repente, como um herói, surge um piano. A tempestade imediatamente começa a enfraquecer e acaba poucos instantes depois. Volta o calor infernal do deserto, mas pelo menos as agulhadas de areia pararam.
Assim começa a Introdução à cortina..., o sucessor do muito bem falado A Praia (2008). Mas se o disco anterior falava (murmurava) sobre os problemas e as impossibilidades da vida -- ou pior, sobre o medo de enfrentá-la -- Introdução à cortina resolve escapar do incômodo momento em que se hesita perante as dificuldades e parte para o enfrentamento delas. Analisa que coisas boas e ruins podem acontecer e conclui, emocionado, que é pela chance de tudo dar certo que vale a pena enfrentar os problemas da vida.
Mesmo sem palavras, é sobre essa decisão feliz e emocionada que os instantes finais de Zarabatana parecem tratar.
Petit Pavé, a terceira faixa do disco, resolve ir ao enfrentamento. Tal qual as tramas complicadas dos calçamentos do nome da música, a tomada de uma decisão é sempre um processo complexo. Cada caminho leva a uma nova escolha, a novas bifurcações, a novas dúvidas.
Agora, falando sobre a estética da música, Petit Pavé é uma caminhada por morros verdes e céu nublado. Mas antes da sensação de calma e paz por se presenciar uma paisagem bonita, o que temos aqui é uma certa angústia de se estar perdido e sem saber para onde ir (vida?). De repente você passa por uma colina pela qual jura ter passado há trinta minutos atrás, mas descobre, perplexo, índios eletrônicos em ritual de dança que não estavam ali antes (para quem quiser ver com os próprios olhos, eles estão entre 2:01 e 2:30).
Esquimó é a penúltima música do disco. É aqui que voltamos a falar sobre o piano de Alexandre Liblik. Decisão acertada essa do ruído/mm de botar um pianista na banda. Liblik, deixe-se bem claro, não é tecladista, mas exímio pianista (pelo menos dentro do âmbito roqueiro a que avalio).
Se antes, em A Praia, sem o piano de Liblik, o ruído/mm era uma grande banda de um disco excelente, com Liblik e a Introdução à cortina do sótão o ruído sobe vários degraus e chega ao status de, sei lá, banda superior. É aquele ponto em que há deslumbramento. É o ponto em que se evolui e se faz uma música complexa, de díficil compreensão, e assim mesmo há a aceitação de público considerável. É um ponto em que você transmite mensagens inteiras (quiça sentimentos completos) sem dizer uma única palavra.
É o piano que começa O Prestidigitador, a última e mais ensolarada faixa do disco. Nela há, além da nova aparição dos índios eletrônicos de Petit Pavé, a sensação de que tudo passou, afinal. Os problemas foram enfrentados. As nuvens sumiram, você está nas mesmas colinas verdes de antes, mas agora está tudo ensolarado. E você sabe muito bem onde está. Sorriso no rosto, na alma. Deu tudo certo.
Dizer que Introdução à cortina do sótão é um grande disco é pouco. O terceiro lançamento do ruído/mm está para além de "bom", "ótimo", "excelente". É um disco que, para fazê-lo não basta ser ótimo músico ou compositor. É preciso ser louco, e depois disso ser são, e depois ainda desenvolver a capacidade de transitar com desenvoltura entre a loucura e a sanidade, a vida e suas complexidades, os problemas e suas soluções. Aí sim, depois disso tudo, transpor com leveza e descompromisso as experiências obtidas para guitarras, pedais e partituras. E ter feeling.
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