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domingo, 20 de agosto de 2017

Walter Franco - Vela Aberta [1980]

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Por Alexandre Ott em Whiplash

O velho dicionário escolar define petardo como um engenho explosivo, portátil, projetado para destruir obstáculos. Pois essa definição parece extremamente apropriada para a canção de um certo (e muito peculiar) compositor brasileiro chamado WALTER FRANCO. “Canalha” é simplesmente uma bomba lírica, dramática e, claro, musical. Talvez o maior petardo da história da música popular brasileira, nem sempre afeita à linguagem do Rock’n’Roll. Por isso, é hora de entrar nesse campo minado onde jazem tantos grandes músicos e conjuntos esquecidos e, finalmente, recolher essa peça que parece ser feita de nitroglicerina pura!

O compositor

São poucos os compositores cujas canções alcançam tamanha penetração no imaginário popular a ponto de tornarem-se uma espécie de provérbio, de máxima. WALTER FRANCO é um desses privilegiados. Se sua obra como um todo é de difícil compreensão, ou mesmo de difícil digestão para a miscelânea de gostos existentes, por ser ela própria uma grande mistura de elementos, com ingredientes nem sempre muito palatáveis, por outro lado, todos concordam que, destarte a variedade de nossas experiências sonoras, “é preciso manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo”.


O dito acima, por si só, seria suficiente para conferir identidade ao cantor e acionar instantaneamente a nossa memória. Porém, isso seria injusto, pois o experimental Walter não é homem de uma só canção. Escrita há mais de 30 anos, “Canalha” é tão marcante que poderia valer por um disco inteiro de rock contemporâneo.

Surgido na década de setenta, WALTER FRANCO é comumente associado a um movimento marginal ao curso da grande MPB: a vanguarda paulistana. Como uma boa cena alternativa, ela não teve um rosto bem definido, mas antes, agrupou faces e nomes diversos pela sua heterogeneidade e experimentalismo. ARRIGO BARNABÉ (para certa crítica, o ZAPPA brasileiro) é e foi um dos seus maiores representantes. Pois foi junto a este grupo que Walter se colocou – no limbo, nas bordas da tradicional MPB.

Sua música verte entre a canção mais suave e peças como “Canalha”. Sua temática tem um quê existencial, na medida em que tanto aborda a angústia cotidiana quanto profetiza a sua superação. Em resumo, WALTER FRANCO é costumeiramente citado como um artista de fortes idiossincrasias, daqueles que associam a música à poesia e, como se não bastasse, a coisas como o concretismo e outros que tais. Não à toa integrou a referida vanguarda paulista e fez, ao longo da vida, parcerias com gente como LOBÃO.

O álbum

O disco que contém essa grande peça é “Vela aberta”, de 1980. O quarto álbum da carreira do cantor, já famoso por ter emplacado “Coração tranquilo” (presente no registro “Respire fundo”, de 1978), caracteriza-se pela heterogeneidade já referida. Walter abre a vela do seu barco e navega por sons que se espraiam desde as águas nem tão lamacentas de um Blues paradoxalmente alegre, como em “O blues é azul”, onde Walter canta o amor, até as correntes que nos remetem a algo de nordestino, de melancolicamente brasileiro, como a faixa-título “Vela aberta”, em que Walter poetiza a atitude nômade.

Há ainda composições como “Tire os pés do chão”, com um arranjo indefensavelmente piegas, o qual nos faz lembrar de momentos análogos em CHICO BUARQUE e ELIS REGINA, por exemplo; e também canções como “O dia do criador”, que tem a bossa da então nascente década de 80, no embalo do reggae popularizado. “Feito gente” é o momento soul do disco, com muito boa levada de baixo-bateria. "Me deixe mudo" e "Como tem passado" são canções divertidas. Finalmente, “Divindade” mostra a cara do rock setentista, sem superar, no entanto, “Canalha”, o incontestável ápice da obra, a partir do qual lançam-se sombras sobre os outros momentos do play.

O álbum é interessante e estranho ao mesmo tempo. Pessoalmente, causou impressões diversas em cada audição: da assimilação à repulsa, prevalecendo a primeira. Talvez seja essa a condição do trabalho de um vanguardista, como se propôs a ser Walter em sua época, ainda mais em termos de MPB – um universo tão diverso e controverso. Diríamos que FRANCO provoca-nos ao modo tupiniquim: ele nos leva do asco ao deleite, do quase-reggae ao rock rapidamente. O destaque final vai para ele próprio, WALTER FRANCO, com este seu tempero exótico, inusitado, e para a muito boa cozinha do disco.

A peça

“Canalha” inicia com ares épicos, num belíssimo tema ao piano, entremeado pelas frases distorcidas da guitarra. O ambiente criado pela banda é imponente, é dramático. Os acordes do piano harmonizam-se plenamente com a entrada em cena de FRANCO e a canção, paulatinamente, cresce. O desabafo, o vaticínio tão supostamente fatalista quanto aparentemente realista do cantor é intenso: para ele, nossas almas serão dilaceradas pelas inevitáveis dores do existir. Diante deste quadro limítrofe, em pouco menos de um minuto, a peça explode na emoção de seu primeiro clímax, consumado de forma grotesca e feroz pelo urro e pelo berro de Walter.

Com isso, o resto da banda se apresenta: ótimas viradas de bateria se colocam em meio a uma levada direta e empolgante. Logo percebe-se que a mistura será refeita por uma cozinha explosiva, que municiará FRANCO em seu intuito de levar tudo pelos ares novamente. Seu retorno, com cordas ao fundo, é antecedido por uma passagem de baixo simplesmente sensacional – pela felicidade seja de sua execução, seja da timbragem do instrumento. O fraseado do baixo praticamente divide, com FRANCO, o protagonismo em “Canalha”.

Assim, já em um Rock franco - e sem trocadilhos -, mais direto do que nunca, Walter insiste em sua profecia, tocando-nos com seu vocal gutural, cuja força vem de suas entranhas emocionais. Enfim, temos uma interpretação fantástica. Um petardo “popular” e “supra-popular” – eis aí uma obra para o rock nacional. É impossível ficar indiferente, pois

É uma dor canalha,
Que te dilacera.
É um grito que se espalha.
Também, pudera!
Não tarda, nem falha,
Apenas te espera...
Num campo de batalha,
É um grito que se espalha,
É uma dor...
Canalha!

Tamanha é a força da peça que MARCELO NOVA, o príncipe do rock brasileiro e os TITÃS tentaram dar a ela suas próprias versões. Porém, há composições que não são passíveis de recriação. E esse é o caso de “Canalha”: WALTER FRANCO é, aqui, inimitável! Nem a Marceleza mais o eterno Raul poderiam fazê-lo; tampouco os cabeças-dinossauro (ainda que embasados pelo bom trabalho de TONY BELOTTO).

O Canalha

Em “Canalha”, o triunfo de WALTER FRANCO se dá pela simplicidade profunda da mensagem e pela grande interpretação a ela dedicada. Ademais, a composição permite com que façamos apropriações do seu sentido.

Certamente, deparamo-nos com muitos canalhas em nossas vidas: são os perpetradores do mal, os apologetas da mentira, os motivadores da desilusão. Porém, até que ponto não somos nós os próprios canalhas? Pois, como diz WALTER FRANCO, canalha é a dor nela mesma. Portanto, o que iremos fazer com ela e as circunstâncias envolvidas? Neste campo de batalha no qual a vida, muitas vezes, se transforma, nós mesmos realizamos esta condição antagônica miserável com as outras pessoas. Em virtude de nossas fraquezas.

Por outro lado, mesmo quando estivermos fortes, teremos de lembrar que este grito não tarda, nem falha, apenas nos espera: a dor e o mal tentarão dilacerar nossos corações. Logo, teremos de resistir, de fato, aos canalhas do mundo.

terça-feira, 7 de junho de 2016

Walter Franco - Ou Não [1973]

Mega FLAC
Yandex 320kbps


Por Diego Albuquerque em  Altnewspaper

Walter Franco é um daqueles cantores populares que receberam a alcunha de “Maldito”, um erro crasso de sua geração, ao ser chamado de louco (entre outros termos). Talvez por ser uma das cabeças que pensavam diferente das demais, tanto em suas letras, quanto em suas canções, muito a frente do seu tempo. Em Ou Não, seu segundo disco lançado em 1973, ele conseguiu compilar suas melhores músicas em um dos melhores registros da música brasileira feitos até hoje. Tanto que algumas de suas composições são de conhecimento popular, mesmo que o Walter não possa ser chamado de um cantor popular, já que ele pouco toca em rádio, ou tem seu reconhecimento em novelas da Globo (apesar de ter rolado algumas na época, mas hoje, só Robertão) .

Ou Não, ou o disco da mosca, por conta de sua capa minimalistaa e incrível, é um passeio por toda psicodelia contida na vanguarda da música feita no Brasil, recheado de linhas de baixos carregadas, uma viola pra acompanhar e uma percussão/bateria pouco usual. A primeira faixa do disco “Mixturação”, já tenta explicar como funciona a cabeça, o som, a imaginação deste grande artista, que usava a voz como mais um instrumento em diversos momentos das 10 faixas do disco, com diversos efeitos nos vocais. Em letras simples, mas carregadas de melancolia e duplo significado, ou subjetividade interpretativa, tal qual “No Fundo do Poço”, quando diz que “quem passar por cima do muro, vai ver que tudo é tão simples e profundo”.

Das minhas canções preferidas deste disco, na sequencia, temos “Flexa”, onde o uso de onomatopeias é genial, em meio a efeitos sonoros (vocais) ou utilizando percussões dentro do estúdio. Deve ter sido uma doideira a gravação. “Me Deixe Mudo”, uma das letras mais sinceras do compositor Walter Franco, onde ele diz “Seja o avesso, seja a metade, se for começo. Fique a vontade e não me pergunte, não me responda, não me procure, não se espante, não diga nada”, convidando todos a adentrarem e participarem desta ode sonora produzida por ele de coração e cabeças abertas.

Em “Xaxados e Perdidos”, o músico e seu bando mostram outras verves sonoras seguidas por ele, numa música digna do rei do baião, mas com letras menos amarradas, e com um trocadilho sensacional (desde o título) e uma mudança de nuance absurdamente experimental do meio para o final da canção. “Vão de Boca” remete diretamente a “Mixturação” (eu quero que esse afeto saia), onde mais uma vez a letra parece funcionar como uma indireta (ou direta mesmo) para os que não entendem o músico e ele não parece ligar muito pra isso. Fechando o disco temos “Cabeça”, que começa com palavras soltas, remetendo a letra (tal qual o final de “Cabeção”, da banda Cidadão Instigado. Descobriu de onde veio aquilo agora?). É a faixa mais difícil e psicodélica do disco, parafraseando Walter “sua cabeça pode explodir, ou não”. Você não pode passar por sua vida sem ouvir pelo menos uma vez esse belo registro da música psicodélica brasileira, que influenciou e continua influenciando diversos artistas desta nova cena de música torta feita no Brasil.

Participam do “Ou não”, os músicos Américo (acordeon), Diógenes Burani Digrado Filho (percussões geniais), Rodolpho Grani Júnior (contrabaixo, violão aço, baixo elétrico), além do Walter Franco (Violão e vocais). O disco conta com a produção de Walter Silva e Rogério Duprat e foi relançado em CD numa edição dupla, na serie “Dois Momentos” (junto com Revolver, disco de 1975) por Charles Gavin dos Titãs. 


A1 - Mixturaçāo
A2 - Agua E Sal
A3 - No Fundo Do Poço
A4 - Pátio Dos Loucos
A5 - Flexa

B1 - Me Deixe Mudo
B2 - Xaxados E Perdidos
B3 - Doido De Fazê Dó
B4 - Vāo De Boca
B5 - Cabeça

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Walter Franco - Revolver [1975]

Mega FLAC


Por Lívio Tragtemberg
publicado originalmente na Revista Bizz, Edição 33, de Abril de 1988*

"Apesar de tudo muito leve", cantava esse paulista de formação universitária, em plena época da barra-pesada. A sabedoria de Walter Franco está reunida no Revolver e no seu precursor, o enigmático "disco da mosca" , de 73, que tem as antológicas "Me Deixe Mudo" e "Cabeça" (defendida por ele, grande campeão de vaias, no último FIC da TV Globo). Os dois discos são fundamentais, mas foi Revolver que antecedeu e indicou direções mais atuais - ainda - para a música popular brasileira, graças ao tratamento mais "roqueiro" (arranjos eletrificados, uso de efeitos e outros recursos de estúdio) dado a suas composições. Como um trovador extraviado da geléia geral da Tropicália, ele cria miniaturas, paisagens sonoras independentes entre si, dando corpo a um trabalho extremamente rico na combinação de poesia e música (os arranjos ficaram a cargo do baixista Rodolpho Grani Jr.). 

No fundo, a concepção entre palavra e som na música de Walter Franco é indissolúvel e indivisível. Ele trabalha o ritmo da palavra, desdobrando-a com pausas curtas e respirações alongadas, criando novos sentidos a partir de frases breves, como na lancinante "Apesar de Tudo É Muito Leve". Walter já tinha evoluído muito além da letra colegial/adolescente, que marca o rock dos 80. "Nothing" é um exemplo da construção complexa que faz a partir de elementos extremamente simples: "Nothing to see/ Nothing to do/ Nothing today/ About me/ I am not happy now/ I am not sad". Junto com "Feito Gente"- ambas deste LP - e "Canalha" (de 79) forma o tríptico pré-punk anos antes do retardatário punk tupiniquim. 

A poesia de Walter evoluiu em duas direções: uma decorrente da influência da filosofia oriental e outra que aborda a agressividade urbana. Da primeira ele herdou a utilização da forma mântrica-circular da frase que retorna sobre si mesma, ou que se revela por etapas, palavra por palavra, como em "Mamãe D´Água" (o verso "Yara eu" vai sendo acrescido de palavras até formar "Yara eu te amo muito mas agora é tarde eu vou dormir") e no famoso hai-kai caleidoscópico de "Eternamente" ("Eternamente/É ter na mente/Éter na mente/Eterna mente/Eternamente"). Como se vê, novos significados vão surgindo a cada nova palavra que se desdobra a partir da inicial. É um procedimento em sintonia com a poesia moderna, em especial, pelos minimalistas americanos, como Gertrude Stein, e.e. cummings e, no teatro, Bob Wilson. 

Na concepção musical do LP, tentou-se esgotar as possibilidades de um estúdio de dezesseis canais, com utilização de play-backs em sentido contrário, saturação de freqüências e pré-mixagens. A complexidade do trabalho desenvolvido com a sonoridade da bateria - que além de usar filtros de freqüências, serve-se às vezes de outra bateria - levou a utilizar dois bateristas nos shows. A combinação dos instrumentos acústicos - principalmente os tambores e tumbadoras que reforçam o clima tribal/meditativo de algumas letras - com os teclados e guitarras sintetiza as boas influências da música contemporânea e do rock. 

Os últimos vinte anos de música no Brasil atestam que Revolver não perdeu sua atualidade. Continua pulsando de idéias, novas até para o ouvido da era digital. O percurso posterior de Walter Franco seguiu outras direções, principalmente o caminho das baladas meditativas. Mas de quem elaborou dois LPs de tamanha criatividade e inteligência, podem-se esperar sempre novas surpresas. Por enquanto, a Continental Discos bem que poderia relançar Revolver (ele já chegou a ser relançado em 79, mas é muito difícil encontrá-lo hoje nas lojas) e o "disco da mosca" (também conhecido como Ou Não) que está igualmente fora de catálogo e é outra pérola da música popular brasileira. 



A1. Feito Gente
(Walter Franco)
A2. Eternamente
(Walter Franco)
A3. Mamãe D´água
(Walter Franco)
A4. Partir do Alto / Animal Sentimental
(Walter Franco)
A5. 1 Pensamento
(Walter Franco)
A6. Toque Frágil
(Walter Franco)

B1. Nothing
(Walter Franco)
B2. Arte e Manha
(Walter Franco)
B3. Apesar de Tudo é Muito Leve
(Walter Franco)
B4. Cachorro Babucho
(Walter Franco/Chico Bezerra)
B5. Bumbo do Mundo
(Walter Franco)
B6. Pirâmides
(Walter Franco)
B7. Cena Maravilhosa
(Walter Franco/Cid Franco)
B8. Revolver
(Walter Franco)