terça-feira, 27 de setembro de 2016

Lumina - Project [2008]

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Por Ricardo Seelig em Collector´s Room

O Lumina é um trio de free jazz / fusion formado por instrumentistas experientes e acima de qualquer suspeita. Fazem parte do grupo o guitarrista Johny Murata (que também atua como compositor, arranjador, engenheiro de som e produtor, além de ser um músico disputadíssimo no cenário da world music), o baixista Sizão Machado (que já tocou com ícones como Chet Baker, Chico Buarque, Elis Regina, Airto Moreira e inúmeros outros) e o baterista Fabio Fernandes (também na Banda do Sol, e com passagens pelos conjuntos de Rogério Duprat e Hermeto Paschoal). Como se vê, todos com currículos extensos e muita estrada nas costas.

A banda surgiu de uma jam session entre Murata e Fernandes, que, entusiasmados com o resultado, decidiram entrar em estúdio para registrar suas composições. Para isso convocaram Sizão Machado, e o resultado é esse "Project", primeiro álbum do Lumina.

Totalmente instrumental, o trabalho transita com autentidade e conhecimento de causa pelos caminhos sinuosos do fusion, em construções harmônicas complexas, melodias inusitadas e alto apuro técnico nas performances. Johny Murata exala sensibilidade em notas que flutuam sobre as bases intricadas criadas por Sizão Machado e Fabio Fernandes.

A melodia de "Crystal Tower" evoluiu sobre escalas de acordes que hipnotizam o ouvinte. "Sahara" abre com um solo de bateria de Fernandes que me trouxe à mente o solo fenomenal de Elvin Jones em "Pursuance", faixa do clássico "A Love Supreme", lançado por John Coltrane em fevereiro de 1965. Em "Sahara" cada um dos três instrumentos parece, em um primeiro momento, seguir caminhos independentes, que na verdade se revelam entrelaçados de maneira univitelina, alcançando um resultado final não menos que soberbo.

A densa "Thar" nos transporta para outro mundo, enquanto "Lonely" cativa instantaneamente, além de conter a melhor performence de Sizão em todo o disco. A abertura apocalíptica de "Karakum" evolui para um exercício de instrospecção, com os músicos entregando notas que parecem se abraçar e girar pelo ar. O álbum se encerra com a demonstração de técnica explícita de "Atacama" e com os climas contrastantes de "Genesis".

"Project" traz oito faixas exemplares, em um resultado final que paira muito acima daquilo que o mercado brasileiro está acostumado a receber. Uma pequena observação deve ser feita em relação à produção do disco, que, se está longe de deixar a desejar, poderia, sem dúvida, explorar melhor os timbres dos instrumentos de Murata, Machado e Fernandes. Merece menção também a bela arte da capa, desenvolvida por Robson Piccin, que transmite de forma certeira o conceito do grupo.

Se você curte jazz e, principalmente, fusion, esta estreia do Lumina irá lhe agradar em cheio.


1. Crystal Tower
2. Siberia
3. Sahara
4. Thar
5. Lonely
6. Karakum
7. Atacama
8. Genesis 

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Jorge Ben - Samba Esquema Novo [1963]


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Para a maioria dos pesquisadores da música popular brasileira o período mais importante de nossa história concentra-se entre os anos de 1930 a 1945. É o que chamam de época de ouro. Sem dúvida que esse foi um dos momentos mais ricos que tivemos, pois naquele espaço de 15 anos vimos florescer nomes como Noel Rosa, Ary Barroso, Dorival Caymmi, Carmen Miranda, Orlando Silva, Sílvio Caldas, Ataulfo Alves, Custódio Mesquita e muitos outros grandes artistas que marcaram o cancioneiro popular do Brasil. Contudo, um fato importante deve ser citado com o mesmo destaque, qual seja a grande coincidência que viria também 15 anos depois em 1960, quando o Brasil já demonstrava a maturidade de uma nova geração de músicos que despontaram nos meados dos anos cinqüenta e que se juntariam a outros que fariam da década de sessenta mais uma fase de ouro, fazendo-nos concluir que não tivemos um hiato muito grande de carência musical, apenas uma fase de adaptação durante os dez primeiros anos do pós-guerra e depois uma avalanche de novos talentos, que renovariam a música popular brasileira, e a fariam universal, desta vez de forma definitiva. 

Após o advento da Bossa Nova o mercado e as condições históricas visualizavam um campo extremamente fértil para o surgimento de novos artistas e novas tendências musicais. Nesse contexto é que surge a figura de Jorge Ben, cantor e compositor carioca que iria trazer para o público brasileiro um novo som, um samba estilizado, diferente das concepções bossanovistas, com uma negritude e um balanço jamais vistos em nossa música popular, onde sua batida de violão, aliada a uma linha melódica totalmente renovada e moderna mais a ingenuidade de suas letras revelaram uma nova maneira de interpretar o samba, que ele chamou de esquema novo, título de seu primeiro LP lançado em 1963. 

O destaque maior do disco estava nas canções "Mas que nada", e "Por causa de você, menina" anteriormente gravadas em um disco 78 rotações com Jorge Ben acompanhado do conjunto Copa 5 formado por, Meireles no sax, Pedro Paulo no trompete, Toninho no piano, Do Um Romão na Bateria e Manuel Gusmão no baixo, gravações estas que foram reaproveitadas no LP. 

O sucesso foi imediato apesar de alguns críticos acharem as letras infantis, as harmonias pobres e o violão tocado errado e o que é mais curioso, eles pensavam que Jorge Ben seria um fenômeno passageiro, contrariando, pois os "entendidos" no assunto, o disco alcançou em apenas dois meses a cifra recorde para a época de 100 mil cópias vendidas transformando Jorge Ben da noite para o dia no maior fenômeno da música popular brasileira e não em mais um modismo efêmero, fato este que veio a se confirmar com seus discos posteriores, todos eles com músicas de excelente qualidade e grande apelo popular. 

É importante citar algumas partes do comentário de Armando Pittigliani na contra-capa do disco: "O samba de Jorge Ben, da batida de seu violão à linha melódica e letra de suas composições revela um novo caminho nos horizontes de nossa música popular. É o esquema novo do samba. Reparem que a harmonia negróide transborda em todos os momentos de sua música (...) Seu inato talento musical proporcionou-lhe descobrir uma nova puxada para o nosso samba, fazendo do violão um instrumento, sobretudo, de ritmo. Na sua batida tanto se destaca o baixo como o desenho rítmico de sua pontuação na maneira toda sua de tocar. Um exemplo disso é o fato de várias faixas deste disco não contarem com o contra-baixo na orquestração. Somente o violão de Jorge já da a necessária marcação dispensando, portanto, aquele instrumento de ritmo. O balanço do acompanhamento repousa quase sempre no seu violão". 

Outra música incluída no disco e que se tornaria em grande sucesso foi "Chove chuva", um dos clássicos de seu repertório. Em "Por causa de voce, menina", ele inova na letra fazendo menção a Obá (deusa nagô do amor) e aos santos Sacundin e Sacundém e ainda aos guerreiros Dombim e Dombém, além de pronunciar a palavra você como "voxê", dando um toque especial e único à interpretação. Misture, portanto, essas expressões em nagô, inclua umas inflexões rítmicas influenciadas pelo som "mbira" rodesiano mais o balanço rítmico de seu violão que temos então a receita perfeita de realmente um novo som, popular, brasileiro e universal. 

Mas a negritude estilizada do som de Jorge Ben e a influencia dos elementos afro em suas canções vem por ele mesmo traduzida ao afirmar em "Mas que nada", que "este samba que é misto de maracatu, é samba de preto velho, samba de preto tu". O LP Samba Esquema Novo contava também com as músicas, "Tim dom dom", de João Mello, única música não assinada por Jorge Ben, "Balança pema", "Rosa, menina, rosa", "Quero esquecer voce", "Ualá ualalá", "Vem morena", "É só sambar", "A tamba" e "Menina bonita não chora". 

Quando hoje em dia fala-se em renovação na música popular brasileira, mistura de ritmos e novas experiências sonoras, que invariavelmente caem na mediocridade ou na mera preocupação de consumo, verificamos ao ouvir este disco de Jorge Ben, o quanto ainda precisamos aprender a sermos talentosos e revolucionários sem a necessidade de simplesmente ganhar dinheiro a qualquer custo, pois o talento é um dom natural que nem todos possuem e que não se vende barato. Viva seu Jorge Ben ou Benjor, voce que já esta com todos os méritos na galeria dos grandes de nossa canção popular, continue com seu balanço, pois ele já é eterno. Sacundim, sacundem! 


Músicas: 
A1 - Mas que nada
A2 - Tim dom dom 
A3 - Balança pema 
A4 - Vem morena, vem 
A5 - Chove chuva 
A6 - É só sambar 

B1 - Rosa, menina rosa
B2 - Quero esquecer voce 
B3 - Ualá ualalá 
B4 - A tamba 
B5 - Menina bonita não chora 
B6 - Por causa de voce, menina 


Ficha Técnica AQUI