terça-feira, 29 de agosto de 2017

Bebeco Garcia - Me Chamam Curto Circuito [1999]

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Contanto com o acompanhamento do Bando de Ciganos, formado pelos músicos Egisto Dal Santo e Edinho Galhardi, e com a participação do filho de Bebeco, Pedro Garcia, na bateria. A produção ficou a cargo do próprio Egisto Dal Santo.

1. Um dia no futuro
2. Sala de espelhos
3. Eu sou um astronauta
4. Não chore por mim
5. Me chamam curto circuito
6. A vida é dura rapaz
7. Me mostre o seu sorriso
8. O maluco sou eu

domingo, 27 de agosto de 2017

Pepeu Gomes - Um Raio Laser [1982]

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Por jpbueno em Um Disco Por Dia

Era uma modorrenta terça-feira (o dia internacional do Nada a Acontecer), tava eu todo pimpão dando expediente no office quando chega uma informação via email que o honorável guitarrista, cantor, compositor e baiano Pepeu Gomes, teria grande parte de sua obra solo relançada em CD.

Munido dessa informação, me perguntei: Why?

Munido dessa mesma informação, consultei os botões da camiseta: Quem a essa altura do campeonato iria parar sua vida e comprar um disco de Pepeu?

Muito intrigado e muito curioso, fui atrás pra saber o que sairia, afinal, vai que…. né?

Fui lá eu pesquisar um pouquinho e não é que eu descobri que tinha um monte de gente querendo botar as mãos nesses discos!!! Vá entender, pensei comigo novamente.

Pesquisando a fundo, não é que tem uns discos bons esse danado de Pepeu?

Pepeu sempre foi um guitar hero terceiro-mundista muito bem quisto em todas as praças musicais mundo afora, agora… se ele tinha feito alguma coisa que preste… era outra conversa…

Entonces, capturei esse Um Raio Laser no meio de outros e a bizarrice da capa, que mostra nosso Hendrix tupiniquim com um cabelo e uma mexa verde de dar inveja aos astros do forró eletrônico nowadays, só é superada pela contra capa suprema desse mesmo quitute, com o astro de corpo inteiro soltando um raio laser tosco de sua guitarra “blade-runneriana”.

Coragem irmão, felizmente a bizarrice acaba no campo estético, porque o disco é bom, espantosamente bom.

Pode parecer viagem, mas dá para sacar uma forte presença de Prince circa 1999 ou Around The World In A Day nos momentos mais pops desse álbum. Não era facil escapar da influencia do senhor “púrpura” nos early eighties.

Funk e swingue oitentista de primeira se unem a uma guitarra aguda e frenética para compor este belíssimo exemplar de pop nordestino legitimo e redondo. Um Raio Laser é uma bobagem ensolarada muito bem informada musicalmente e que sobreviveu bem ao tempo.

Tirando os discos ao vivo, que eu não pego bem de jeito nenhum, o relançamento dessa discografia foi deveras oportuna e serve para jogar luz a um momento obscuro do pop brazuca: O pop dos anos 80 feito por artistas com mais de 30 anos. Há mais nessa cumbuca para revirar, mas bateu uma preguiça e eu vou é dar uma espreguiçada…


A1 Fazendo Musica,Jogando Bola
A2 Um Raio Laser
A3 Sonhar
A4 No Céu Do Arpoador
A5 Sabor De Salsa
A6 Planeta Vênus
B1 O Som Esta Solto
B2 Delicado
B3 Agogô (Pra Ralph McDonald)
B4 Olodum Origem Negra Nagô
B5 Faveleira

domingo, 20 de agosto de 2017

Walter Franco - Vela Aberta [1980]

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Por Alexandre Ott em Whiplash

O velho dicionário escolar define petardo como um engenho explosivo, portátil, projetado para destruir obstáculos. Pois essa definição parece extremamente apropriada para a canção de um certo (e muito peculiar) compositor brasileiro chamado WALTER FRANCO. “Canalha” é simplesmente uma bomba lírica, dramática e, claro, musical. Talvez o maior petardo da história da música popular brasileira, nem sempre afeita à linguagem do Rock’n’Roll. Por isso, é hora de entrar nesse campo minado onde jazem tantos grandes músicos e conjuntos esquecidos e, finalmente, recolher essa peça que parece ser feita de nitroglicerina pura!

O compositor

São poucos os compositores cujas canções alcançam tamanha penetração no imaginário popular a ponto de tornarem-se uma espécie de provérbio, de máxima. WALTER FRANCO é um desses privilegiados. Se sua obra como um todo é de difícil compreensão, ou mesmo de difícil digestão para a miscelânea de gostos existentes, por ser ela própria uma grande mistura de elementos, com ingredientes nem sempre muito palatáveis, por outro lado, todos concordam que, destarte a variedade de nossas experiências sonoras, “é preciso manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo”.


O dito acima, por si só, seria suficiente para conferir identidade ao cantor e acionar instantaneamente a nossa memória. Porém, isso seria injusto, pois o experimental Walter não é homem de uma só canção. Escrita há mais de 30 anos, “Canalha” é tão marcante que poderia valer por um disco inteiro de rock contemporâneo.

Surgido na década de setenta, WALTER FRANCO é comumente associado a um movimento marginal ao curso da grande MPB: a vanguarda paulistana. Como uma boa cena alternativa, ela não teve um rosto bem definido, mas antes, agrupou faces e nomes diversos pela sua heterogeneidade e experimentalismo. ARRIGO BARNABÉ (para certa crítica, o ZAPPA brasileiro) é e foi um dos seus maiores representantes. Pois foi junto a este grupo que Walter se colocou – no limbo, nas bordas da tradicional MPB.

Sua música verte entre a canção mais suave e peças como “Canalha”. Sua temática tem um quê existencial, na medida em que tanto aborda a angústia cotidiana quanto profetiza a sua superação. Em resumo, WALTER FRANCO é costumeiramente citado como um artista de fortes idiossincrasias, daqueles que associam a música à poesia e, como se não bastasse, a coisas como o concretismo e outros que tais. Não à toa integrou a referida vanguarda paulista e fez, ao longo da vida, parcerias com gente como LOBÃO.

O álbum

O disco que contém essa grande peça é “Vela aberta”, de 1980. O quarto álbum da carreira do cantor, já famoso por ter emplacado “Coração tranquilo” (presente no registro “Respire fundo”, de 1978), caracteriza-se pela heterogeneidade já referida. Walter abre a vela do seu barco e navega por sons que se espraiam desde as águas nem tão lamacentas de um Blues paradoxalmente alegre, como em “O blues é azul”, onde Walter canta o amor, até as correntes que nos remetem a algo de nordestino, de melancolicamente brasileiro, como a faixa-título “Vela aberta”, em que Walter poetiza a atitude nômade.

Há ainda composições como “Tire os pés do chão”, com um arranjo indefensavelmente piegas, o qual nos faz lembrar de momentos análogos em CHICO BUARQUE e ELIS REGINA, por exemplo; e também canções como “O dia do criador”, que tem a bossa da então nascente década de 80, no embalo do reggae popularizado. “Feito gente” é o momento soul do disco, com muito boa levada de baixo-bateria. "Me deixe mudo" e "Como tem passado" são canções divertidas. Finalmente, “Divindade” mostra a cara do rock setentista, sem superar, no entanto, “Canalha”, o incontestável ápice da obra, a partir do qual lançam-se sombras sobre os outros momentos do play.

O álbum é interessante e estranho ao mesmo tempo. Pessoalmente, causou impressões diversas em cada audição: da assimilação à repulsa, prevalecendo a primeira. Talvez seja essa a condição do trabalho de um vanguardista, como se propôs a ser Walter em sua época, ainda mais em termos de MPB – um universo tão diverso e controverso. Diríamos que FRANCO provoca-nos ao modo tupiniquim: ele nos leva do asco ao deleite, do quase-reggae ao rock rapidamente. O destaque final vai para ele próprio, WALTER FRANCO, com este seu tempero exótico, inusitado, e para a muito boa cozinha do disco.

A peça

“Canalha” inicia com ares épicos, num belíssimo tema ao piano, entremeado pelas frases distorcidas da guitarra. O ambiente criado pela banda é imponente, é dramático. Os acordes do piano harmonizam-se plenamente com a entrada em cena de FRANCO e a canção, paulatinamente, cresce. O desabafo, o vaticínio tão supostamente fatalista quanto aparentemente realista do cantor é intenso: para ele, nossas almas serão dilaceradas pelas inevitáveis dores do existir. Diante deste quadro limítrofe, em pouco menos de um minuto, a peça explode na emoção de seu primeiro clímax, consumado de forma grotesca e feroz pelo urro e pelo berro de Walter.

Com isso, o resto da banda se apresenta: ótimas viradas de bateria se colocam em meio a uma levada direta e empolgante. Logo percebe-se que a mistura será refeita por uma cozinha explosiva, que municiará FRANCO em seu intuito de levar tudo pelos ares novamente. Seu retorno, com cordas ao fundo, é antecedido por uma passagem de baixo simplesmente sensacional – pela felicidade seja de sua execução, seja da timbragem do instrumento. O fraseado do baixo praticamente divide, com FRANCO, o protagonismo em “Canalha”.

Assim, já em um Rock franco - e sem trocadilhos -, mais direto do que nunca, Walter insiste em sua profecia, tocando-nos com seu vocal gutural, cuja força vem de suas entranhas emocionais. Enfim, temos uma interpretação fantástica. Um petardo “popular” e “supra-popular” – eis aí uma obra para o rock nacional. É impossível ficar indiferente, pois

É uma dor canalha,
Que te dilacera.
É um grito que se espalha.
Também, pudera!
Não tarda, nem falha,
Apenas te espera...
Num campo de batalha,
É um grito que se espalha,
É uma dor...
Canalha!

Tamanha é a força da peça que MARCELO NOVA, o príncipe do rock brasileiro e os TITÃS tentaram dar a ela suas próprias versões. Porém, há composições que não são passíveis de recriação. E esse é o caso de “Canalha”: WALTER FRANCO é, aqui, inimitável! Nem a Marceleza mais o eterno Raul poderiam fazê-lo; tampouco os cabeças-dinossauro (ainda que embasados pelo bom trabalho de TONY BELOTTO).

O Canalha

Em “Canalha”, o triunfo de WALTER FRANCO se dá pela simplicidade profunda da mensagem e pela grande interpretação a ela dedicada. Ademais, a composição permite com que façamos apropriações do seu sentido.

Certamente, deparamo-nos com muitos canalhas em nossas vidas: são os perpetradores do mal, os apologetas da mentira, os motivadores da desilusão. Porém, até que ponto não somos nós os próprios canalhas? Pois, como diz WALTER FRANCO, canalha é a dor nela mesma. Portanto, o que iremos fazer com ela e as circunstâncias envolvidas? Neste campo de batalha no qual a vida, muitas vezes, se transforma, nós mesmos realizamos esta condição antagônica miserável com as outras pessoas. Em virtude de nossas fraquezas.

Por outro lado, mesmo quando estivermos fortes, teremos de lembrar que este grito não tarda, nem falha, apenas nos espera: a dor e o mal tentarão dilacerar nossos corações. Logo, teremos de resistir, de fato, aos canalhas do mundo.

segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Motormama - Fogos de Artifício [2017]

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Por Fernando Augusto Lopes em Floga-se

Quando a batida e o rife espacial de “Te Vejo Na Cosmopista” começam, seguidos pelo baixo e a voz bêbada e um tanto afetada que declara que “eu vou sem direção, nessa louca estrada da vida, perdida, amor”, a impressão é que será impossível segurar o corpo, que se inquieta em busca de movimento.

Vivemos na era das tags, as etiquetas que ajudam as pessoas a identificar que tipo de música está por vir assim que se aperta o “play”. Aparentemente, é necessário, é uma das ferramentas mais úteis. Não por preguiça do ouvinte ou desconhecimento, é um facilitador em tempos em que não há tempo pra ouvir discos inteiros, apreciar um álbum por completo.

Não há uma tag pra “diversão”, porém essa deveria ser a tag do Motormama, quinteto de Ribeirão Preto, em seu quarto disco, “Fogos De Artifício”. Régis Martins, o cabeça da banda, até tenta expor essa ou aquela inspiração pro disco – é folk, é rock, é pop, é soul… Nada é suficiente.

Ou, por outra, cada ouvinte vai fazer uma ligação qualquer. A primeira que vem à minha cabeça é o Charlatans. “Fogos De Artifício” poderia ser uma boa peça da discografia do Charlatans.

O Charlatans pós-“Wonderland” (2001) é tudo isso – rock, pop, soul, indie – e uma música como “Te Vejo Na Cosmopista” poderia estar em qualquer disco dessa fase do grupo britânico. Não só ela: a faixa-título, um rock mais acelerado; “Não Sou Mais O Mesmo Sujeito”, um rock-soul; “Foi Pelo Dinheiro/Foi Por Diversão”, um “baiãozinho com arranjo complexo”, desses bem inocentes, com um balanço convidativo; “Rocket’s Tail”, o protagonismo da guitarra; todas elas tem o mesmo DNA básico que deu origem ao Charlatans. Em suma e preguiçosamente, é o que poderia chamar de “pop-rock”.

Não, a Motormama não se inspirou da turma de Tim Burgeess pra criar “Fogos De Artifício”. Martins cita de Clube Da Esquina a Stills, Nash & Young pra sublinhar que a sua arte é cosmopolita, é mundial, e portanto está na mesma gigantesca tigela do Charlatans, como do Pixies, do Wilco, do Replicantes, dos Mutantes e do Jupiter Maçã (homenageado em “Se O Mundo Desmoronar (Nunca Perca A Cabeça)”). Como identificar essa mixórdia?

São oito músicas e as oito são um prisma de possibilidades. Em comum é que elas são irresistivelmente chacoalhantes.

O Motormama é velho de guerra. “Fogos De Artifício” é o quarto disco em dezoito anos de carreira. É uma banda bissexta, como se vê. O disco anterior, “Aloha Esquimó”, é de 2009. Mas é nesse novo trabalho que, soltinha, a banda parece ter dado uma banana pra qualquer regra e caído na diversão. Régis Martins (guitarra e voz), Gisele Zordão (voz, teremim e maraca), Joca Vita (baixo) e dois novos integrantes Alessandro Perê (teclado e voz) e Thiago Carbonari (bateria), a essa altura do campeonato, não devem estar muito preocupados com a repercussão, quantos “curtir” ou “tuítes” vão levar.

Misturando inglês e português em algumas faixas (como “Vôo Número Zero” e “Rocket’s Tail”), a Motormama tampouco tenta parecer “profunda” ou “inteligente”. São letras simples, mas bem construídas, encaixadas.

“Não sou mais o mesmo sujeito que um dia dobrou a esquina / Se o espaço se expande, eu também quero caminhar nessa vida / Se eu cantar, não chores não / Não sou mais o mesmo sujeito que um dia te deixou sozinha / Levou o dinheiro, o cigarro, o isqueiro numa caixa vazia / Se eu voltar, não chores não” (seguido de um previsível e, ainda assim, irresistível solo de guitarra), sobre amadurecimento, em “Não Sou Mais O Mesmo Sujeito”.

“Se você pensa em ficar / Quero que você entenda / Tudo aquilo que você sonhar / Talvez nunca aconteça / Mas se o mundo for desmoronar / Nunca perca a cabeça / Siga em frente sem se preocupar / Se esse crime ainda compensa”, sobre frustrações, em “Se O Mundo Desmoronar (Nunca Perca A Cabeça)”.

“Meia-noite eu vou cantar um versinho popular”, no refrão de “Foi Pelo Dinheiro / Foi Por Diversão” é o resumo dessa facilidade de compreender e apreciar a própria simplicidade.

Quando se faz uma música tão solta e, arrisco dizer, “despretensiosa”, as expectativas são mais reais e palpáveis. Até mesmo uma possível pretensão de Martins – colocar “Longa Estrada Da Vida”, do Milionário & José Rico, e “A Estrada Perdida”, do David Lynch, na mesma frase, em “Te Vejo Na Cosmopista” – soa tão engraçada quanto inusitada.

Pode ser um disco perecível por toda essa facilidade de acesso, mas quem se importa? A única coisa a se fazer diante de “Fogos De Artifício” é se divertir junto.

quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Séculos Apaixonados - O Ministério da Colocação [2016]

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Por Cleber Facchi em Miojo Indie

Não é difícil montar uma lista de artistas recentes que são assumidamente inspirados pela música produzida na década de 1980. Projetos nacionais e estrangeiros que sufocam pelo uso exagerado de sintetizadores vintage, batidas ecoadas, estética neon e versos sempre pegajosos, radiofônicos. Um eterno resgate do passado, maquiado e vendido ao público como novidade. Exageros, clichês e pequenas fórmulas instrumentais que os integrantes da Séculos Apaixonados buscam perverter nas canções de O Ministério da Colocação (2016, Balaclava Records).

Segundo álbum de estúdio do coletivo formado por Gabriel Guerra (voz e guitarra), Lucas de Paiva (teclado e saxofone), Felipe Vellozo (baixo), Arthur Braganti (Teclado e Voz) e Lucas Freire (bateria), o sucessor do elogiado Roupa Linda, Figura Fantasmagórica (2014) confirma a busca do quinteto carioca por um som ainda mais complexo, anárquico e desafiador. São sintetizadores sujos, ruídos submersos e versos abafados que tanto refletem o caos dentro de qualquer centro urbano como as constantes variações do mercado financeiro.

Livre do romantismo incorporado no trabalho anterior, O Ministério da Colocação faz de cada canção um curioso exercício criativo. Instantes em que o grupo passeia pelo mesmo pós-punk de artistas como Public Image Ltd. e The Fall – vide Disfarçando Riquezas na Triagem –; brinca com referências inusitadas – caso do “encontro” entre Roxy Music e Roupa Nova nas melodias de Dedo em Riste – e ainda coleciona fragmentos instrumentais de forma propositadamente instável, delirante – proposta explícita na urgência de Ele Também Foi Pra São Paulo.

Da abertura ao fechamento disco, parece difícil prever a direção seguida pela Séculos Apaixonados. O coro de vozes na pegajosa A Origem das Espécies, a ambientação nostálgica de Uma Vida Toda Planejada, o toque melancólico e sombrio em Medo da Cidade Quando Chove. Enquanto Roupa Linda, Figura Fantasmagórica parecia confortar todas as canções em uma atmosfera apaixonada e brega, com o presente disco são as trilhas independentes de cada canção que acabam seduzindo o ouvinte.

Superficialmente caótico, O Ministério da Colocação oculta no interior de cada música um universo de pequenos detalhes e fragmentos instrumentais. Perceba como os teclados flutuam com leveza entre os versos de Uma Vida Toda Planejada. Ao fundo de A Origem das Espécies e Dedo em Riste, um coral de vozes complementares, como se a banda incorporasse os clichês típicos de um jingle de supermercado. Logo na abertura do disco, um verdadeiro duelo entre as guitarras e sintetizadores que movimentam a versátil Disfarçando Riquezas na Triagem.

Interessante notar que todo esse catálogo de referências e constantes diálogos com o passado acabam se materializando no interior uma obra essencialmente curta. São apenas oito faixas, pouco mais de 30 minutos de duração, como um turbulento resumo de todas as ideias e inspirações que cercam cada membro da banda. Se há dois anos a Séculos Apaixonados parecia apenas um refúgio temporário para os integrantes de diferentes projetos da cena carioca – como Baleia, Mahmundi e Pessoas Que Conheço –, com a chegada de O Ministério da Colocação, o quinteto se revela em essência, maduro, porém, ainda tão caótico quanto nas canções de Roupa Linda, Figura Fantasmagórica.

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Dingo Bells - Maravilhas da Vida Moderna [2015]



Por Lucas Brêda em Rolling Stone

A história do Dingo Bells se estende por mais de uma década. Da formação da banda, passando pelos shows, lançamento de EP e as gravações do disco – que se arrastou por cerca de um ano –, muito suor foi derramado. “Foi um processo bem intenso e de muita dedicação”, confessa o baixista e vocalista Felipe Kautz.

O resultado final vem embalado em uma capa em preto e branco, com uma fotografia que traz um dinossauro de madeira em clima bucólico, com uma lua desenhada ao canto direito. O disco é Maravilhas da Vida Moderna, estreia do trio gaúcho, (disponível de maneira exclusiva no Sobe o Som).

“Queríamos algo que nos deixasse satisfeitos”, acrescenta Kautz, dividindo a “culpa” da preocupação com os detalhes com o produtor Marcelo Fruet. “É quase como se eu quisesse fazer algo que eu pudesse mostrar para o meu filho. Dizer: ‘Olha só, um dia eu me reuni com esses caras e a gente fez isso.”

Maravilhas da Vida Moderna foi ganhando forma com as passagens do grupo por um sítio na região de Viamão, no Rio Grande do Sul. “Gravamos bateria, baixo, alguns violões, guitarras e coisas que achávamos que o sítio poderia acrescentar, como sonoridade e como aura do lugar.”

No sítio, eles gravaram “Anéis de Saturno”, acústica e singela, registrada em fita cassete capturando a atmosfera do local. O álbum, contudo, flerta com o groove pop – como anuncia o single e primeira faixa, “Eu Vim Passear” – e encontra singularidade tanto na reflexão de “Dinossauros” quanto na diversão de “Bahia”.

“Não temos um pé na música regional daqui”, afirma o baixista e vocalista, suavizando o impacto do sotaque que extrapola as conversas, se destaca nas canções, e ganha respaldo da crítica local. “Não acredito que passamos um recado com região definida: a gente fala um pouco sobre nosso tempo, o que vemos à nossa volta e como levamos nossas vidas.”

O título do disco é um dos versos de “Mistério dos 30” – “Maravilhas da vida moderna/ Quando o homem saiu da caverna/ Aos 30” – e não poderia ser mais apropriado. “A gente foi se dando conta de que elas tinham uma análise de fora para dentro do nosso mundo”, assume o vocalista e baterista Rodrigo Fischmann. “Tudo se encaixou sob esse telhado de ‘Maravilhas da Vida Moderna’.”

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Euclides Amaral - Guitarrista Victor Biglione & a MPB [2009]


Guitarrista de grande repercussão nacional e internacional Victor Biglione, argentino de nascimento, naturalizado brasileiro, é o estrangeiro que mais atuou em gravações e aparições pelo mundo. Agora a carreira de Victor Biglione é passada a limpo em livro.

“Alguns amigos e jornalistas do meio comentavam que eu era o estrangeiro que mais trabalhou na MPB e nenhum outro tinha esse feito. Mediante a isso, fui ao Instituto Cravo Albim, conversei com a Heloisa Tapajós. Ela me recomendou o Euclides Amaral para fazer a elaboração do livro. Ele fez seis meses de pesquisas e ficou comprovado que eu sou o artista, não brasileiro, que mais trabalhou na MPB, tanto em gravações como em shows, são mais de 250 artistas”, entrega Victor Biglione.

Na realidade, trata-se de um trabalho minucioso de pesquisa - “O guitarrista Victor Biglione & a MPB” (Edições Baleia Azul, 204 pág.), foi preparado pelo poeta e pesquisador musical Euclides Amaral. “O guitarrista Victor Biglione & a MPB”, é integrado por textos e imagens que perpassam a carreira do músico argentino naturalizado brasileiro, radicado no Rio de Janeiro, através de artigos, entrevistas e matérias publicadas em jornais, revistas, livros e sites.

“Nasci em Buenos Aires cheguei ao Brasil com minha família aos cinco anos de idade, 1964. Não torço por time de futebol na Argentina, somente para seleção. Só tenho dois times na minha vida, o Botafogo e a seleção da Argentina e lógico, a Seleção Canarinho. Sou naturalizado brasileiro. Já tive várias oportunidades de morar fora do Brasil, mas não consigo. Meu país é o Brasil e minha cidade é o Rio de Janeiro, na qual resido, amo o Brasil”, confessa Biglione.

Os textos abrangem e particularizam a visão do guitarrista quanto a gêneros musicais como o rock, samba, choro, blues, bossa nova, baião, entre outros, além de trilhas compostas para teatro, cinema e televisão.

Na parte final, do livro, consta o ensaio - “A Contribuição Estrangeira na MPB do Século XVI ao XXI”. Isso foi sugerido pelo músico ao autor do livro, no qual, através de micro-verbetes é prestada uma homenagem aos principais músicos, letristas e editores musicais que influenciaram a MPB, tais como os portugueses - com suas escalas diatônicas e cromáticas, que mescladas às manifestações musicais nativas e posteriormente de origem afro, resultou na sedimentação de novos gêneros musicais através dos séculos.

Já nas imagens, constam 27 capas de discos do Biglione com partituras, capas de impressos e cerca de 70 fotos, tudo isso com alguns dos mais de 250 artistas com os quais o músico vem atuando na MPB a partir da década de 1970 quando começou a trilhar sua carreira.

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

João Donato - A Bad Donato [1970]

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Por Tiago Ferreira em Na Mira do Groove

Foi o acaso que levou João Donato a se transformar em músico por volta de 1952. Por conta de um problema de daltonismo, não conseguiu ser aprovado na carreira de aviador, um sonho de criança.

No entanto, foi o empenho que o levou ao panteão da música brasileira. Grande explorador do acordeom, mestre no piano e multiinstrumentista nato que sabe trabalhar com gêneros que vão da bossa nova à música clássica, o acreano participou de grande parte dos movimentos transformadores da música brasileira ao longo de seis décadas de carreira.

A Bad Donato hoje é considerado um de seus maiores clássicos, mas sua origem é quase tão casual quanto sua biografia. Seus primeiros momentos de gestação ocorreram com a explosão do funk de James Brown e Sly Stone, que revolucionaram a música popular norte-americana no final dos anos 1960.

Donato já havia fixado residência nos Estados Unidos desde 1959, momento que a bossa nova começou a eclodir no Brasil. (Inclusive, alguns teóricos chamam Donato de azarado por não estar no País nesse momento nevrálgico, já que ele era parceiro de João Gilberto, Johnny Alf, Tom Jobim…)

Esse tempo fora do país foi crucial para ele reverter sua situação artística: se por um lado não era majoritariamente conhecido no Brasil, por outro levou o prestígio de nossos ritmos para a cena internacional que, além dos EUA, inclui Cuba, Rússia, Japão e alguns países da Europa.

Mas, voltemos a A Bad Donato. Naquele momento, o músico queria explorar novos territórios com pianos, órgãos e teclados e ir mais além que o elogiado Piano of João Donato: The New Sound of Brazil (1965).

A explosão da música negra mostrou que trabalhar os acordes com mais agressividade num caldo híbrido formariam uma musicalidade intensa e pancada, bem pancada. O pianista burilou essas ideias por alguns anos, mas foi graças à insistência do músico e parceiro Eumir Deodato que o disco saiu dos papeis.

Reza a lenda que a meticulosidade dos dois músicos gerou algumas brigas durante a gravação do disco, mas certas coisas precisam de uma catástrofe muito desgraçada pra dar errado – algo que, felizmente, não aconteceu com A Bad Donato.

Deodato também morava na América do Norte e ajudou a formar a grande equipe para musicar o disco: Oscar Castro-Neves nos violões e guitarra; Paulinho Magalhães e Dom Um Romão nas baterias; Bud Shank na flauta; Jimmy Cleveland no trombone; Don Menza no clarinete; e mais alguns músicos de estúdio para complementar as ideias do disco.

Deodato ficou responsável pelo arranjo de metais e Donato, além de principal compositor e arranjador, ficou com pianos, teclados e órgão.

O disco começa com “The Frog (A Rã)”, que joga um ritmo de marcha de carnaval na velocidade do funk, cumprindo o que o subtítulo do álbum já entrega: psychedelic-funky-experience.

“Celestial Showers” e “Lunar Tune” enganam o ouvinte que pensa se deparar com baladas: os violões de Castro-Neves se adentram aos efeitos esparsos de órgãos e trompetes, penetrando despretensiosamente em um terreno que o fusion-jazz depois chamaria de seu.

“Debutante’s Ball”, a mais brasileira das canções do disco, poderia servir de trilha para um jogo de futebol: rápido como a velocidade da bola numa cobrança de falta, a faixa joga um tempero caribenho ao afro-beat.

Outra canção de destaque é “Mosquito (Fly)”, que leva aos extremos o gingado da conga. Farto exemplo de como o cuban-jazz, que tanto influenciou a carreira de Charles Mingus na década de 1970, tinha muito a oferecer musicalmente a artistas já consagrados.

Apesar de ser gigantesca obra musical em pouco menos de meia hora de duração, A Bad Donato não é visto com tanta grandiosidade por seu dono. Talvez ele apenas o veja como um de seus muitos giros musicais, que vão do forró nordestino às difíceis partituras de Debussy.

A grande verdade é que nenhum outro disco jogou ritmos brasileiros à agressividade funky com tanta maestria como A Bad Donato. Já que a biografia do músico permite casualidades geniais, bom, eis aí um exemplo irrefutável.


A1 The Frog
A2 Celestial Showers
A3 Bambu
A4 Lunar Time
A5 Cade Jodel? (The Beautiful One)
B1 Debutante's Ball
B2 Straight Jacket
B3 Mosquito (Fly)
B4 Almas-Irmas
B5 Malandro