*Tiago El Cid Cardim
Os cariocas do Matanza passam por uma situação bastante atípica não apenas para o rock brasileiro, mas também no que diz respeito ao mundo da música como um todo. Fundador e principal compositor da banda, o guitarrista Donida ficou de saco cheio da dinâmica das turnês, da obrigação de ter que subir aos palcos, de ter que cair na estrada. Mas ao invés de abandonar o grupo, como era esperado, ele permaneceu como compositor e músico de estúdio.
No recente “Odiosa Natureza Humana”, seu quinto álbum de estúdio (e o quarto de inéditas), ele assina a maior parte das canções e registra a violência das seis cordas – só que, nas apresentações ao vivo, ele será devidamente substituído por Maurício Nogueira, ex-integrante da ótima banda Torture Squad. O resultado acabou sendo prejudicado? Muito pelo contrário. Em “Odiosa Natureza Humana”, ouvimos um Matanza mais afiado e pesado do que nunca, com seu country-hardcore ganhando ainda mais temperos thrash metal e letras que refletem o mal-humor e a ironia sobre os rumos da humanidade. Dá para dizer até que “Odiosa Natureza Humana” é o disco mais sombrio do grupo, aquele que carrega menos fé e esperança no que o ser humano anda fazendo em suas andanças neste maltratado planetinha azul. Fúria em estado bruto.
Novamente com produção de Rafael Ramos, “Odiosa Natureza Humana” foi gravado ao vivo no estúdio Tambor e registrado em apenas três dias. E um detalhe: todo o trabalho em fita de rolo, sem qualquer tipo de trucagem digital. Coisa raríssima na nossa indústria fonográfica, o expediente mostra-se bem efetivo já na abertura, com a politicamente incorreta “Remédios Demais”, estrelada por um protagonista que anda fazendo das suas ao volante e passa por cima de quem estiver pela frente. Praticamente colada na primeira faixa, “Em Respeito ao Vício” então inaugura oficialmente a seqüência de petardos que dão pouca ou nenhuma chance para respirar – e tampouco para acreditar na raça humana (repare na letra: “mundo horrível, gente desprezível, a quem vou me justificar”).
O grande momento de “Odiosa Natureza Humana”, contudo, vem lá pela metade da bolacha – começando pela “negative vibrations” faixa-título, cujo trabalho vibrante e brilhante de baixo e bateria embalam a letra que já começa assim: “se todo mundo fosse embora / e só eu ficasse aqui / eu teria nessa hora / um bom motivo pra sorrir / se tudo desaparecesse / e não ficasse mais ninguém / somente num dia desses / eu passaria muito bem”. A dobradinha se completa de maneira perfeita com a poderosa “Carvão, Enxofre e Salitre” – na opinião deste que vos escreve, o grande ápice do disco, talvez uma das melhores canções da discografia do grupo.
Não dá para deixar de falar sobre “Tudo Errado”, um crossover daqueles que o Matanza faz com precisão, com uma guitarra cavalgando de maneira alucinante e convidando para o bate-cabeça e para a roda de pontapés. Por falar em guitarra, aliás, repare ainda na gigantesca e monumental palhetada metálica da guitarra em “Saco Cheio e Mau-Humor”, que tem lá um jeitão meio Metallica das antigas, em especial no refrão. O clássico clima Velho Oeste pode ser conferido em faixas como “Escárnio”, talvez uma das letras mais inspiradas do álbum, sobre como, no dia do juízo final, de nada vão adiantar os carrões, mansões e mulheres acumulados por certos calhordas ao longo da vida.
Um dos poucos alívios para o tom mais pessimista do disco é “Ela Não me Perdoou”, uma espécie de continuação não-oficial das simpáticas “Ela Roubou Meu Caminhão” (do disco “Santa Madre Cassino”) e “Bota com Buraco de Bala” (do álbum “Música para Beber e Brigar”). Naquele clima “dor de cotovelo from hell”, a canção é um divertido retrato sobre uma mulher teimosa e tão sem paciência quanto o próprio estereótipo do brigão vivido pelo vocalista Jimmy, que se recusa a perdoar o que quer que o personagem da música tenha feito e ainda responde à serenata com uma pedrada no meio da testa. Mas acordando sem lembrar o que fez, devidamente acometido por uma dor de cabeça, ele vai para o bar e esquece que esta mulher existe em “Melhor Sem Você”. E assim como em “A Arte do Insulto”, o disco “Odiosa Natureza Humana” se encerra com um ode etílico. Mas ao invés de uma balada de inspiração celta, “O Bebum Acabado” é um country envenenado do tipo que dá até para dançar alegre e contente - mas sem se esquecer que a letra diz “não penso mais sobre a vida / não mais me ocupo com Deus / a mim basta a bebida / que serve a todos os problemas meus”. Matanza à décima potência, senhoras e senhores. Saúde!
Formação:
Jimmy London – Vocal
Donida – Guitarra
China – Baixo
Jonas – Bateria
de Whiplash
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