O Matanza volta há ativa, depois da troca do vocalista e do próprio nome da banda, com novo álbum de inéditas.
Vital Cavalcante - vocal
Dony Escobar - baixo
Jonas Cáffaro - bateria
Marco Donida - guitarra
Maurício Nogueira - guitarra
1. Guia para Demônios e Espíritos Obsessores 2. Seja o Que Satan Quiser 3. Lodo no Fundo do Copo 4. O Elo Mais Fraco da Corrente 5. As Muitas Maneiras de Arruinar Sua Vida 6. Péssimo Dia 7. Tudo de Ruim Que Acontece Comigo 8. Para o Inferno 9. Chumbo Derretido 10. A Cena do Seu Enforcamento 11. Pode Ser Que Eu Me Atrase
Se você não conhece os cariocas do Matanza e não faz sequer idéia do que raios é o seu som, segue uma historinha elucidativa. Lá estava eu, com meu crachá de imprensa, nos bastidores do Video Music Brasil 2004. A apresentação final do programa foi uma jam session entre os músicos do grupo e mais Pitty, Rogério Flausino (Jota Quest), Dinho Ouro Preto (Capital Inicial) e integrantes do CPM 22, reunidos para cantar e tocar Rock and Roll All Nite, do Kiss. Quando saíram do palco, foram direto para a sala de imprensa, onde seriam fotografados. Entre um flash e outro, Dinho tentou uma aproximação com Jimmy London, o gigantesco vocalista do grupo. "Vem aqui, meu, vamos todos nos abraçar para as fotos". E o barba ruiva rapidamente respondeu, com sua voz de trovão: "Sai fora. Eu não abraço nem a minha mãe". E ficou lá, no fundão, braços cruzados e cara de mau. Isso é justamente o que se pode esperar de "A Arte do Insulto", o mais novo CD de inéditas do Matanza: pura testosterona em um dos melhores CDs nacionais do ano.
Iniciando a bolacha já em altíssima velocidade com a faixa-título, uma ode sem papas na língua aos bebuns mais chatos do boteco, o Matanza continua sem concessões em seu som - um hardcore de caminhoneiro, poderoso e mal-educado com levadas country (daquele tipo mais sombrio, a la Johnny Cash) e boas pitadas de irreverência e da violência de sons como Motörhead (cujo vocalista, Lemmy, leva uma vida que lembra e muito as letras do Matanza, aliás).
Prepare-se para ouvir, no volume máximo, os temas favoritos do grupo em canções devastadoras: a canalhice ("Clube dos Canalhas", que presta reverência ao pulador de cerca profissional), a autodestruição ("Sabendo Que Eu Posso Morrer"), a jogatina ("Quem Perde Sai"), a porradaria ("Meio Psicopata"), o modo de vida anti-social ("Eu Não Gosto de Ninguém"). E, é claro, a boa e velha bebedeira, homenageada em "Ressaca Sem Fim" (se você estiver com aquela dor-de-cabeça típica da ressaca, melhor pular esta faixa), "O Chamado do Bar" (com seu antológico refrão "Devo nada pra ninguém / Bebo se estiver afim / A minha vida é minha / E a sua que se foda") e a ótima "Whisky Para um Condenado". Tudo isso quase sem intervalos entre uma canção e outra. Respire se puder.
"A Arte do Insulto" ainda permite que o Matanza revisite o Velho Oeste e seus bandidos sujos e malvados, tão presentes nos anteriores "Santa Madre Cassino" e "Música Para Beber e Brigar", com "O Caminho da Escada e da Corda" - na qual dá para visualizar claramente um vilão sendo enforcado ao pôr do sol do Alabama - e com a balada de despedida "Tempo Ruim". E olha só, ainda tem espaço até para a reflexiva "Quem Leva a Sério o Quê?", que cabe tanto para os críticos da grande imprensa ("A verdade é que não há verdade / Tudo é porque não há não ser") quanto para os pentelhos de plantão que adoram levantar discussões inúteis nos fóruns internéticos ("Desconheço quem tenha razão / Acho perda de tempo qualquer discussão").
Para encerrar, o quarteto desacelera o tom e apela para a deliciosa "Estamos Todos Bêbados", uma inacreditável balada irlandesa (não por acaso, o povo mais beberrão do planeta) com bandolins e tudo mais, de refrão que não dá para ficar sem cantar junto. Definitivamente, não haveria canção melhor para fechar um CD como este. Insulto pouco é bobagem.
Se você acha que o rock nacional está perdido nas mãos da Pitty, dos Detonautas e do Charlie Brown Jr., estes quatro malucos do Rio de Janeiro podem ajudar a desandar o molho com a sua bem-vinda criatividade e autenticidade. No fim das contas, é rock nacional com culhões de verdade. Graças a Deus.
Line-up:
Jimmy London - Vocal
Donida - Guitarra
China - Baixo
Fausto - Bateria
Tracklist:
1. A Arte do Insulto
2. Clube dos Canalhas
3. O Chamado do Bar
4. Sabendo que Eu Posso Morrer
5. Quem Perde Sai
6. Meio Psicopata
7. Eu Não Gosto de Ninguém
8. O Caminho da Escada e da Corda
9. Ressaca sem Fim
10. Tempo Ruim
11. Quem Leva a Sério o Quê?
12. Whisky para um Condenado
13. Estamos Todos Bêbados
“Thunder Dope”, o novo projeto do Matanza, vai revelar segredos, raridades e fazer, de certa forma, um apanhado da carreira da banda. O álbum é uma releitura de um material antigo do Matanza que, por algum motivo, acabou de fora do repertório dos álbuns.
“Não se trata de “sobra de estúdio” mas de músicas que ficaram incompletas, acabaram esquecidas mas que, de alguma forma, foram importantes pra que viéssemos a entender o nosso próprio som.” – explica o guitarrista Marco Donida.
Além das faixas que originalmente pertenceram às demos de 1998 e 1999 (“Terror em Dashville” e “De Volta à Tombstone”), o álbum traz versões de músicas que nunca haviam tido um registro e de outras que sequer haviam ganhado arranjo.
“Thunder Dope é um projeto que documenta anos de “ensaio e erro” dentro de um processo de criação que até hoje nos deixa as roupas fedendo a whisky…” – finaliza Donida.
Os cariocas do Matanza passam por uma situação bastante atípica não apenas para o rock brasileiro, mas também no que diz respeito ao mundo da música como um todo. Fundador e principal compositor da banda, o guitarrista Donida ficou de saco cheio da dinâmica das turnês, da obrigação de ter que subir aos palcos, de ter que cair na estrada. Mas ao invés de abandonar o grupo, como era esperado, ele permaneceu como compositor e músico de estúdio.
No recente “Odiosa Natureza Humana”, seu quinto álbum de estúdio (e o quarto de inéditas), ele assina a maior parte das canções e registra a violência das seis cordas – só que, nas apresentações ao vivo, ele será devidamente substituído por Maurício Nogueira, ex-integrante da ótima banda Torture Squad. O resultado acabou sendo prejudicado? Muito pelo contrário. Em “Odiosa Natureza Humana”, ouvimos um Matanza mais afiado e pesado do que nunca, com seu country-hardcore ganhando ainda mais temperos thrash metal e letras que refletem o mal-humor e a ironia sobre os rumos da humanidade. Dá para dizer até que “Odiosa Natureza Humana” é o disco mais sombrio do grupo, aquele que carrega menos fé e esperança no que o ser humano anda fazendo em suas andanças neste maltratado planetinha azul. Fúria em estado bruto.
Novamente com produção de Rafael Ramos, “Odiosa Natureza Humana” foi gravado ao vivo no estúdio Tambor e registrado em apenas três dias. E um detalhe: todo o trabalho em fita de rolo, sem qualquer tipo de trucagem digital. Coisa raríssima na nossa indústria fonográfica, o expediente mostra-se bem efetivo já na abertura, com a politicamente incorreta “Remédios Demais”, estrelada por um protagonista que anda fazendo das suas ao volante e passa por cima de quem estiver pela frente. Praticamente colada na primeira faixa, “Em Respeito ao Vício” então inaugura oficialmente a seqüência de petardos que dão pouca ou nenhuma chance para respirar – e tampouco para acreditar na raça humana (repare na letra: “mundo horrível, gente desprezível, a quem vou me justificar”).
O grande momento de “Odiosa Natureza Humana”, contudo, vem lá pela metade da bolacha – começando pela “negative vibrations” faixa-título, cujo trabalho vibrante e brilhante de baixo e bateria embalam a letra que já começa assim: “se todo mundo fosse embora / e só eu ficasse aqui / eu teria nessa hora / um bom motivo pra sorrir / se tudo desaparecesse / e não ficasse mais ninguém / somente num dia desses / eu passaria muito bem”. A dobradinha se completa de maneira perfeita com a poderosa “Carvão, Enxofre e Salitre” – na opinião deste que vos escreve, o grande ápice do disco, talvez uma das melhores canções da discografia do grupo.
Não dá para deixar de falar sobre “Tudo Errado”, um crossover daqueles que o Matanza faz com precisão, com uma guitarra cavalgando de maneira alucinante e convidando para o bate-cabeça e para a roda de pontapés. Por falar em guitarra, aliás, repare ainda na gigantesca e monumental palhetada metálica da guitarra em “Saco Cheio e Mau-Humor”, que tem lá um jeitão meio Metallica das antigas, em especial no refrão. O clássico clima Velho Oeste pode ser conferido em faixas como “Escárnio”, talvez uma das letras mais inspiradas do álbum, sobre como, no dia do juízo final, de nada vão adiantar os carrões, mansões e mulheres acumulados por certos calhordas ao longo da vida.
Um dos poucos alívios para o tom mais pessimista do disco é “Ela Não me Perdoou”, uma espécie de continuação não-oficial das simpáticas “Ela Roubou Meu Caminhão” (do disco “Santa Madre Cassino”) e “Bota com Buraco de Bala” (do álbum “Música para Beber e Brigar”). Naquele clima “dor de cotovelo from hell”, a canção é um divertido retrato sobre uma mulher teimosa e tão sem paciência quanto o próprio estereótipo do brigão vivido pelo vocalista Jimmy, que se recusa a perdoar o que quer que o personagem da música tenha feito e ainda responde à serenata com uma pedrada no meio da testa. Mas acordando sem lembrar o que fez, devidamente acometido por uma dor de cabeça, ele vai para o bar e esquece que esta mulher existe em “Melhor Sem Você”. E assim como em “A Arte do Insulto”, o disco “Odiosa Natureza Humana” se encerra com um ode etílico. Mas ao invés de uma balada de inspiração celta, “O Bebum Acabado” é um country envenenado do tipo que dá até para dançar alegre e contente - mas sem se esquecer que a letra diz “não penso mais sobre a vida / não mais me ocupo com Deus / a mim basta a bebida / que serve a todos os problemas meus”. Matanza à décima potência, senhoras e senhores. Saúde!