domingo, 30 de novembro de 2014

Movimento Progressivo Mineiro III

Por Claudio Fonzi
publicado em 2002 no Whiplash

O ano de 2001 foi um ano extremamente favorável para os fãs Progressivos brasileiros, pois, não somente vários lendários representantes setentistas por aqui se apresentaram, como consolidou-se definitivamente o cenário do Movimento Progressivo Mineiro.

Em termos de shows, pudemos acompanhar inesquecíveis apresentações dos ícones britânicos CAMEL, RICK WAKEMAN, STEVE HACKETT e ANNIE HASLAM e dos italianos do LE ORME, além de novos talentos como o francês XANG e o chileno TRYO.

Até mesmo os tradicionais Free Jazz e Rock In Rio abriram suas portas para grupos antenados com o estilo Progressivo, como o islandês SIGUR ROS (no caso do FJ) e UAKTI, VÄRTTINA e DERVISH, no caso do RIR.

Além disso, o estado de Minas Gerais mostrou-se mais favorável do que nunca, com o surgimento do MINAS PROG, um festival internacional localizado na pequena e aconchegante cidade de CATAGUASES.

Idealizado e produzido por Rodrigo Rocha, o embrião deste evento se deu com a realização do show da banda sueca FLOWER KINGS, atingindo o grande público em 22 de março de 2001 através da memorável apresentação do CAMEL até se tornar um legítimo Festival em 10 de novembro com a apresentação de 4 bandas: as internacionais TRYO e XANG, a conterrânea (e criada especialmente para o evento) ATLANTIS (vide adiante) e a maior de todas as sensações do prog nacional da atualidade, os também mineiros do ARION (vide adiante).

O sucesso deste evento veio apenas a confirmar a tradição mineira em termos de paixão pela Música Progressiva, já descrita em detalhes nos períodos das décadas de 70 e 80 nos 2 últimos artigos desta coluna. Nos anos 90, porém, a paixão parece ter decuplicado, com o surgimento de diversos novos grupos e artistas ligados ao estilo.

Dentro deste belíssimo cenário, destacamos os seguintes:

DOGMA: Com 2 primorosos discos, este grupo teve seu fim lamentavelmente prematuro causado pelo falecimento de um de seus integrantes. Basicamente instrumental, o DOGMA teve como co-fundador o excelente guitarrista Fernando Campos, ex-integrante do SAGRADO CORAÇÃO DA TERRA e contou em seu 1º álbum (intitulado "Dogma", foi editado em 1993) com a luxuosa participação do violinista MARCUS VIANA. Lançaram ainda o excelente "Twin Sunrise", no ano de 1995.

TISARIS: Formado na década de 80 na cidade de Lavras, este expoente do Neo-Progressivo brasileiro mudou-se em 1991 para o estado de São Paulo. Lançaram os seguintes CDs: "What's Beyond", "Once Humanity" e "The Power of Myth".

CARTOON: Criado na cidade de Ouro Branco em 1990, chamavam-se inicialmente KARTOON, e dos seus membros atuais só estavam o vocalista Cadu e o baixista Vlad. Ainda não estavam ligados no Rock Progressivo, mas as sementes roqueiras de bandas como Beatles e Led Zeppelin já estavam começando a germinar. Algum tempo depois, mudaram-se para BH e, devido a saída do guitarrista, Vlad assumiu a guitarra, instrumento que passou a dominar com total mestria.

Em 1991, mudaram o nome para CARTOON e permaneceram por 3 anos ensaiando e se apresentando esporadicamente até que, por diversas razões, seguiram caminhos diferentes e desfizeram a banda.

Em 1996, Vlad (novamente no baixo) e Khadhu, juntamente com o baterista Bydhu e o guitarrista Baiano, ressuscitam a banda. Pouco tempo depois, entre o tecladista Boxexa, que além de adicionar a paixão pelos MUTANTES (que acabaria se tornando a maior das influências do grupo), foi responsável por um grande enriquecimento na qualidade e complexidade dos arranjos.

Tal formação, no entanto, duraria pouquíssimo tempo, com Baiano saindo e acarretando um período de instabilidade, que acabou sendo solucionada com o retorno de Vlad às guitarras e a ida de Khadhu para o baixo. Adicionalmente, além de principal vocalista, Khadhu toca harmônica, violão, cítara e esraj, Vlad também toca violão e todos participam ativamente nos vocais.

Assim sendo, realizaram dezenas de shows de altíssima qualidade, englobando músicas próprias e "covers" antológicos (de bandas como Genesis, Queen, Focus, etc, etc) e lançaram em 1999 o CD "Martelo". Infelizmente, o CD não possui a mesma qualidade por eles apresentada ao vivo, mas, apesar disso, possui alguns méritos inquestionáveis, entre eles o fato de não terem se rendido às facilidades do mercado e terem se mantido absolutamente fiéis aos seus princípios.

Para 2002, porém, está previsto o lançamento de seu 2º CD, uma Ópera-Rock Progressiva que promete posicioná-los entre os grandes grupos brasileiros também nesta questo de lançamentos fonográficos.

CÁLIX: Formado em 1997 a partir do grupo Vivências, o CÁLIX era constituído pelos músicos Renato Savassi (flauta) e Marcelo Cioglia (violão clássico), ambos companheiros no Vivências e mais os músicos André Godoy (bateria) e Daniel Lima no violão, bandolim, guitarra e voz principal.

Em novembro do mesmo ano, Daniel Lima sai da banda e em 98, Sânzio Brandão (guitarra, violões e voz) assume o seu lugar. Com esta modificação, Renato Savassi passa a ser o vocalista principal e, além da flauta, passa a tocar também bandolim e violão e Marcelo Cioglia passa para o baixo e voz.

A partir dai, o Cálix passa a se apresentar regularmente em bares e casas de shows como Porto dos Navegantes, City Limits e Studio Sushi Bar, além de várias festas e tradicionais calouradas. A boa resposta do público em relação às composições próprias da banda estimula a gravação de um CD, o que ocorre em 21 de dezembro com o lançamento de seu excelente single de 4 faixas, com destaque para a brilhante composição "Dança Com Devas". A apresentação de lançamento foi marcada pela estréia do pianista Rufino Silvério, como novo integrante da banda.

Em 1999, a situação fica mais promissora ainda, com a banda se apresentando em eventos marcantes como o Projeto Sexta Sintonia, Projeto Sábado Especial (revista Boca a Boca), Orquestra Mineira de Rock I e II, Aniversário de 101 anos de Belo Horizonte, festa de inauguração do site bhmusic.com.br, entre outros. No decorrer do ano, a prensagem de 1.000 cópias do single se esgota e as gravações para o um CD completo se iniciam.

Em 13 de abril de 2000, ocorre o histórico lançamento do CD "Canções de Beurin", no Grande Teatro do Minascentro. Foi um sucesso fantástico e uma apresentação inesquecível, onde conseguiram realizar a maravilhosa façanha de, apesar de ainda desconhecida (para 99,9% do Planeta) e praticamente inédita em disco, atrair mais de 1.000 pessoas, com ingressos a R$14,00 e com predominância absoluta de jovens.

Em uma apresentação impecável, o CÁLIX envolveu completamente o público com sua empolgante performance. Mesclando as canções de sua própria autoria com diversos clássicos do "British Progressive Rock" (Jethro Tull, Renaissance, etc), souberam dosar plenamente suas energias e as da platéia, que se viu "hipnotizada" nos momentos "climáticos" e "delirante" nos momentos energéticos, sendo que as palmas do público, registradas em uníssono, proporcionaram sensações literalmente emocionantes.

Em 19 de outubro se apresentam no "Rio Art Rock festival", mas, alguns problemas impediram a apresentação de algumas de suas músicas mais importantes, tais como a extraordinária "Canções de Beurin". Em novembro, as 3.000 unidades da primeira tiragem do CD "Canções de Beurin" se esgotam e uma nova remessa é feita.

Finalmente, para comprovar seu sucesso, em fevereiro de 2001, em votação aberta no site www.rockprogressivo.com.br, o Cálix é eleito a banda revelação do progressivo brasileiro em 2000 e o CD "Canções de Beurin" é escolhido o melhor do ano.

Em 24/09/01, participam da memorável noite Progressiva do Camping Rock (juntamente com CARTOON e MANTRA), onde realizam excelente apresentação.

MANTRA: A despeito de utilizarem o nome da lendária e fenomenal banda que acompanhava MARCO ANTÔNIO ARAÚJO, os membros do atual MANTRA ainda são jovens iniciantes. Podem se orgulhar, no entanto, de terem realizado o mais emocionante e Progressivo show da noite Progressiva do Camping Rock. Além das sua ótimas composições, fizeram o público, literalmente, delirar ao tocarem, em sequência, e sob um céu maravilhosamente estrelado, versões excelentes da zeppeliniana "No Quarter" (versão alongada presente no "The Song Remains the Same"), da floydiana "Echoes" e da Yesiana "Close To The Edge".

Seus membros são os fundadores Leo "Dias" (bateria), Vinícius "Moselli" (guitarra solo), Igor "Ribeiro" (baixo) e os recém-chegados Pablo Vieira, nos vocais e, após pequeno período de participação do tecladista Adriano, Hugo Bizotto nos teclados.

Lançaram recentemente seu 1º single e prosseguem arduamente na estrada Progressiva com diversas apresentações por Belo Horizonte.

ATLANTIS: Criado por Rodrigo rocha, produtor do MINAS PROG, esta banda seria um projeto de vida passageira, idealizado apenas como um grupo de músicos locais que se apresentariam com o intuito de representar a cidade.

Posteriormente, no entanto, a integração de seus membros foi tanta que o que era para ser um projeto, transformou-se num grupo, batizado por Rodrigo de ATLANTIS.

Com quatro músicas próprias e covers de Marillion (Splintering Heart), Porcupine Tree (Shemovedon), Collage (One of their Kind) e Quidam (Child in Time), sua apresentação surpreendeu, pois apesar do curtíssimo tempo de um mês de ensaios, apresentaram grande entrosamento, mostrando seu valor e que conseguirão bons resultados com relação a futuros shows e a gravação de seu primeiro CD.

O grupo é formado por Maria Júlia Garcia (vocal), Márcio de Mendonça (teclados), Pedro de Sousa (guitarra), Giovani Moura (baixo), Marcelo Athouguia (bateria) e Fabiano Mendonça (flauta).

ARION: Indiscutivelmente, a grande revelação do Progressivo Brasileiro e, porque não dizer, uma das maiores também em escala mundial. Seu CD "Arion" já penetrou para a história do nosso Progressivo como sendo uma das mais brilhantes estréias já vistas por aqui.

Inicialmente batizado de Magma, o grupo surgiu em 1993 na cidade universitária de Viçosa, Minas Gerais, onde realizou diversos shows, participou de especiais para a televisão e passou a ter um maior respaldo junto ao público, tendo se apresentado também em Belo Horizonte. Já contando com um instrumental refinado, adquiriu sua identidade atual com a entrada da cantora Tânia Braz, musicista formada em composição pela Escola de Música da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Além de Tânia completam a banda os excelentes Sérgio Paolucci (teclados), Luciano Soares (guitarra), Nelson Simões (bateria e voz) e Carlos Linhares (baixo, violão e voz).

Arion é um grupo musical que reúne a capacidade artística de músicos com as mais variadas formações profissionais; o que inclui a formação acadêmica, especialização em música orquestral erudita e formação autodidata. Todos os músicos, contudo, têm uma característica comum: são criadores, além de hábeis instrumentistas e intérpretes reconhecidos e respeitados nas praças onde atuam. Seu interesse comum pelo estilo conhecido como Rock Progressivo uniu esses artistas em um projeto musical sólido, caracterizado por arranjos elaborados e riqueza instrumental, que resultou no primeiro CD da banda.

O disco apresenta seis músicas inéditas compostas pelos próprios membros do grupo e uma leitura na linguagem do Rock Progressivo da canção "Natureza Mística" do compositor e poeta Thyaga. As letras, originalmente em inglês, trazem temas de natureza reflexiva ligada à humanidade e à espiritualidade.

Estes temas, associados às belíssimas atmosferas melódicas, remetem os ouvintes a um universo rico em percepções sensoriais que transcendem a experiência cotidiana. O CD, produzido conjuntamente pelo Arion e pelo produtor Marcos Gauguin (ex-integrante do SAGRADO C. DA TERRA, hoje é um conceituado produtor musical, que produziu, entre outros o CD "Calango" do Skank) contou com a participação especial do próprio Thyaga na interpretação de sua música e do percussionista Alexandre Reis.

Em termos de shows, a qualidade geral de seus integrantes fica mais pronunciada ainda, com destaque particular para as sempre emocionantes performances de Tânia Braz.

O Movimento Progressivo Mineiro prossegue em sua inesgotável capacidade criadora e, além dos artistas citados, muitos outros mereceriam ser citados, tais como o excelente multi-instrumentista NILTON GAPPO que, apesar de petropolitano de nascença, só conseguiu produzir seu 1º disco (o ótimo "Secret Gardens") após sua mudança para Belo Horizonte, MODUS VIVENDI, ANDERSEN VIANA, AUGUSTO RENNÓ, SERGIO MOGGA, RODRIGO VALLE, CLAUDIA CIMBLERIS, LIMBO, TEMPUS, TUATHA DE DANAMM, SILENT CRY, VERA CRUZ, MERCADO e outros.

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Movimento Progressivo Mineiro II

Por Claudio Fonzi
publicado em 2001 no Whiplash

No início da década de 80, houve uma grande decadência do gênero Progressivo, notadamente na Inglaterra, Itália e Alemanha, os três países fundamentais na criação e difusão do estilo. Paradoxalmente, em alguns países de menor expressão começaram a surgir bandas e músicos de altíssimo nível, tais como EAST e SOLARIS na Hungria, GANDALF na Áustria, AGAMEMNON e ELOITERON na Suiça e KANZEON, OUTER LIMITS, MUGEN, GERARD e muitos outros representantes da incrível geração japonesa.

No Brasil, tal fenômeno igualmente ocorreu, pois surgiram nesse período, nada mais nada menos que três dos maiores representantes Progressivos do continente sul-americano.

Um deles, o carioca BACAMARTE, gravou apenas um álbum, intitulado "Depois do Fim", e não pôde deixar sua marca na história da forma que merecia, mas os outros dois certamente deverão ser lembrados em qualquer antologia ou estudo que se faça:

São os mineiros MARCO ANTÔNIO ARAÚJO e SAGRADO CORAÇÃO DA TERRA, cuja simples existência já justificaria plenamente a criação de um artigo detalhado sobre o MOVIMENTO PROGRESSIVO MINEIRO.

Como já vimos na 1ª parte, o estado de Minas Gerais foi (e é) o mais importante no cenário Progressivo nacional, não somente pelas suas bandas, mas também pelos seus músicos, e os dois elementos citados acima surgiram para comprovar definitivamente essa afirmativa.

1 - Iniciando a década

Em 1980, o violonista, guitarrista e violoncelista MARCO ANTÔNIO ARAÚJO (ver parte 1), depois de uma década de paixão musical, finalmente pôde lançar um trabalho seu, o que fêz com absoluto brilhantismo.

Trata-se do magistral album "Influências", composto por seis belíssimas faixas totalmente instrumentais (como toda sua obra restante) e de caráter ricamente sinfônico.

Utilizando seus conhecimentos de Rock e de música erudita (era violoncelista da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais) e auxiliado pelos seus brilhantes companheiros do GRUPO MANTRA (Alexandre Araújo, Antônio Viola, Eduardo Delgado, Ivan Correa e Mario Castelo), lançou mais três obras de incontestável beleza: os álbuns "Quando a Sorte te Solta um Cisne na Noite" (de 82, que contou, entre outros, com o belíssimo piano de Max Magalhães), "Entre Um Silêncio e Outro" (de 83, este é na verdade, um disco puramente barroco, e que não contou com seus companheiros do MANTRA) e "Lucas", lançado em 1985 e com Jacques Morelembaum no lugar de Antônio Viola e Lincoln Cheib no de Mário Castelo.

Apesar de trabalhar com um estilo de difícil aceitação, ainda mais em um período musicalmente tão estéril, as obras de MAA sempre obtiveram fortes elogios da crítica especializada, e justamente quando iria obter o tão merecido reconhecimento (receberia o prêmio de "Instrumentista do Ano", eleito em concurso nacional da revista "Veja"), veio a falecer durante o sono em 06/01/86, às vésperas da entrega do prêmio.

Assim sendo, partia para outra dimensão física, o maior nome da Música Progressiva Instrumental Sul-americana e, porque não dizer, um dos mais criativos e talentosos do gênero a ter habitado esse planeta.

2 - O Sagrado grava seu 1º album e desponta para o mundo

Após alguns anos na estrada, o ano de 1984 marcou o surgimento fonográfico da mais importante e famosa banda Progressiva de nosso país, o SAGRADO CORAÇÃO DA TERRA.

Sempre liderado pelo violinista, tecladista e vocalista MARCUS VIANA, iniciaram sua trajetória com o album homônimo, belíssimo em todos os aspectos, desde o musical e poético (músicas e letras compostas por Marcus) até o gráfico, concebido por Marcus e magistralmente realizado por Alexandre Lima e Júlio Távora.

Muitos integrantes passaram pelas suas fileiras, mas, nada foi mais marcante na história da banda que a angelical presença da cantora Vanessa Falabella, cuja voz encantava a todos os presentes nos shows desse período.

O ano de 1985 foi de vital importância para o SAGRADO, devido a extremamente bem sucedida temporada na Sala Funarte no Rio de janeiro. Inicialmente com pouco público, devido a banda ser ainda totalmente desconhecida, a temporada teve seus últimos dias com lotação absolutamente esgotada e com dezenas de pessoas desoladas no lado de fora do teatro.

Após esse sucesso, o Rio de Janeiro tornou-se o maior consumidor de seus discos, não somente pelo público em si, como pela grande quantidade de exportadores de discos progressivos ali residentes. Assim sendo, em pouquíssimo tempo, este 1º album podia ser encontrado nas principais lojas especializadas do planeta, demanda que aumentou enormemente a partir de 1987, quando do lançamento do álbum "Flecha".

Concebido e fabricado com o mesmo esmero do antecessor, "Flecha" possuía um acento mais "pop", mas, mesmo assim, mantinha o caráter belamente sinfônico e melódico do anterior.

O grupo obteve então, um sucesso quase que inimaginável naquela época, pois tal disco conseguiu a façanha de ter a faixa-título inserida em uma trilha sonora de novela da poderosa Rede Globo, além de terem sido contratados pela multinacional CBS (atualmente SONY), que relançou este disco.

Outra inigualável façanha foi terem sido lançados no Japão pela King Records, que editou por lá não somente estes 2 discos, como também o seguintes, "Farol da Liberdade" de 1991 e "Grande Espírito", de 1993.

Quando "Farol..." surgiu, Marcus Viana já era um nome respeitadissimo na televisão brasileira, pois havia sido o responsável pela grande transformação na concepção de trilhas sonoras de novelas e mini-séries.

Inicialmente na Rede Manchete, seu sucesso surgiu quando criou a trilha da novela "Pantanal" e prosseguiu com várias outras ("Ana Raio e Zé Trovão", "Canto das Sereias" etc), passou pela Bandeirantes ("Idade da Loba") até se estabilizar na Globo ("Xica da Silva", "Chiquinha Gonzaga", etc, etc.).

Diversos Cds dessas trilhas já foram lançados, sendo que Marcus editou ainda vários Cds dedicados a meditação e que receberam o nome de "Música das Esferas".

Em relação ao SAGRADO, a banda continua de vento em popa, tendo editado mais 2 CDs, sendo que o último, lançado este ano, é totalmente cantado em inglês, visando fundamentalmente o mercado externo.

3 - Outros representantes da década de 80


Em 1981, é editado “UAKTI- Oficina Instrumental”, disco altamente criativo e inovador que marcou o início da trajetória de uma das mais singulares bandas brasileiras - o UAKTI.

Liderado pelo genial músico Marco Antônio Guimarães, o UAKTI possui uma sólida carreira fonográfica, com diversos títulos lançados e um nome extremamente respeitado no cenário da música instrumental, inclusive no exterior. Seu estilo musical passa muito distante da linguagem convencional do Progressivo, mas seu nível de experimentação é superior à grande maioria dos representantes do estilo.

A principal peculiaridade de sua música são os instrumentos absolutamente exóticos, a maior parte criada por ele mesmo, o mestre Marco Antônio Guimarães. Marco Antônio, por sua vez, além de compor c/ Marco A. Araújo e Marcus Viana, a "Santíssima Trindade dos Marcos Mineiros", é o principal compositor e instrumentista da banda.

Além dos belamente convencionais violoncelos, pianos, violões e flautas, destacam-se entre os inusitados instrumentos, as seguintes peças:

- Percussão: Trilobita, Itafone, Aurecular, Tambor-D’água, Grande Pan, Pan Inclinado, Pan Curvo, Caldeirão, Marimba D’Angelim, etc, etc.

- Cordas: Iarragunga, Torre, Planetário, Peixe, etc, etc.

Em 1982 lançam seu 2º album, intitulado "Uakti II", e em 84 passam a utilizar mais dois instrumentos exóticos - o Aqualung, que utiliza o som da água como matéria sonora e a Marimba de Vidro, que terá um papel extremamente importante nas composições e arranjos gravados a partir de então.

Assim sendo, prosseguem lançando discos e fazendo shows. No início deste ano participaram do Rock In Rio III, onde se apresentaram na Tenda Raízes.


Os anos 80 trouxeram ainda outras verdadeiras preciosidades, como o belíssimo "Himalaia", do violonista e guitarrista FERNANDO PACHECO (ex-integrante do RECORDANDO O VALE DAS MAÇÃS, que também possuía ramificações mineiras e lançou o lendário "As Crianças da Nova Floresta" em 1978), o album "Belorizonte", de 1983 e pertencente ao grupo AUM e o maravilhoso album "Nascente", editado em 82 pelo grande músico e cantor FLAVIO VENTURINI (ver parte 1) e com magnífica participação de Marcus Viana ao violino.

Vários outros grupos ainda existiram, mas a quase totalidade destes grupos, infelizmente, não chegou a gravar, tais como "CIA.ILIMITADA", MERCADO COMUM, VERA CRUZ, GRUPO NOVO e ÍCARO.

No próximo capítulo escreveremos sobre a maravilhosa Geracão 90 e as excelentes bandas CÁLIX, CARTOON, MANTRA (não é o grupo que acompanhava o Marco A. Araújo), MODUS VIVENDI, DOGMA, ARION, TISARIS, NILTON GAPPO, CELSO MOGGA, AUGUSTO RENNÓ, LIZARDS, etc, etc...



Este artigo foi elaborado em homenagem a um dos maiores nomes da Música Progressiva, MARCO ANTÔNIO ARAÚJO - que completaria 52 anos de vida em 28 de agosto próximo.

Seu corpo físico se foi, mas sua alma estará eternamente vinculada aos corações de todos aqueles que ouviram, ao menos um vez, alguma de suas músicas.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Movimento Progressivo Mineiro

Por Claudio Fonzi
publicado em 2001 no Whiplash

O Estado de Minas Gerais sempre foi um dos mais férteis do país no campo da Música Progressiva, tendo gerado alguns dos mais importantes artistas brasileiros.


O início fonográfico se deu através do pioneiro SOM IMAGINÁRIO, verdadeiro super-grupo criado para acompanhar o cantor MILTON NASCIMENTO. Constituído por 6 verdadeiras "feras" - o tecladista WAGNER TISO, o guitarrista e vocalista TAVITO, o baixista LUIZ ALVES, o tecladista e vocalista ZÉ RODRIX, o baterista ROBERTINHO SILVA e o guitarrista FREDERYKO - possuiam um potencial criativo tal, que logo decidiram mostrá-lo ao mundo.

Assim sendo, editaram no distante ano de 1970, o LP "Som Imaginário", interessantíssima mescla de ritmos, mas já com faixas altamente psicodélico-progressivas, tais como "Nepal" e "Tema dos Deuses". Este disco marca também a presença daquele que se tornaria o maior nome da Música Progressiva Instrumental Sul-Americana, o genialíssimo violonista, guitarrista e violoncelista MARCO ANTÔNIO ARAÚJO (v. Parte 2), autor de uma das faixas e atuante em "Nepal".

O "SOM IMAGINÁRIO" participou a seguir, da histórica coletânea "Posições", lançada em 1971 e que contou, entre outros, com a participação de outro celeiro mineiro de craques, o grupo "A TRIBO".

Esta banda, infelizmente, deixou como registro apenas 2 compactos, além das faixas presentes neste album, com destaque absoluto para a super psicodélico-experimental "Kyrie". Entre seus integrantes, destaque para o exímio violonista e guitarrista TONINHO HORTA, a cantora JOYCE e o baixista NOVELLI.

Ainda em 71, o SOM IMAGINÁRIO passa por alterações na formação. Continua, porém, sob a liderança de Wagner Tiso e grava seu 2º LP, intitulado simplesmente com o nome da banda (mas também conhecido como "A Nova Estrêla"), e em 73 lança sua obra-prima, o excelente "Matança de Porco", o mais Progressivo de seus albuns, onde se destacam as fantásticas "Armina" e a faixa-título.

Também neste ano, participam das gravações do altamente experimental "Milagre dos Peixes", de Milton Nascimento, o que proporciona que o acompanhem nos lendários shows realizados em São Paulo, em 7 e 8 de Maio de 1974, que acabam se transformando no fantástico album duplo "Milagre dos Peixes - Ao Vivo".

Neste período, sua formação instrumental era uma das melhores já vistas nesse país, pois, além de Wagner, Luiz e Robertinho, estavam presentes Toninho Horta na guitarra e o brilhante NIVALDO ORNELAS nos saxes e na flauta.

O ano de 1973 ainda foi marcado pela gravação do histórico album "Beto Guedes, Danilo Caymmi, Novelli e Toninho Horta", que marcou o início da carreira fonográfica solo de Toninho e também do multi-instrumentista e vocalista BETO GUEDES.

Beto já havia participado do inesquecível album duplo "Clube da Esquina", de Milton e Lô Borges, de 72, mas somente a partir de suas gravações solo é que pôde mostrar sua "Veia Progressiva", esplendidamente registrada na faixa "Belo Horror". Posteriormente, editou pelo menos 3 trabalhos com fortes influências do estilo: "A Página do Relâmpago Elétrico", de 77, "Sol de Primavera", de 79 e "Contos Da Lua Vaga", de 81.

Em 1974, 2 jovens mineiros invadem, literalmente, o cenário Progressivo tupiniquim ao se integrarem às 2 mais importantes bandas do Movimento - O TERÇO e OS MUTANTES.

Quem entrou para o TERÇO, foi o tecladista, violonista e vocalista FLAVIO VENTURINI, (juntamente com outro conterrâneo, o baixista e vocalista SÉRGIO MAGRÃO) também oriundo do CLUBE DA ESQUINA. Flávio, assim que entrou, logo mostrou suas composições e 4 foram imediatamente aprovadas para o disco que se seguiria. Destas, 2 se transformaram em obras-primas do Progressivo, amadas e idolatradas até hoje: "Criaturas da Noite" (que deu nome ao LP, lançado em 75 e fantástico sucesso de vendas na época) e a inigualável "1974", magistral suíte instrumental de 12:27.

Em 76, lançam "Casa Encantada", uma das mais perfeitas fusões de Progressivo com MPB, mas, logo a seguir, Venturini sai, deixando como herança, outra extraordinária obra instrumental - a longa faixa "Suíte", lançada somente em 82, no album "Som Mais Puro".

O "invasor" dos MUTANTES foi o excepcional tecladista TÚLIO MOURÃO, recém-saído de outra lendária banda, o VELUDO ELÉTRICO.

Túlio, da mesma forma que Venturini, logo mostrou suas composições e uma acabou entrando no fenomenal álbum "Tudo Foi Feito Pelo Sol", lançado naquele mesmo ano. O nome da faixa é "Pitágoras", totalmente instrumental e repleta de belíssimas variações rítmicas e melódicas.

Além disso, trabalhou ativamente nos arranjos e na execução das outras faixas, podendo ser afirmado, com segurança, que sua relevãncia foi tão grande quanto a do líder Sérgio Dias.

O sucesso do album foi total, obtendo excelente vendagem, mas, apesar disso, Túlio saiu da banda logo em seguida.

Nesse período, o cenário fonográfico era praticamente restrito a São Paulo e Rio de Janeiro, e por essa razão, muitos grupos e artistas de outros Estados não conseguiam se lançar.

Em MG não foi diferente, e bandas como BANQUETE 93 DE COGUMELO (de onde sairia o violinista MARCUS VIANA - v. adiante), ANONIMATO, AR LIVRE, BOCA DA ZONA, MANGA ROSA, CAMPO MAGNÉTICO, CATARSE, VERA CRUZ, BANDA LIVRE (de onde sairam o flautista EDUARDO DELGADO e o baterista MÁRIO CASTELO, futuros companheiros de Marco Antônio Araújo) permanecem no limbo até hoje.

Somente com o surgimento do CD, é que uma delas, finalmente pôde ser conhecida pelo mundo - a SAECVLA SAECVLORVM.

Formada em 1974, esta lendária banda participou em 1976, do igualmente lendário CAMPING POP, verdadeiro Woodstock brasileiro, hoje ressuscitado pelo extraordinário CAMPING ROCK (v. Parte 2). Em setembro do mesmo ano, gravou uma fita demo, pois estava em vias de ser contratada pela Warner. Infelizmente, nada aconteceu, e tal preciosidade permaneceu inédita por 20 anos.

Um dos maiores responsáveis por esse extraordinário resgate, foi um de seus membros, o violinista, tecladista e vocalista MARCUS VIANA, o mais famoso de todos os músicos Progressivos brasileiros (v. Parte 2) e proprietário da Gravadora Sonhos & Sons.

Em 1979, ainda no pleno periodo "disco music" que assolava o país, surge uma banda que seguia um estilo totalmente diferente, englobando MPB, Rock'n Roll e Progressivo.

Seu nome era 14-BIS, e, entre seus membros lá estava FLAVIO VENTURINI, o maior responsável pelas belíssimas composições instrumentais presentes em 4 de seus álbuns. A destacar ainda, a presença do tecladista VERMELHO, que além de co-autor de 3 destas faixas assumidamente Progressivas, enriquecia enormemente os arranjos das outras, ao acoplar seus teclados aos de Flavio, proporcionando uma sonoridade Progressiva até mesmo às composições mais "pop".

Os álbuns que possuem estas características são "14-Bis" (79), "14-Bis II" (80), "Espelho das Águas" (81) e "Idade da Luz" (84).

A brilhante década de 80, a boa década de 90 e a extremamente promissora geração do 3º Milênio serão analisados na 2ª parte desse artigo.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Vespas Mandarinas - Da Doo Ron Ron [2010]


O Rock pegou no Brasil ainda nos anos 50, quando Celly Campello regravou a música Tintarella di Luna numa versão em português que se tornou Banho de Lua. A partir daí, com o sucesso mundial dos Beatles e com o Roberto guiando a Jovem Guarda, os violões da Bossa Nova deram lugar às guitarras do Rock n’ Roll. Menos iê-iê-iê e mais maduros, os anos 70 vieram com Secos e Molhados, Raul Seixas e a recém mutante expulsa Rita Lee. Quando a Blitz abriu os anos 80 com irreverência e malandragem carioca, vivemos os tempos mais frutíferos do Rock Brasil, com Barão Vermelho, Legião Urbana, RPM, Kid Abelha, Ultraje a Rigor, etc. Os anos 90 também tiveram nomes importantes, como Raimundos, Planet Hemp e Skank. Mas o novo milênio começou fraco, principalmente pela ascensão radiofônica de outros ritmos e pelo pop rock fuleiro dos Detonautas. Os principais trabalhos estavam sendo feitos no cenário underground. Alguns expoentes desse cenário decidiram se juntar para tocar e resgatar um pouco daqueles tempos de ouro do Rock Nacional. E foi assim que nasceram as Vespas Mandarinas.
Fãs de gigantes como Titãs e Paralamas do Sucesso, não é difícil encontrar influências dessas bandas no primeiro trabalho do grupo. As músicas têm letras diretas porém bem trabalhadas e os instrumentos tocam alto e distorcidos, o que demonstra a mesma virtude das bandas já consagradas mas sem soar como uma cópia daqueles tempos, o timbre e a sonoridade cravam os pés da banda nos anos 2000 de forma bem original.

Uma breve apresentação das Vespas Mandarinas

Chuck Hipolitho provavelmente seja o mais conhecido devido o seu trabalho com os Forgotten Boys e nos programas da MTV. Thadeu Meneghini se destacou com o Banzé, do qual trouxe as músicas Cobra de Vidro para o EP e Um Homem Sem Qualidades, presença constante nos shows da banda. Ainda na formação desse primeiro trabalho, faziam parte da banda Mauro Motoki, o baixista japa e talentoso do Ludov, e o Mike Vontobel, baterista da banda gaúcha Video Hits. Por esses motivos e currículos, as Vespas Mandarinas foram consideradas um supergrupo. Como “música de trabalho”, Sem Nome ganhou um clipe criativo que concorreu a Clipe do Ano no VMB de 2010:


Outra conquista do grupo com a música foi entrar para a lista de 25 melhores músicas do ano para a revista Rolling Stone:


E assim a banda alcançou o status de promissora do Rock Nacional. Você pode baixar esse EP e tudo já lançado no site dos caras. Vale muito a pena.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Mandala [1976]

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Por Zé Eduardo Nazario

Bateria, percussão: Zé Eduardo Nazario
Violão, sintetizador: Luiz Roberto Oliveira
Piano: Nelson Ayres
Contrabaixo: Zeca Assumpção
Flauta, sax: Roberto Sion

Zeca Assumpção, Roberto Sion, Nelson Ayres, Nestico, Nivaldo Ornelas, Balança. Esses músicos formavam um grupo que tocava num Camping Club, chamado "Caracol" às margens da represa de Guarapiranga, nos fins de semana. Isso foi por volta de 1967,1968. Algum tempo depois, Zeca, Sion e Nelson foram cursar a renomada "Berklee College of Music", em Boston (USA), de onde retornaram por volta de 1971. Através deles conheci Luiz Roberto Oliveira, que também estava com eles nos Estados Unidos e voltou trazendo o primeiro sintetizador ARP de que se tem notícia, para o Brasil. Ao chegarem de volta, com várias idéias e composições, me convidaram a formar um novo grupo, ao qual demos o nome de "Mandala". 

Aquelas coisas indianas estavam na moda, Yoga, Macrobiótica, enfim, acho que a escolha do nome teve um pouco a ver com isso. Estávamos experimentando algumas adaptações e arranjos que tivessem um colorido próprio, procurando fugir das influências mais óbvias, da bossa e do jazz tradicional, mas sem tolher a criatividade, e isso resultou em alguns shows e numa sessão de estúdio, que anos mais tarde foi trilha de um filme e rendeu uma tiragem de Lp's pelo selo Morrisom. Desse grupo de músicos, Zeca Assumpção foi quem continuou trabalhando comigo de forma mais constante, nos grupos de Hermeto e Egberto e no Grupo Um, mas mesmo assim tanto Sion, como Nelson e Luiz Roberto participaram comigo e eu com eles em vários outros trabalhos ao longo do tempo.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Zé Ramalho - Opus Visionário [1986]

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Por Marcelo Fróes em janeiro de 2003
texto retirado do encarte da reedição em CD desse álbum

Com o sucesso de "Mistérios da Meia Noite" no ano anterior, Zé Ramalho havia conseguido zerar uma dívida com a CBS. Segundo ele próprio, deixara de ser um estorvo ainda que seus últimos discos vendessem apenas o suficiente para não dar prejuízo. Financeiramente resolvido e com uma nova companheira - Roberta, com a qual se casaria anos mais -, o artista achou que estivesse retomando o controle da situação, mas este trabalho - e o posterior - acabaram representando um mergulho ainda mais profundo no universo das drogas. "Opus Visionário" seria gravado no estúdio do maestro e arranjador Lincoln Olivetti, então Mauro Motta resolveu voltar a trabalhar com Zé Ramalho. Quando lançado em 986, o disco foi trabalhado e a faixa de abertura "Zyliana" foi razoavelmente executada em rádio, garantindo ao artista espaço em programas de TV. Entretanto, as viagens embaladas pelas drogas faziam com que Zé Ramalho se trancasse cada vez mais em casa. A diretoria da gravadora percebeu e se ressentiu do artista não ter conseguido completar o trabalho de divulgação do novo disco. Mal assessorado, Zé Ramalho parou de fazer shows e parou de trabalhar. O disco tinha tudo para ter decolado, mas não decolou - apesar de hoje, com esta reedição, podermos reavaliar o belo trabalho com a dupla Lincoln Olivetti & Robson Jorge, a versão de "Um Índio" (de Caetano Veloso) e o dueto com Geraldo Azevedo na faixa final "Pedras e Moças".

terça-feira, 4 de novembro de 2014

O Terço - Mudança de Tempo [1978]

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Por Gibran Felippe no ProgBrasil

Obra-prima, irretocável

Esse trabalho é emblemático na carreira do O Terço, depois de conceberem verdadeiras preciosidades com formações distintas e principalmente o trabalho 'Criaturas da Noite', disco prestigiado com destaque inclusive no exterior, o grupo novamente estava reunido com outra formação, dessa vez sem um dos seus principais integrantes, o tecladista e compositor Flávio Venturini, responsável pela criação de grandes músicas dos álbuns anteriores, mais notadamente '1974', a obra-prima do grupo.

Sem a presença do músico mineiro, muitas dúvidas pairavam no ar sobre a continuidade do trabalho da banda e se a mesma teria fôlego para a manutenção da sua grande qualidade musical, porém da mesma forma que diversos grupos importantes dos anos setenta, a perda de um elemento fundamental não acarretou na perda de sua identidade sonora já estabelecida, até porque os outros membros permaneceram e com essa formação sólida: Sérgio Hinds - guitarra e vocal, Sérgio Magrão - baixo, Sérgio Caffa - teclados e baixo, Cezar de Mercês - guitarra, violão, flauta e vocais e Luís Moreno - bateria e vocais o grupo lançou 'Mudança de Tempo'. Os arranjos ainda contaram com a presença do mestre Rogério Duprat, peça imprescindível nas engrenagens do grupo.

A faixa inicial 'Não Sei Não' já apresenta o leque de variações que O Terço ainda dispunha para mostrar, com uma introdução bem interessante através de uma sequência vibrante nos teclados, sendo acompanhada no fundo por uma guitarra matadora e a bateria do Moreno impressiona pela categoria e elegância, quebrando o tempo inteiro. Depois temos um clássico desse álbum, a esplendorosa e pungente 'Gente do Interior', em que ritmo e letra casam com rara harmonia. Para aqueles que vivem ou já viveram no interior, essa música emociona de fato, pois a sensibilidade da letra remete à simplicidade, ingenuidade e liberdade da vida longe das metrópoles: 'Quem tem o sol das manhães e os pés descalços no chão / Conhece a hora certa na luz da porta aberta / Tem sempre aberto o coração.' Mas não é apenas a letra que é inspirada, o instrumental dessa canção é divino, a combinação dos teclados com violinos orquestrais é magnífica, o dedilhado da viola encanta e as intervenções da guitarra do Hinds arrepiam, aqui vale uma observação, pois se em termos de composição Sérgio Hinds não teve presença marcante, ficando praticamente todas as composições a cargo do Cezar de Mercês, em termos instrumentais trata-se de um dos seus melhores desempenhos durante todo disco e por que não, um dos melhores trabalhos de um guitarrista brasileiro, já que sua técnica não perde nem um pouco para o seu feeling que é exacerbado. Outra curiosidade a se atentar é que em 'Gente do Interior' não há bateria e praticamente não se percebe a ausência da mesma diante da qualidade instrumental verificada.

'Terças e Quintas' é o set instrumental do disco onde mais uma vez o trabalho de guitarras é muito criativo e os teclados executados pelo Caffa são vibrantes, esse é outro aspecto que diferencia 'Mudança de Tempo' para os anteriores, a poderosa energia dos teclados de Caffa que mostra personalidade ao suprir a ausência do Venturini. 'Minha Fé' possui uma introdução instigante nos baixos do Magrão que até então estava somente marcando, mas aqui a timidez fica de lado e a partir desse ponto finalmente temos as linhas de baixo marcantes desse grande músico. A curiosidade fica por conta da presença da Rosa Maria nos vocais e nos minutos finais um solo matador do Hinds para não passar em branco.

A música título chega na sequência e a vejo como uma das melhores músicas de todo o rock progressivo brasileiro. 'Mudança de Tempo' é responsável direta por elevar o conceito desse álbum acima da nota nove, pois uma composição dessa envergadura não surge a todo momento. As linhas de baixo estão formidáveis, a quebrada da bateria é hiper criativa, os violões estão ótimos e as intervenções incidentais da guitarra durante os vocais dão um toque todo especial. Pra fechar segue um set instrumental de quatro minutos em que as variações e alternâncias impostas pelos teclados estão alucinantes, criando uma atmosfera única para a guitarra do Hinds. Depois mais uma vez Sérgio Caffa mostra sua personalidade através da obtenção do seu espaço junto ao grupo para uma composição própria, a quebradíssima 'Descolada' em que o nome casa perfeitamente com o instrumental, atenção para a flauta do Mercês.

A seguir 'Pela Rua' apresenta uma linha mais tradicional do rock progressivo inglês, principalmente pela influência do Yes, o coro dos vocais lembra muito algumas composições do quinteto inglês, aliás, é possível perceber ecos do Yes por toda carreira do grupo, desde os primórdios até os dias atuais, porém essa influência fora sempre acrescentada de diversos outros elementos que formaram a malha original do O Terço. Exemplo disso é 'Blues Do Adeus', quebrando compassos para um blues tradicional, com a marcação característica dos teclados que tanto fizeram parte da carreira de nomes como Eric Clapton e BB King. Os destaques aqui são algumas intervenções sutis nos sintetizadores e o solo de guitarra final do Hinds que é maravilhoso, porém acredito que essa música poderia ser reduzida, para as características do disco, ela acabou destoando por ser longa demais numa mesma sequência sonora.

O álbum se encerra com 'Hoje É Domingo' mantendo o nível elevado, sinceramente essa canção é adorável. A letra é muito boa e assim como 'Mudança De Tempo' tem estreita relação com o período que o país vivia, com a ditadura militar tolhindo a liberdade das pessoas, o direito de ir e vir e censurando textos, arte e atitudes. A mistura de violões com guitarras é sensacional e a bateria do Moreno está deslumbrante, aqui temos outro solo do Hinds de arrepiar e o disco termina dessa forma, justamente num solo de guitarra, até porque não podia ser de outra maneira pra coroar a estupenda performance desse grande guitarrista.

Uma pena que o relacionamento tisnado entre Hinds e Mercês, com desavenças pendentes até os dias atuais, fizeram com que a maiorias das músicas desse belo trabalho ficassem esquecidas nas apresentações ao vivo ao longo dos anos, já que praticamente todas são composições de autoria do Cezar de Mercês.

O detalhe da capa é outro ponto positivo a se destacar, apresentando os integrantes do grupo com expressões apreensivas, ladeados pelas grades de uma janela diante de um tempo ruim do lado de fora, esperando justamente a mudança de tempo que sempre está por vir, podendo ser interpretada tanto para o contexto político por qual o país passava, como para a própria trajetória da banda que necessitava de revitalização após a saída de Venturini... mesmo sem obter o mesmo sucesso e admiração da crítica e público com relação aos trabalhos anteriores, é inegável que essa obra também engrandece a trajetória do O Terço pela qualidade musical aqui demonstrada.