“Quem são os loucos? Nós, que chegamos às nove da manhã e ficamos até as sete da noite em redações, agências etc pra ganhar salários destinados, na maior parte, a pagar dívidas e nos permitir continuar acordando cedo, indo pro trabalho, comendo, pagando dívidas… nesse ciclo eterno, ou alguém que decide romper com isso?”
A indagação é do jornalista carioca Jorge Wagner, quando perguntado o que achava do sumiço de Belchior. Ele, que organizou em outubro de 2012 “Jeito Felindie”, um tributo ao Raça Negra, é idealizador e curador do projeto “Ainda Somos os Mesmos”, releitura do disco “Alucinação” (1976), um dos grandes trabalhos do músico cearense e que reúne, entre suas dez ótimas canções, sucessos retumbantes como “Apenas Um Rapaz Latino Americano”, “Como Nossos Pais” e “A Palo Seco”.
“Ainda Somos os Mesmos”, que, além das faixas de “Alucinação”, conta com bônus de outras cinco músicas de Belchior, tem lançamento previsto para esta quarta-feira (26), no
site Scream & Yell. O trabalho, segundo Jorge Wagner, não tem fins lucrativos. As faixas e o streaming estarão disponíveis gratuitamente pelo site.
Para o disco, o jornalista convidou bandas e artistas da cena independente e que, por uma via ou outra, assumem ter influências “belchioranas” na hora de compor. Participam do trabalho, em ordem de faixas: Dario Julio & Os Franciscanos, Manoel Magalhães, Phillip Long, Nevilton, Lucas Vasconcellos, Bruno Souto, Lemoskine, Fábrica, Transmissor, Marcelo Perdido, Nana, Jomar Schrank, Ricardo Gameiro, João Erbetta e The Baggios.
“Fui, a princípio, em busca de artistas que eu mesmo gostasse e que, de alguma forma, fosse pela poética ou pela sonoridade, se identificassem com o trabalho do cearense. Não queria que o trabalho do Belchior fosse um mundo estranho pra nenhum deles”, diz.
Para a reportagem, o organizador do disco disponibilizou a faixa “Fotografia 3×4”, tocada pela banda Transmissor, e um teaser com pequenos trechos de outras três canções do disco. Pela sonoridade, o que se percebe é um respeito absoluto com as canções de Belchior por parte dos músicos, que, no entanto, dão roupagem nova às clássicas canções, apostando nas características sonoras da própria banda.
Em “Fotografia 3x4”, por exemplo, se Belchior faz introdução com coro, violão e teclado, os músicos da Transmissor já iniciam, em ritmo mais acelerado, a canção de ótima letra com um destaque para riffs da guitarra e bateria suave; no entanto, reconhece-se facilmente ali a linguagem poética de Belchior.
Gênio
Para o músico curitibano Dary Jr. (ex-Terminal Guadalupe), Belchior é um gênio. Ele participa de “Ainda Somos os Mesmos” tocando com a banda Dario Julio & Os Franciscanos nada mais nada menos que “Apenas Um Rapaz Latino Americano”.
“‘Alucinação’ é um álbum clássico. Regravá-lo é mexer em vespeiro, mas as novas gerações precisam conhecê-lo. Ouvir Belchior é quase um dever cívico. Suas canções, assim como o rock de Brasília dos anos 1980, abriram muitas portas para mim. Para além do prazer estético, Belchior te faz pensar sobre as relações afetivas, sociais e políticas em tempos bicudos. Ele é um gênio”, decreta o músico.
Rodrigo Lemos participa do tributo ao lado de sua banda, a Lemoskine. Ele, que também é guitarrista d´A Banda Mais Bonita da Cidade, fala sobre poder interpretar no disco “Não Leve Flores”, outra grande canção de Belchior: “Há uma perspectiva muito interessante e irônica em torno do ‘envelhecer e permanecer jovem’ e do ‘novo, que sempre vem’. Identifico-me totalmente.”
Mais do que homenagear o músico Belchior, os envolvidos com o projeto torcem também para que o disco chegue, de uma maneira ou de outra, nas mãos do cearense, onde quer que ele esteja neste momento. Quem sabe, rememorando “Alucinação” em vozes novas – assim como um dia já se arriscaram em seu cancioneiro Elis Regina, Los Hermanos, Engenheiros do Hawaii e tantos outros – o bigodudo resolva voltar a cantar.
“Se o próprio Belchior não chegar a ver, alguém entre as pessoas que sabem onde ele está vai acabar contando. Sobre o que ele vai pensar: espero que entenda o sentido de homenagem e acredito que algumas versões, como a do Phillip Long, por exemplo, possam agradá-lo bastante”, diz, esperançoso, Jorge Wagner.
Vida paralela