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sexta-feira, 10 de maio de 2019

Jorge Ben - Negro Lindo [1971]

Mega 320kbps


Por Danilo em Oganpazan

JORGE BEN, TRIO MOCOTÓ & ARTHUR VEROCAI EM NEGRO É LINDO (1971)


JORGE BEN, TRIO MOCOTÓ & ARTHUR VEROCAI EM NEGRO É LINDO, PRODUZIRAM UMA PEÇA SINGULAR NA OBRA BENJORNIANA, DE LETRAS/ARRANJOS SENSACIONAIS!


Jorge Ben é um dos pilares mais importantes da música popular feita no Brasil pós-Bossa Nova, dono de uma inventividade incrível e que trouxe tons muito singulares a nossa música. Unindo um ataque violento, inovador e insinuante no violão a composições herdeiras da complexa simplicidade do samba. Suas composições talvez se caracterizem por um simplicidade unida a temas alienígenas, excêntricos ao que comumente se produzia no samba. Aliando por vezes uma abordagem diferente a assuntos comuns e em outros momentos inaugurando “letras” de um ineditismo total. Suas composições passeiam por temas como: amor, auto afirmação racial, temas cotidianos e lembranças da infância suburbana, mas também a filosofia de Santo Tomás de Aquino, Dostoievski, Alquimia, personagens históricos, futebol, mulheres.

Admirador do rock’n roll e da bossa nova, Jorge Ben estreia com Samba Esquema Novo em 1963, um disco que é ao mesmo tempo um herdeiro e destruidor da veia cool buscada pela tchurma de Copacabana. A força do seu ataque ao violão e seu balanço torto a essa altura só encontrou pares na turma do Beco das Garrafas e o seu samba jazz, com JT Meireles e os Copa Cinco. Tendo imprimido essa micro revolução na música brasileira em seu album de estreia e ao mesmo tempo alcançando amplo sucesso, o artista nunca se acomodou. Passeando por diversos gêneros e turmas da MPB, da Bossa Nova à Jovem Guarda, sendo também incorporado pelos Tropicalistas, Jorge Ben é das poucas figuras da música brasileira, senão a única, a ser admirado, gravado e a ter participado dos três movimentos nesta época. Talvez uma de suas principais características seja justamente essa leveza, entrando e saindo de todas as estruturas com sua liso como um ponta de lança.

Depois de uma estreia acachapante, pulamos para 1968, um ano após o lançamento de O Bidu – Silêncio No Brooklin (1967) época em que Jorge colou por São Paulo e com sua veia irreverente tentou o que chamou de Jovem Samba, adaptação benjorniana da Jovem Guarda. E foi nesse período que o Babulina (apelido dado por seu canto de Be Bop A Lula) de rolê por São Paulo, conheceu o Trio Mocotó na boate Jogral, point da night paulistana na época.

Grupo formado – estranhamente formado diga-se de passagem – por Nereu Gargalo (pandeiro), Fritz Escovão (piano, violão e cuíca) e Joãozinho Parahyba (bateria), os caras possuem (ainda estão na ativa) uma das formações rítmicas mais interessantes e inventivas já surgidas nas Universidade das Escolas de Samba do Rio de Janeiro. Logo um ano após esse encontro singular Jorge Ben & Trio Mocotó já estavam defendendo, em um Maracanãzinho lotado, o clássico Charles Anjo 45 no Festival Internacional da Canção.

Dessa parceria que muitos consideram a melhor da carreira do Jorge Ben, nasceriam três discos oficiais Jorge Ben(1969), Força Bruta(1970) e Negro é Lindo(1971), além do disco ao vivo lançado apenas no Japão On Stage in Japan (1972). Talvez seja possível afirmar que é nesse período de sua carreira que o cantor, compositor, instrumentista e arranjador forjou seu estilo mais pleno, seja como letrista mas também como instrumentista. Sua inquietude fez com que sua herança roqueira aflorasse durante esse período e talvez justamente pelo encontro com o Trio Mocotó, tornou o seu violão um instrumento rítmico, com uma pegada que ficou conhecida como samba-rock.

Até então Jorge Ben já tinha trabalhado com arranjadores da estirpe de um JT Meirelles, Maestro Gaya, Trio Luiz Carlos Vinhas, José Briamonte e Rogério Duprat, mas não sem motivos resolveu escalar um jovem arranjador, com pouca experiência profissional. Faziam apenas 3 anos desde que Arthur Verocai tinha abandonado o curso de Engenharia Civil para se dedicar profissional e integralmente a música. Mas apesar do pouco tempo como arranjador ele já trazia no currículo excelentes trabalhos. Arranjos para o disco Ivan Lins, Agora (1971), mas também tinha trabalhado com Erasmo Carlos em Carlos, Erasmo (1971), além de ter também arranjado Elizeth Cardoso, Gal Costa, Quarteto em Cy, MPB-4, Célia, Guilherme Lamounier, Nélson Gonçalves e Marcos Valle. Além disso, vinha desde os anos 60 compondo canções para diversos artistas e participado como autor festivais da época. 

Apenas um ano antes de lançar uma verdadeira obra prima – Arthur Verocai (1972) - o maestro se junta a Jorge Ben & Trio Mocotó para o delicioso disco que fechará com chave de ouro essa fase do artista. E é a partir dessa tríade que tentamos entender por que Negro é Lindo(1971) se fez um disco tão singular dentro da carreira de Jorge Ben.

Em um disco que se chama Negro é Lindo, Jorge Ben abre os trabalhos com uma linda homenagem a Rita Lee, mulher branca e loira. Uma prova inconteste de que o panfletarismo tão em voga nessa década nunca foi a praia dele e de que seja em aspectos ideológicos ou musicais, a transmutação e a mudança sempre foram valores importantes em sua mente. “Rita Jeep” abre o disco inclusive destoando também de uma certa linha musical que encontramos ao longo da bolacha, com os ricos arranjos de cordas servindo ao ritmo.

Dentro de suas composições, as vezes de forma bem humorada e muitas vezes abrindo mão de uma certa lisergia que fez parte de suas composições desde o advento do seu encontro com o Trio Mocotó, Jorge Ben compôs lindas canções sobre questões existenciais. E “Porque é Proibido Pisar na Grama” é a ode máxima a esses aspectos, podemos inclusive entendê-la como uma continuação da linda “Descobri Que Sou Um Anjo”, presente no disco de 69. Jorge Ben utilizou imagens recorrentes em suas composições, ora citando trechos de suas próprias músicas ora buscando continuações temáticas e aqui temos uma prova desse último procedimento: “Descobri que além de ser um anjo, eu tenho cinco inimigos“.

Aqui já podemos perceber a forte e doce mão dos arranjos de Verocai com a inserção de uma belíssima orquestração colocada como contraponto e ao mesmo adorno ao ritmo insinuante do Trio Mocotó e ao violão soberano do Ben. A melodia e a harmonia da composição orquestral casando perfeitamente com o tom de questionamentos existenciais, criando uma espécie de drama musical. Descobrindo que é um anjo, que precisa ser mais durão, mas que quer saber também porque é proibido sentir a maciez de um gramado, Jorge Ben adianta a música seguinte, criando um nexo com o personagem abordado a seguir.

Hoje, Muhammad Ali é em sua inteireza como homem e atleta um símbolo enorme e fortemente associado às qualidades éticas e estéticas do povo negro em diáspora. Seu corpo, sua fala, sua malandragem, mas também seus posicionamentos políticos encarnaram uma série incrível de características da cultura negra e passaram a influenciar pessoas, movimentos políticos e sociais, e também as artes. Em “Cassius Marcelo Clay”, Jorge Ben em parceria com Toquinho, capta isso em sua poesia com a genialidade que lhe é peculiar e com uma agudez que denota o quanto ele estava atento ao movimento dos direitos civis nos E.U.A.

Um herói negro, sucessor de heróis brancos, fantasiosos e porque não? representantes do status quo racista americano. Se hoje Ali é visto como um precursor do Spoken World e do Rap, Jorge Ben associa-o em seus espetáculos no ringue à cadência das escolas de samba e aos esquemas táticos do futebol. Mostrando que um corpo negro é pensamento e ritmo, logo arte, assim como Resnais & Marker constataram em Les Statues Meurent Aussi 1953. E meus amigos. que violão é esse que só o samba rock do mestre nos pode dar? Novamente aqui acompanhado de cordas porém, dessa vez sem a percussa do Trio Mocotó, com exceção de um solo de atabaque.

Outra grande qualidade da sua música é a forma como e o quanto cantou as mulheres, alcançando em 10 anos pelo menos algo próximo de uma centena de canções, com os mais diversos enfoques. Nomeando-as, localizando-as racialmente, construindo uma obra dentro da obra, que é um belo panorama das mulheres brasileiras. Só aqui nesse disco, das dez canções presentes, metade são sobre mulheres. Loiras, morenas e negras, Rita Jeep, Cigana e Zula, lembro com exatidão do meu amigo Adílio, o responsável por me apresentar o conjunto da obra do Ben, galanteador todo, sempre encontrando os tipos femininos do Jorge nas cocotas que víamos na rua.

Apesar do óbvio lugar de fala do qual emitia suas poesias ser o de um homem negro e assim carregar algum machismo, em geral suas músicas são lindas homenagens. “Cigana” possui um tom mais brejeiro, de elogios doces, promessas de amor e de espera, calhando muito bem com o andamento cadenciado e o os backing vocals femininos de fundo. Uma tristeza não saber o nome de muitos músicos e nem das meninas que aqui cantam. Já “Zula” tipifica uma mulher brasileira de origem Zulu, e a construção dos elogios pode ser lido num recorte racial muito interessante. Ben canta: “É impossível imaginar, tudo que essa nega merece, tudo que essa nega tem, tudo que essa nega promete“. Se por um lado é possível entender como um verso de fundo sexual, dada a temática do disco e a sempre elegante maneira de se referir ás mulheres, é possível entender também como uma exaltação da mulher negra brasileira.

Algo que pode ser reforçado pela faixa seguinte e que dá título ao disco: “Negro é Lindo”. De formação católica mas de evidente origem africana, sua mãe é etíope, Jorge Ben procede num estranho sincretismo em sua obra. A música que traz em seu bojo uma das frases de afirmação do movimento de direitos civis americano e dos Black Panthers: Black is Beautiful, é aqui atualizada a nossa realidade. Com referências a Zambi, ao nosso Preto Velho, Dandara e falando ao final da canção em Mbundu, temos uma sinal bastante claro de respeito a uma das culturas que compõe nossa herança africana e as lutas históricas do povo negro brasileiro. Uma das canções mais significativas da obra do mestre Ben e uma pedra de toque do disco aqui em questão. Outra das maravilhosas e engenhosas participações singulares do Arthur Verocai com sua mão orquestral.

E como acima dissemos, Jorge Ben tem uma farta quantidade de canções de afirmação racial e seria de se esperar que num disco que se chama Negro é Lindo, tivéssemos apenas variações sobre o mesmo tema. Mas ao produzir essa afirmação, ele incorpora a diferença como traço distinto de alteridade e vem em seguida com “Comanche”, tribo indígena da América do Norte. Novamente, uma tristeza não saber quem comanda o trompete alucinado ouvido nessa canção. Porque além da swingueira do Nereu, Escovão e do Parahyba segurando o groove com um excelência absurda, umflugelhorn literalmente duela durante toda a música com o órgão comandado (imaginamos) por Fritz Escovão. 

Sua segunda parceria com Toquinho presente nesse mesmo álbum e num momento onde o próprio Jorge Ben compunha todo o material que gravava, se transformou em um de seus maiores sucessos. “Que Maravilha” foi lançada originalmente em 1969 e é um dos muitos exemplares de músicas do Ben que foram regravadas por deus e o mundo, e a versão presente neste disco é a nossa preferida. Num bolerão de arranjos e execução que nos lembram um bar enfumaçado numa noite solitária, apenas a cerveja a esquentar na mesa enquanto lembramos do nosso amor. Em contraposição com a letra que descreve uma cena de dois amantes se encontrando alegremente em meio ao caos urbano durante um dia de chuva, mas com um ar ensolarado presente na felicidade expressa na canção. Simplesmente um clássico completo e absoluto.

O disco termina com um par de canções sobre mulheres e o amor gigantesco que Jorge Ben dispensa a todas elas. Um amor que pode encontrar nessa imagem seu equivalente para todos os casos de Bebete a Jesualda, de Dorothy á Domenica, de Gabriela à Lorraine:

“Os ramos ultrapassantes/ E as raízes invadentes/ Do meu coração/ Percorrem com carinho/ Com uma velocidade ilimitada de afirmação/ De como é grande o meu amor por você.”

Outros dois exemplos lindos, do que essa trinca Jorge Ben, Trio Mocotó & Verocai puderam produzir, a louvarem o amor pela música, a preocupação com a criação e sobretudo a uma certa noção de entendimento do que seja o humano. A beleza e a força das composições, dos arranjos dessa obra de arte que toma a afirmação da beleza negra para alcançar as diferenças, pensando a noção de alteridade como algo supremo nas relações e chegando assim ao humano. O reconhecimento do outro em sua diferença mesma, como aspecto principal do nosso conviver, a ideia de que o negro é a soma de todas as cores, sem recair num amor vazio pela Humanidade, nem na anulação da luta racial, com a plena consciência da historicidade nas relações de opressão. Um disco bonito, mais uma das obras primas compostas por esse verdadeiro gênio máximo da música brasileira e mundial.


A1 Rita Jeep
(Jorge Ben)
A2 Porque É Proibido Pisar Na Grama
(Jorge Ben)
A3 Cassius Marcelo Clay
(Jorge Ben, Toquinho)
A4 Cigana
(Jorge Ben)
A5 Zula
(Jorge Ben)
B1 Negro É Lindo
(Jorge Ben)
B2 Comanche
(Jorge Ben)
B3 Que Maravilha
(Jorge BenToquinho)
B4 Maria Domingas
(Jorge Ben)
B5 Palomaris
(Jorge Ben)

quarta-feira, 20 de junho de 2018

Jorge Ben - Força Bruta [1970]

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Outra obra-prima. É um disco mais soturno, a começar pela singela melancolia de Oba Lá Vem Ela, um libelo ao amor platônico. Em Força Bruta há o equilíbrio perfeito entre baladas e canções mais agitadas. A presença do Trio Mocotó também precisa ser ressaltada. O entrosamento de João da Parahyba, Fritz Escovão e Nereu Gargalo com Jorge Ben é algo de outro mundo.


A1 Oba, Lá Vem Ela
A2 Zé Canjica
A3 Domenica Domingava Num Domingo Linda Toda De Branco
A4 Charles Jr.
A5 Pulo, Pulo
B1 Apareceu Aparecida
B2 O Telefone Tocou Novamente
B3 Mulher Brasileira
B4 Terezinha
B5 Fôrça Bruta

domingo, 18 de março de 2018

Jorge Ben [1969]

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Por Leandro Ribeiro em 45 rotações

Com capa do artista plástico Albery, e depois de dois anos sem gravar e turbilhão da Tropicália perdendo força, surge um trabalho surpreendente, produzido juntamente com o maestro do movimento Rogério Duprat.

Jorge exaltava pequenas coisas da vida “Crioula”, suas musas “Barbarella” e “Tereza”. Um álbum que mostra o amadurecimento, além de voltar a colocar um hit nas paradas, “País Tropical” vire um hino da alegria que até hoje é exaltado nos quatro cantos do país.

Esse é o sexto álbum, onde é o primeiro com acompanhamento do Trio Mocotó. Depois de alguns trabalhos de pouco sucesso, veio um trabalho que retomaria a crescente. Com os destaques para : “Domingas”, “Cadê Teresa”, “Charles Anjo 45”, “Bebete Vãobora”, “Take it Easy my Brother Charles” e “País Tropical”.

O grande maestro Rogerio Duprat tem participação nas “Barbarella” e “Descobri que Eu Sou um Anjo”.


A1 Criola
A2 Domingas
A3 Cadê Teresa
A4 Barbarella
A4 País Tropical
B1 Take It Easy My Brother Charles
B2 Descobri Que Eu Sou Um Anjo
B3 Bebete Vãobora
B4 Quem Foi Que Roubou A Sopeira De Porcelana Chinesa Que A Vovó Ganhou Da Baronesa
B5 Que Pena
B6 Charles Anjo 45

domingo, 30 de julho de 2017

Jorge Ben - Big Ben [1965]

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Por freakium & meio

É superior aos discos anteriores e mostra uma faceta mais diversificada de Jorge Ben. É o disco de Agora Ninguém Chora Mais (que ganhou versão imbatível de Erasmo Carlos no clássico Carlos, Erasmo) e da maravilhosa O Homem que Matou o Homem que Matou o Homem Mau, brilhantemente colocada na sequência final de O Pornógrafo, emblema do Cinema Marginal de João Callegaro.


A1 Na Bahia Tem
A2 Patapatapata
A3 Bom Mesmo É Amar
A4 Deixa O Menino Brincar
A5 Lalari - Olala
A6 Jorge Well
B1 O Homen, Que Matou O Homen, Que Matou O Homen Mau
B2 Quase Colorida (Veruschka)
B3 Maria Conga
B4 Acendo O Fogo
B5 Telefone De Brotinho
B6 Agora Ninguém Chora Mais

quarta-feira, 19 de julho de 2017

Jorge Ben - Sacundin Ben Samba [1964]

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Por Vitor Ranieri em Samba Safari

Em 1964 foi lançado um dos melhores discos do Antigo Testamento do Zé Pretinho. Arranjado pelo genial saxofonista J.T. Meirelles e seus fiéis Copa 5, Sacundin Ben Samba é o segundo álbum da carreira de Jorge Ben. Misturando vocais doces e hipnóticos com um samba-jazz de peso, Jorge Ben nos leva para um passeio lisérgico por suas raízes mais profundas.

A genial “Anjo Azul”, faixa de abertura, chega calmamente como um dia quente de verão que irrompe em uma tempestade comandada por Ben e Meirelles. De uma simplicidade angelical, como o próprio nome já diz, “Anjo Azul” trata o amor de forma sublime, algo que transparece na melodia.

Apelidada de “a filha de Mas, que nada”, “Nena Nanã” é a segunda pedrada deste disco. Misturando pioneiramente psicodelia ao samba, Jorge Ben apresentava ao mundo seu “samba esquema novo”. Na canção seguinte, “Vamos embora Uau”, o sentimental Jorge Ben canta sua tristeza com a maestria que ficaríamos acostumados a admirar. Sempre acreditei que o “berimbau” que Jorge se refere na música se trata de alguma gíria, para algo que lhe dá inspiração e alegria. Deixo em aberto para interpretações…

Antecipando os clássicos “Afro-sambas” e “Eis o ôme” de Vinícius de Moraes e Noriel Vilela respectivamente, Sacundin Ben Samba traz o clima das senzalas, dos terreiros e capoeiras, misturado a intensos clímaces de jazz. Essa é a atmosfera de “Capoeira”, quarta faixa do disco. “Mesmo sofrendo, mesmo chorando / Negro tem que levar a vida cantando”, diz a canção.

Muito antes de compôr o clássico “Charles, Anjo 45”, Jorge Ben já exaltava o malandro esperto nos versos de “Gimbo”. “Tira Gimbo de quem tem / e dá Gimbo a quem não tem”, cantava aquele que não aprendeu o idioma do subúrbio na universidade. Em “Carnaval Triste”, Ben, pandeirista de bloco de carnaval durante a infância, nos traz o clima da época de ouro do carnaval e os blocos de rua. “Rasguei a fantasia e chorei / Chorei, por não poder brincar”.

Na seqüência, uma das canções mais bonitas de Jorge Ben. Posteriormente regravada no “África Brasil”, de 1976, “A Princesa e o Plebeu” conta a história de um homem pobre apaixonado por uma princesa. Particularmente, acho a primeira versão muito melhor do que a segunda. Na mesma linha vem “Menina do Vestido Coral”, outro clássico entre as românticas do mestre. “Não me olhes assim / Pois meu juízo é perfeito / não quero ele ruim”…

Sobre a nona faixa do disco é difícil dar pistas. Só mesmo o neologismo “Candomblezz” pode descrever a musicalidade de “Pula Baú”, uma das minhas preferidas de toda a obra de Jorge Ben. Combinando o jazz com ritmos africanos, Ben canta sobre a triste situação da vida de um homem quando lhe convidam para um baile onde faltam mulheres.

Mergulhando de cabeça em suas raízes, Jorge Ben canta histórias do tempo de seus antepassados. “Jeitão de Preto Velho” é um lindo samba sobre um velho escravo que é padrinho de sua “sinhá”. Pode-se sentir a ternura em suas palavras. Na seqüência, “Espero por você” encanta pela beleza que Jorge Ben enxerga nos sentimentos. “Espero por você / Como espera a flor o orvalho da manhã/ O amor vem de você / Como vem o sol o dia clarear”.

A última música do disco nos faz voltar alguns séculos para o tempo em que a Lei do Ventre Livre foi assinada. Em “Não desanima João”, basta fecharmos os olhos para enxergarmos a história de um pequeno menino que será livre da escravidão. O desfecho perfeito para um disco que nos faz viajar por diferentes histórias, extensões da alma do poeta Babulina e seu violão.

Espero que gostem!

A1 Anjo Azul
A2 Nena Nanã
A3 Vamos Embora "Uáu"
A4 Capoeira
A5 Gimbo
A6 Carnaval Triste
B1 A Princesa E O Plebeu
B2 A Menina Do Vestido Coral
B3 Pula Baú
B4 Jeitão De Preto Velho
B5 Espero Por Você
B6 Não Desanima João

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Jorge Ben - Ben é Samba Bom [1964]

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Por Tiago Ferreira em Na Mira do Groove

Terceiro disco de Jorge Ben, Ben é Samba Bom muitas vezes é descrito como uma continuação da ruptura estética do compositor que veio com o emblemático Samba Esquema Novo (1963) e foi seguido com Sacundin Ben Samba (1964).

Algumas bem conhecidas deste álbum realmente lembram a fase inicial: temos “Bicho do Mato”, com aquele violão irresistível que introduz uma festança que nos remete a uma “Rosa, Menina Rosa” mais acelerada. Jorge direciona sua letra a uma beleza de pouca percepção – o tal bicho do mato -, sugerindo que essa pequena beleza, por si só, já é motivo de celebração.

Outra canção nesta linha é “Samba Legal”, onde Jorge diz ‘não ter matado o desejo’ por não ter chegado a tempo de sambar. Isso é coisa de “Menina Bonita Não Chora”, em que Jorge também lamenta só de pensar que uma beleza pode ser corroída. No caso de “Samba Legal”, ele se martiriza por ter ‘bobeado’ por ter chegado no final do samba; “Menina Bonita…” é um conselho dado a uma garota que ele está afim (‘estou aqui para lhe consolar’). As duas composições estão conectadas justamente pela ideia do ‘desperdício do belo’. Na primeira, o fato de ter chegado atrasado no samba (que representa o belo); na segunda, o fato de a (bela) garota chorar. Singelezas.

A mudança oriunda em Ben é Samba Bom fica claro logo na primeira faixa: “Descalço no Parque”. A produção de Armando Pittigliani e os arranjos de metais do trombonista Nelsinho a transformam numa marcha dos anos 1940, dando um clima nostálgico a uma canção que fala de estar ‘descalço esperando’ – uma das muitas improbabilidades nas canções de Jorge, que fugiam de clichês de praias, horizontes, carnavais etc.

Esses arranjos, sedutores, se encaixam lindamente em “Onde Anda o Meu Amor”, com direito a sutis passagens de piano. Por incrível que pareça, elas casam bem com o crescendo de Jorge, quando diz: ‘Onde anda o meu amooooor?!?/Sambando/Sacun den den den/Sacun den den den den’.

“Vou de Samba Com Você” exibe um experimento ainda maior nos arranjos – que fazem uma espécie de ligação entre bossa nova, modinha e cool jazz. A composição pode ser entendida como um ‘lado B’ do primeiro álbum, já que fala de ir ao samba com uma garota, em uma roda animada. Nada muito diferente do ‘boom’ de Samba Esquema Novo. No entanto, essa nova forma de colocar os arranjos (ainda mais com a bateria mais ácida de Dom Um Romão) mostra que a música é um horizonte aberto para Jorge Ben, que naquele momento lutava para não ficar preso à estética do debut.

Conforme o disco avança, vemos que as singelezas das canções de Jorge Ben também se aplicam ao seu fator mudança. “Gabriela” retoma o ‘voxê’ sensual e iconoclasta de “Quero Esquecer Você”, mas ganha um acompanhamento mais encorpado: os instrumentos de sopro dão fervor a uma estética que poderia ser bossa nova, mas tem mais a ver com um samba transfigurado. Talvez samba-soul, estética que Ben iria explorar com mais propriedade alguns anos depois.

Mesmo à parte de movimentos como Bossa Nova e Jovem Guarda, Jorge Ben aos poucos foi condensando uma estética própria inimitável.

Ben é Samba Bom pode não ser entendido como um álbum de transição musical como O Bidú: Silêncio no Brooklyn (1967) e Jorge Ben (1969) – chegando ao ápice com A Tábua de Esmeralda (1974) -, mas marca uma mudança de arranjos e novas formas de contornar suas canções que lhe abririam a cabeça para novas possibilidades musicais.


A1 - Descalço No Parque
A2 - Onde Anda O Meu Amor
A3 - Bicho Do Mato
A4 - Vou De Samba Com Você
A5 - Samba Legal
A6 - Ôba Lá Lá

B1 - Gabriela
B2 - Zópe Zópe
B3 - Saída Do Porto
B4 - Dandara, Hei
B5 - Samba Menina
B6 - Guerreiro Do Rei

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Jorge Ben - Samba Esquema Novo [1963]


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Para a maioria dos pesquisadores da música popular brasileira o período mais importante de nossa história concentra-se entre os anos de 1930 a 1945. É o que chamam de época de ouro. Sem dúvida que esse foi um dos momentos mais ricos que tivemos, pois naquele espaço de 15 anos vimos florescer nomes como Noel Rosa, Ary Barroso, Dorival Caymmi, Carmen Miranda, Orlando Silva, Sílvio Caldas, Ataulfo Alves, Custódio Mesquita e muitos outros grandes artistas que marcaram o cancioneiro popular do Brasil. Contudo, um fato importante deve ser citado com o mesmo destaque, qual seja a grande coincidência que viria também 15 anos depois em 1960, quando o Brasil já demonstrava a maturidade de uma nova geração de músicos que despontaram nos meados dos anos cinqüenta e que se juntariam a outros que fariam da década de sessenta mais uma fase de ouro, fazendo-nos concluir que não tivemos um hiato muito grande de carência musical, apenas uma fase de adaptação durante os dez primeiros anos do pós-guerra e depois uma avalanche de novos talentos, que renovariam a música popular brasileira, e a fariam universal, desta vez de forma definitiva. 

Após o advento da Bossa Nova o mercado e as condições históricas visualizavam um campo extremamente fértil para o surgimento de novos artistas e novas tendências musicais. Nesse contexto é que surge a figura de Jorge Ben, cantor e compositor carioca que iria trazer para o público brasileiro um novo som, um samba estilizado, diferente das concepções bossanovistas, com uma negritude e um balanço jamais vistos em nossa música popular, onde sua batida de violão, aliada a uma linha melódica totalmente renovada e moderna mais a ingenuidade de suas letras revelaram uma nova maneira de interpretar o samba, que ele chamou de esquema novo, título de seu primeiro LP lançado em 1963. 

O destaque maior do disco estava nas canções "Mas que nada", e "Por causa de você, menina" anteriormente gravadas em um disco 78 rotações com Jorge Ben acompanhado do conjunto Copa 5 formado por, Meireles no sax, Pedro Paulo no trompete, Toninho no piano, Do Um Romão na Bateria e Manuel Gusmão no baixo, gravações estas que foram reaproveitadas no LP. 

O sucesso foi imediato apesar de alguns críticos acharem as letras infantis, as harmonias pobres e o violão tocado errado e o que é mais curioso, eles pensavam que Jorge Ben seria um fenômeno passageiro, contrariando, pois os "entendidos" no assunto, o disco alcançou em apenas dois meses a cifra recorde para a época de 100 mil cópias vendidas transformando Jorge Ben da noite para o dia no maior fenômeno da música popular brasileira e não em mais um modismo efêmero, fato este que veio a se confirmar com seus discos posteriores, todos eles com músicas de excelente qualidade e grande apelo popular. 

É importante citar algumas partes do comentário de Armando Pittigliani na contra-capa do disco: "O samba de Jorge Ben, da batida de seu violão à linha melódica e letra de suas composições revela um novo caminho nos horizontes de nossa música popular. É o esquema novo do samba. Reparem que a harmonia negróide transborda em todos os momentos de sua música (...) Seu inato talento musical proporcionou-lhe descobrir uma nova puxada para o nosso samba, fazendo do violão um instrumento, sobretudo, de ritmo. Na sua batida tanto se destaca o baixo como o desenho rítmico de sua pontuação na maneira toda sua de tocar. Um exemplo disso é o fato de várias faixas deste disco não contarem com o contra-baixo na orquestração. Somente o violão de Jorge já da a necessária marcação dispensando, portanto, aquele instrumento de ritmo. O balanço do acompanhamento repousa quase sempre no seu violão". 

Outra música incluída no disco e que se tornaria em grande sucesso foi "Chove chuva", um dos clássicos de seu repertório. Em "Por causa de voce, menina", ele inova na letra fazendo menção a Obá (deusa nagô do amor) e aos santos Sacundin e Sacundém e ainda aos guerreiros Dombim e Dombém, além de pronunciar a palavra você como "voxê", dando um toque especial e único à interpretação. Misture, portanto, essas expressões em nagô, inclua umas inflexões rítmicas influenciadas pelo som "mbira" rodesiano mais o balanço rítmico de seu violão que temos então a receita perfeita de realmente um novo som, popular, brasileiro e universal. 

Mas a negritude estilizada do som de Jorge Ben e a influencia dos elementos afro em suas canções vem por ele mesmo traduzida ao afirmar em "Mas que nada", que "este samba que é misto de maracatu, é samba de preto velho, samba de preto tu". O LP Samba Esquema Novo contava também com as músicas, "Tim dom dom", de João Mello, única música não assinada por Jorge Ben, "Balança pema", "Rosa, menina, rosa", "Quero esquecer voce", "Ualá ualalá", "Vem morena", "É só sambar", "A tamba" e "Menina bonita não chora". 

Quando hoje em dia fala-se em renovação na música popular brasileira, mistura de ritmos e novas experiências sonoras, que invariavelmente caem na mediocridade ou na mera preocupação de consumo, verificamos ao ouvir este disco de Jorge Ben, o quanto ainda precisamos aprender a sermos talentosos e revolucionários sem a necessidade de simplesmente ganhar dinheiro a qualquer custo, pois o talento é um dom natural que nem todos possuem e que não se vende barato. Viva seu Jorge Ben ou Benjor, voce que já esta com todos os méritos na galeria dos grandes de nossa canção popular, continue com seu balanço, pois ele já é eterno. Sacundim, sacundem! 


Músicas: 
A1 - Mas que nada
A2 - Tim dom dom 
A3 - Balança pema 
A4 - Vem morena, vem 
A5 - Chove chuva 
A6 - É só sambar 

B1 - Rosa, menina rosa
B2 - Quero esquecer voce 
B3 - Ualá ualalá 
B4 - A tamba 
B5 - Menina bonita não chora 
B6 - Por causa de voce, menina 


Ficha Técnica AQUI

domingo, 25 de outubro de 2015

Jorge Ben - O Bidú, Silêncio no Brooklin [1967]

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Por Leonardo Bomfim no Freakium & Meio

Uma das maiores lendas urbanas da música brasileira é que Jorge Ben só vale a pena com violão. Por mais que as grandes obras-primas do compositor sejam mesmo os discos da “fase acústica”, há grandes momentos guitarreiros em sua discografia. E O Bidú – Silêncio no Brooklin, disco de 1967 cheio de guitarras elétricas, permanece até hoje com uma aura especial.

Amor de Carnaval, a canção de abertura, já adianta o que está por vir. Um irresistível baião-rock cantado com um sotaque quase paulistano bem debochado. Jorge Ben estava passando um período em Sampa e Bidú veio ao mundo com sabor totalmente paulista. As letras citam bares da Rua Augusta, mulheres modernas com roupas coloridas, chuvas pesadas e ainda dialogam com o manifesto juvenil apaixonado da Jovem Guarda, a essa altura radicada na grande metrópole do país.

Na época, Jorge Ben estava muito próximo do iê-iê-iê brasileiro. Ele costumava aparecer no programa comandado por Roberto Carlos e ainda dividia uma casa com Erasmo Carlos no bairro Brooklin. Daí vem o subtítulo Silêncio no Brooklin, frase constantemente gritada por algum vizinho que não agüentava mais os ensaios da dupla. A aproximação de Ben com o pessoal da Jovem Guarda acabou até criando um mal-estar com alguns MBPbistas radicais. O compositor carioca chegou a virar “persona non grata” no programa Fino da Bossa, apresentado por Elis Regina.

Mas Ben não estava nem aí. Ele queria mesmo era fazer seu samba de guitarra e curtir a nova cidade, ao lado de sua esposa paulistana Maria Domingas (para quem dedicou vários sucessos nos discos seguintes), com seu novo carro – um Karmann-Guia apelidado de Bidú. A canção Jovem Samba explica a união do samba com a Jovem Guarda: “Eu sou da jovem samba/ a minha linha é de bamba/ o meu caso é viver bem/ com todo mundo e com você também.”

Acompanhado pelo grupo The Fevers, Bidú é um disco de um frescor pop incrível. Canções como Menina Gata Augusta (parceria com Erasmo) e Toda Colorida trazem as impressões de Ben para um novo tipo de mulher. Saía de cena a mulata carioca e entrava a paulistana moderninha. Já em Sou da Pesada, o compositor afirma em um discurso jovem-guardista ao seu modo: “Mas que nada/eu sou da pesada/…/ eu só fico triste/quando não vejo você meu amor.” No entanto, foi com Si Manda que Ben radicalizou sua poesia. A letra, cheia de gírias, berra junto com o marcante riff de guitarra: “Si manda, vai simbora/silêncio no brooklin/some, desaparece, sai da minha frente/ não quero mais você não, viu?/”. Nunca Jorge Ben soou tão agressivo.

Si Manda chamou bastante a atenção de Caetano Veloso, que estava prestes a arrombar as estruturas com a sua Tropicália. Sempre que pode, Caetano afirma que Bidú é um dos discos mais importantes de todos os tempos, chegando até a exagerar dizendo que Si Manda era tudo que ele e Gil gostariam de ter feito e não conseguiram.

Bidú acabou sendo o disco mais underground de Jorge Ben, gravado quase clandestinamente fora da gravadora Phillips, que não se interessava em lançar nada do carioca longe do violão. Apesar de não chegar perto da qualidade de clássicos como o homônimo de 1969 e A Tábua de Esmeralda, Bidú teve grande importância pois confirmou a multiplicidade musical de Ben, e ainda estreitou laços com o parcela roqueira do Brasil. Logo depois do disco, o compositor carioca presenteou os Mutantes e Os Incríveis com as sensacionais A Minha Menina e Vendedor de Bananas, respectivamente. Para a sorte de todos – menos do vizinho mala – a partir dali não haveria silêncio no Brooklin e em nenhum lugar do Brasil. Violão, guitarra, samba, rock, Jovem Guarda e Tropicália A bagunça já estava armada.


A1. Amor de carnaval
A2. Nascimento de um príncipe africano
A3. Jovem samba
A4. Rosa mais que nada
A5. Canção de uma fã
A6. Menina gata Augusta
B1. Toda colorida
B2. Frases
B3. Quanto mais te vejo
B4. Vou andando
B5. Sou da pesada
B6. Si manda

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Jorge Ben - A Tábua de Esmeralda [1974]

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Os alquimistas
Lançado há 40 anos, Tábua de Esmeralda, de Jorge Ben, é um disco-símbolo dos anos místicos da música popular brasileira

Por Cristiano Castilho na Gazeta do Povo

Jorge Ben ainda é um mistério. Quando jovem, curtia um rock. Depois, caiu na bossa e foi um dos fundadores de um novo estilo, o samba-rock, em que colocou lado a lado o banquinho, o violão e o suingue da música da Motown – Los Hermanos agradecem. Seu lado “negro”, aliás, encontra a melhor definição em Negro É Lindo, LP de 1971 que traz a poderosa “Cassius Marcellus Clay”, tributo ao boxeador Muhammad Ali.

Nos anos seguintes, as letras ufanistas e românticas o consagrariam como um músico “tipicamente” brasileiro. “Que Maravilha”, “País Tropical”, “Fio Maravilha” são dessa fase, assim como “Brasil, Eu Fico”, patriotada gravada por Wilson Simonal em plena ditadura militar. Mas em 1974 a coisa ficou mais amalucada.

Tábua de Esmeralda foi o 11.º álbum de Jorge Ben. Eleito pela revista Rolling Stone como o 6.º melhor disco brasileiro de todos os tempos, a obra marca o auge de sua fase mística. E por isso causou espanto. “Ninguém esperava do compositor um disco como aquele: uma ópera mística, espiritual e cósmica, com 12 músicas que pareciam interligadas e abordavam a história de dois alquimistas, Nicolas Flamel (1330-1418) e Paracelso (1493-1541)”, escreve André Barcinski no livro Pavões Misteriosos – 1974-1983: A Explosão da Música Pop no Brasil (Três Estrelas).

A alquimia era coisa séria para Jorge Ben. Ele chegou a estudar o assunto com um grupo que, na loucura lisérgica das décadas de 1960 e 1970, teria testemunhado a transmutação do metal em ouro. É sério: o músico contou o causo à revista Trip, em 2009. “Tinha um brasileiro, professor ou reitor de faculdade, de São Paulo, não sei se era da PUC. Junto com um grupo sul-americano de adeptos da alquimia, ele viu uma transmutação, em 1958.”

O álbum é dominado por divagações espirituais e existenciais – assim como seu correlato Paêbirú (1975), de Lula Côrtes e Zé Ramalho, este sobre elementos da natureza e lendas indígenas.“Os Alquimistas Estão Chegando”, primeira faixa, descreve o trabalho dos ditos magos. “São pacientes, assíduos e perseverantes/ executam, segundo as regras herméticas/ desde a trituração, a fixação/ a destilação e a coagulação.” Pois é.

“Namorado da Viúva” evoca Flamel e sua mulher, uma “bruxa”, enquanto “O Homem de Gravata Florida” homenageia Paracelso. Há ainda a “ativista” Zumbi, que, apesar da leveza sonora, narra a venda de escravos para os senhores de engenho. (Ah, antes de tudo. A Tábua de Esmeralda é, segundo consta, um texto escrito pelo faraó egípcio Hermes Trismegisto que deu origem à alquimia.)


Análise

Tábua de Esmeralda é prova de que havia algo na água de 1974

No álbum Tábua de Esmeralda, em termos musicais, ainda hoje se sobressaem as sofisticações nos arranjos, os corais cósmicos e a métrica ousada, que “estica sílabas e dobra vogais”, como relembra o crítico André Barcinski no livro Pavões Misteriosos.

Para além disso, o disco é samba, rock, funk e jazz, às vezes numa música só. O álbum esbanja elegância e coerência mesmo em tempos de exageros e pirações.

Gravado no mesmo ano em que Racional – Volume 1, de Tim Maia (que foi embriagado por uma cultura alternativa e messiânica), e lançado no mesmo ano em que Gita, de Raul Seixas (ocultista de carteirinha) e Pavão Mysteriozo, de Ednardo (um disco que faz uma parábola sobre a ditadura com a ajuda de procissões religiosas), Tábua de Esmeralda é a prova cabal de que existia alguma coisa naquela água de 1974.