Era pra ter durado uma noite só. Era pra ter sido somente uma banda de abertura. Era pra ter outro nome. Não era pra ser um trio. Eram várias variáveis. Graças a essa sucessão de fatos estranhos, quando não ter plano é o melhor plano, nasceu uma das maiores bandas do rock brasileiro: Engenheiros do Hawaii. Uma história cheia de lances improváveis que o jornalista Alexandre Lucchese conta nesta biografia, depois de ter entrevistado mais de uma centena de pessoas ligadas à banda, inclusive Humberto Gessinger, Carlos Maltz e Augusto Licks, o trio responsável pela fase de maior sucesso, que acabou se desfazendo anos mais tarde em meio a brigas e processos judiciais. Embarque na infinita highway para ver como nada do que foi planejado para a viagem deu certo, mas, nesse caso, ter dado tudo errado não poderia ter sido o mais certo.
Um dos grandes nomes do rock nacional, com mais de 30 anos de carreira, Humberto Gessinger apresenta seu novo trabalho solo, o DVD e CD “Ao Vivo Pra Caramba – A Revolta dos Dândis 30 Anos” (Deck). O registro foi feito ao vivo durante um show em Porto Alegre e dirigido por Pietro Grassia. O compositor, escritor, cantor e multi instrumentista foi acompanhado por Rafael Bisogno (bateria, percussão e voz) e Felipe Rotta (guitarra, violão, bandolim e voz). Ainda há as participações de Nando Peters no baixo upright (“Saudade Zero”, “Pra Caramba”, “Das Tripas Coração” e “Cadê?”) e de Carlos Maltz (timbales e voz) em “Filmes de Guerra, Canções de Amor”.
Gessinger assina a produção musical do trabalho que traz 17 faixas. Entre elas as 11 de um dos mais importantes discos de sua carreira, “A Revolta dos Dândis”. Dessa forma, são interpretadas pela primeira vez ao vivo e na íntegra esse álbum, que trouxe sucessos como “Infinita Highway”, “Refrão de Bolero” e “Terra de Gigantes”. Outros hits da banda também estão presentes, como “Piano Bar” e “Até o Fim”. Fechando com as canções de seu trabalho solo, ele apresenta quatro inéditas e destaques de outros álbuns, como “Alexandria”, de sua autoria e Tiago Iorc.
Em 1988 era lançado o 3º álbum de estúdio dos Engenheiros do Hawaii, consolidando os elementos que fariam eles serem definidos como "a banda mais amada/odiada do rock nacional".
Por estar entre os arrebatadores ( no sentido de aceitação pública) "A Revolta Dos Dândis" e "O Papa É Pop", "Ouça O Que Eu Digo: Não Ouça Ninguém" sempre será um grande álbum subestimado dos Engenheiros do Hawaii.
Por causa da capa que, exceto pelas cores, fotos e alguns outros detalhes, possui o mesmo projeto gráfico, "Ouça O Que Eu Digo:..." é, erroneamente, visto como "mera sequência" ( o que, convenhamos, não é pouco!) do "A Revolta..."
Primeiro que, no sentido sonoro, o tom predominantemente "folk rock" do álbum anterior cede espaço a uma mescla de "hard rock", com ênfase em "riffs" distorcidos, e climas "floydianos" (remetendo à fase das trilhas sonoras "More" e "Obscured By Clouds", nas canções mais "suaves") oriundos da intersecção entre o acústico e o sintetizado. A belíssima "Cidade Em Chamas" possui andamento e solos que remetem ao trabalho da banda Iron Maiden.
Além da arte gráfica remeter ao trabalho anterior, "A Verdade A Ver Navios" cita, como música incidental, os "riffs" de "Terra De Gigantes" e "Vozes", do referido trabalho.
Depois, o mesmo processo pode ser observado nas letras, onde os versos, muito antes da "era digital", começam a estabelecer "links" com os outros trabalhos da banda. Esta espécie de "auto-referência" ( ou "auto-indulgência", como preferem os detratores) iria custar aos Engenheiros o fim de sua lua-de-mel (sim, ela existiu!) com a crítica especializada, que não perdoou tais "exercícios de arrogância" (como se em algum momento tal perdão tivesse alguma importância para a banda): "As chances estão contra nós/ Mas nós estamos por aí...".
Capa "desfigurada" do CD
Ainda, no sentido das letras, pode-se perceber um sutil desvio de foco em relação à temática do "A Revolta Dos Dândis". Enquanto, neste, as letras levavam a uma "viagem invernal" ( bem ao estilo da ascendência cultural germânica de Gessinger, o letrista), pelas dúvidas e dilemas existenciais do indivíduo em sua solidão, em "Ouça O Que Eu Digo: Não Ouça Ninguém", tal viagem contempla as "paisagens" do indivíduo ainda em sua solidão, porém enquanto ser social. Talvez nem tenha havido a intenção, mas o próprio "aforismo" que batiza o álbum remete a um outro, utilizado por Friedrich Nietzsche, o filósofo ( também) alemão intransigente com as fraquezas do espírito humano: "Queres seguir-me? Siga-te."
Quando, nos anos 1990, o álbum originalmente lançado em vinil, foi reeditado no formato CD, foi "assassinada", de maneira irremediável, toda a arte gráfica e seus "jogos semióticos" que complementavam, de forma essencial, o "conceito" do álbum como um todo, tributo que Gessinger pagava aos seus ídolos do rock progressivo inglês.
E por falar em progressivo, "Variações Sobre Um Mesmo Tema", uma "suíte" dividida em três partes, sendo uma cantada por Licks (!) e outra instrumental, fecha, de maneira magistral, o álbum, dando pistas de um dos caminhos que os Engenheiros, movidos pela irredutível idiossincrasia de Gessinger, iriam trilhar: durante os "anos Collor", enquanto o mercado do rock nacional definhava, fazendo uso de elementos progressivos, por essência, anticomerciais, a banda se mantinha relevante comercialmente: "Rock'n'roll não é o que se pensa/ O que se pensa não é o que se faz."
1."Ouça O Que Eu Digo: Não Ouça Ninguém"
2."Cidade Em Chamas"
3."Somos Quem Podemos Ser"
4."Sob O Tapete"
5."?Desde quando?"
6."Nunca Se Sabe"
7."A Verdade A Ver Navios"
8."Tribos E Tribunais"
9."Pra Entender"
10."?Quem Diria?"
11."Variações Sobre Um Mesmo Tema (Partes 1, 2 e 3)"
Em 11 de janeiro de 1985, mesmo dia da abertura da primeira edição do Rock in Rio, Humberto Gessinger subia ao palco do auditório da Faculdade de Arquitetura da UFRGS de cabelo new wave e bombacha, para o primeiro show de uma banda que tinha nascido para durar uma noite só. Era para ter se chamado Frumelo & Os Sete Belos, mas ninguém gostou, então os integrantes da banda resolveram fazer uma brincadeira com os estudantes de Engenharia e os surfistas que frequentavam o bar da universidade, que estava a pelo menos 100 quilômetros do mar. Engenheiros do Hawaii.
Vinte e cinco anos depois dessa estreia, Humberto Gessinger – que acompanhou todas as formações desde o primeiro show – lança neste livro seu olhar sobre a trajetória do grupo, sobre cada uma das composições e revela curiosidades e bastidores das gravações. Com fotografias inéditas, informações sobre cada um dos discos, letras comentadas e um diário de 1984 a 2009, Pra Ser Sincero é um livro sobre uma banda que era para ter durado uma noite só, mas que acabou escrevendo um capítulo da história do rock brasileiro, mesmo estando longe demais das capitais.
"Nas Entrelinhas do Horizonte" é um livro de crônicas, nas quais são mescladas temas vividos pelo autor e seus variados pensamentos. Em cada uma vemos a elegância e a qualidade literária pela qual foram compostas. O autor possui uma bela escrita, e sabe como conduzir cada palavra.
Em diversas crônicas vemos o passado se cruzando com o presente, ou seja, coisas que aconteceram com ele, que acontecem, e as lições ou pensamentos que tirou através destes.
Comecei a ouvir várias críticas positivas desse livro quando ele foi lançado, e confesso que a curiosidade havia me tomado, após me tornar parceira da Editora tive a oportunidade de conhecer esse livro, e para ser sincera, me surpreendi muito.
Não sou fã das músicas de Humberto Gessinger, mas saber seus pensamentos, um pouco também do seu modo de vida e alguns pontos de vista, me fizeram gostar mais da pessoa Humberto Gessinger, sim da pessoa, pois em suas crônicas vamos entendendo melhor sua paixão pela música, esta me pareceu inata a ele, não é apenas mais um hobby, é uma parte de si.
As suas divagações sobre coisas simples da vida, como o tempo, simples atitudes, demonstram seu olhar atento e observador. É próprio do gênero crônica, tomar fatos ocorridos no passado ou na atualidade e os narrar, porém dando a esses um enfoque mais emocional, literário, então coisas que poderiam parecer simplesmente normais são mostradas por outros ângulos por aquele que os narra.
A sensibilidade das palavras, as escolhas de cada uma, mostra a face de um homem já maduro, que aprendeu muito com o tempo, mas que ainda tem muito também a aprender. O toque de humor também faz parte desse gaúcho apaixonado por futebol, pela música e pela vida.
Gessinger mostrou-me que a vida de uma celebridade não são apenas flashs e sorrisos, e que isso faz parte do ofício, mas não é o essencial, a música, as palavras são mais importantes que isso, e ele sabe priorizar as coisas mais importantes de sua vida como o amor e a família.
Nas Entrelinhas do Horizonte superou minhas expectativas, foi uma leitura leve, cada crônica me fez refletir às vezes sobre mim mesma, e ver algumas coisas de uma forma que eu nunca havia visto antes. Todo o livro foi bem trabalhado, a revisão está bem feita, o autor escreve muito bem e demonstra ser um bom leitor, apaixonado por literatura. A diagramação também está impecável, as cores das páginas oscilando entre amarelo e preto, e as letras também oscilando entre essas cores, as fotos do cantor também ficaram ótimas, outra coisa que também gostei foi a qualidade do papel utilizado nas páginas.
Esse é um dos poucos livros de crônicas que me surpreenderam mesmo, quando terminei a vontade foi começar de novo, pois sei que a cada leitura irei descobrir coisas novas. Para quem ainda não conhece esse gênero, esse livro é ótimo para iniciar a leitura nesse estilo de narrativa, e para aqueles que ainda não conheciam o cantor tão bem, essa é uma oportunidade para conhecer o que as câmeras não mostram, o verdadeiro sentimento das pessoas e seus pensamentos.
“Nesses tempos de indigência estética, sai mais uma obra para nos causar dor de cabeça. Sai na praça ‘GLM’, 7o disco da banda gaúcha Engenheiros do Hawaii. As músicas são furibundas, como todo trabalho desses gaúchos. As letras, gongóricas e incompreensíveis, também cheias daquelas expressões chulas e desgastadas, que o populacho convencionou chamar ‘trocadalhos do carilho’”
O trecho acima faz parte de uma crítica da Folha de São Paulo de 30/10/92, imediatamente depois do lançamento de “GLM”, considerado por público e crítica (embora essa última tenha feito um reconhecimento apenas tardio) a obra-prima dos Engenheiros do Hawaii. É um trecho bastante rico, pois revela muito acerca da maneira como a banda era vista no cenário nacional e também destaca, de forma quase que involuntária, diversos aspectos do álbum que valem a pena ser detalhados.
Em relação à banda. A explosão do rock brasileiro dos anos 80 se deu com o desenvolvimento de três grandes cenas: São Paulo, Rio e Brasília. As três deram ao país grupos que buscavam explorar ou a atitude “Do It Yourself”, emprestada do punk, ou a procura por uma “brasilidade” em seus discos. Nesse sentido, os Engenheiros sempre foram vistos como “Outsiders”, pela temática ortodoxa de suas letras, pela sua origem gaúcha (citada duas vezes apenas nesse pequeno trecho) e pela complexidade de seus arranjos. A banda sempre teve ampla aceitação nos círculos populares, mas até o seu hiato em 2008 sempre recebeu diversos olhares antipáticos da mídia especializada.
Em relação ao disco: “GLM” é apontado por muitos como o auge criativo da banda, tanto pela estrutura pouco usual das canções quanto pelas enigmáticas letras de Humberto Gessinger. É disparado o disco mais progressivo do grupo, fazendo com que até hoje muitos sites grandes os definem como “banda de rock progressivo”, embora isso não seja verdadeiro. Sua estética é baseada no álbum da figura à esquerda, da banda (essa sim) progressiva Emerson, Lake & Palmer, adaptada com uma sigla dos integrantes do trio – Gessinger, Licks e Maltz – em forma de engrenagem. É o último disco de estúdio da chamada “formação clássica” do grupo. Augusto Licks sairia da banda no ano seguinte, e Maltz em 1995.
O que o torna clássico? Certamente alguém não-iniciado na banda olharia seu set-list e não reconheceria nada ali. Outros discos como “O Papa É Pop” (1990) ou “A Revolta dos Dândis” (1987) geraram mais hits do que esse. Mas basta uma audição para encontrar a resposta: certamente nenhum outro registro do grupo é tão equilibrado quanto esse, e nunca o grupo esteve tão entrosado. A formação Gessinger, Licks e Maltz começou apenas com a “Revolta dos Dândis”, precisando de uma série de álbuns para conhecerem melhor as características de cada um.
Em suma, GLM é clássico não pela presença ou ausência de hits, mas por se constituir como um álbum como poucos fizeram… Afinal de contas, “Another Brick In The Wall” sempre vem à cabeça quando pensamos no Pink Floyd, mas qual álbum é considerado a principal referência? “The Dark Side Of The Moon”.
Ouvindo-o hoje, GLM soa datado, consequência inevitável de qualquer álbum que busque uma sonoridade “moderna”. Foi um dos primeiros álbuns brasileiros a usar o “auto-tune”, ferramenta hoje utilizada exaustivamente nas canções pop. Destaca-se a atuação do guitarrista Augusto Licks, que vai do agressivo para o dedilhado delicado com um timing e feeling indescritíveis. Certamente é uma das melhores performances em um disco nacional que já ouvi, o que é muita coisa em um país com tão poucos bons instrumentistas no rock.
Na temática, GLM também é um álbum de seu tempo. Era 1992, o neo-liberalismo se consagrava como ideologia hegemônica no país, a URSS havia solapado um ano antes e a academia era tomada pelo pós-modernismo, que abalara as certezas. O historiador Fukuyama causou reboliço na História ao pregar o “fim da História”. Todas as letras abordam essa relação confusa do indivíduo para com um mundo cheio de incertezas, onde não se sabe mais para onde vamos, ou para onde devemos ir. Temos progresso tecnológico, mas falta “o pão nosso de cada dia”. Ninguém é igual a ninguém, mas o fato de que todos continuam mentindo nos fazem “uns mais iguais que os outros” (frase emprestada do clássico de George Orwell, “A Revolução dos Bichos”).
Em “Pose”, é contrastada o aspecto decadente, sujo e industrial das cidades com uma espécie de ingenuidade há tempos abandonada em nome do “progresso”. “Canibal Vegetariano Devora Planta Carnívora” é o retrato do caos do pós-modernismo, onde a industrialização, ao invés de sorrisos, causou apenas pesadelos. Pode parecer um retrato um pouco pessimista, mas isso se inverte com “A Conquista do Espaço”, quando o progresso é colocado para servir aos sentimentos humanos.
Impossível descrever as diversas nuances de um disco tão complexo. GLM certamente pode causar certa rejeição, seja pelas letras complicadas ou pelo pouco caráter comercial, mas ainda vale a pena para todos que curtem a ideia de álbum, do conceito em que canções se complementam, se unem para juntas criarem uma única obra. Em certo sentido, todas as canções fluem como se fossem uma só. E é assim que ele pede para ser ouvido: apenas como uma única canção.
Em 11 de janeiro de 1985 os Engenheiros do Hawaii faziam seu primeiro show, começando sua trajetória de sucesso. Segundo disco da carreira dos Eng Haw, A Revolta dos Dândis foi lançado em 1987 e registra a banda em um momento de mudança: a sonoridade passa a lembrar menos o SKA do que seu antecessor (Longe Demais das Capitaisde 1986); Augusto Licks substituia Marcelo Pitz enquanto Humberto Gessinger dedicava-se ao baixo; Foi o marco inicial da trilogia ‘Cores da bandeira do Rio Grande’ e também da identificação com as engrenagens, marca registrada da banda a partir de então.
A abertura do disco ficou por conta de A Revolta dos Dândis I que era seguida por Terra de Gigantes cujo clipe ficou bastante conhecido. Ela inicialmente não tinha bateria (fato que preocupava a gravadora pois fatalmente não tocaria nas rádios apesar de seu potencial para fazer sucesso) recebeu uma curtíssima virada de bateria – provavelmente a mais breve na história da música e teve sua letra retirada do encarte do disco em uma espécie de “autosabotagem” do grupo.
Confirmando a excentricidade que marcaria o álbum, Infinita Highway com seis minutos, apesar de extensa para os padrões radiofônicos, tinha alguns trechos que haviam sido escritos ainda na adolescência de Gessinger e tornou-se definitivamente o hino da banda.
Refrão de Bolero é uma balada frequente ainda hoje nos sets acústicos da banda e faz com que os músicos sejam frequentemente questionados a respeito de “Quem é Ana?”. O lado A do LP encerrava com a interessante Filmes de Guerra, Canções de Amor que sobreviveu ao tempo e batizou o álbum desplugado de 1993.
O lado B reservava uma sonoridade mais sombria, começando com A revolta dos Dândis II, passando para Além dos Outdoors. Na sequência a arrastada e excelente Vozes contrastava com a veloz Quem tem pressa não se interessa, uma referência ao livro O Ser e O Nada de Jean-Paul Sartre. Por fim a balada rock, Desde Aquele Dia e Guardas da Fronteira (com participação de Julio Reny) encerram o álbum.
Na reunião de apresentação do disco a impressão dos executivos foi “Esse disco é um Boeing com tanque cheio. Poder ir longe… Se não explodir na decolagem”. Bom, o que explodiu foi a carreira da banda – e no bom sentido.
Às vezes a gente pensa que determinados álbuns – daqueles que levaríamos junto se fôssemos a exílio para o Uzbequistão ou Marte – são igualmente considerados importantes para todos os outros fãs da banda que os produziu. Partindo dessa premissa, eu não conseguia entender a razão pela qual “¡Tchau Radar!”, um dos discos mais importantes da minha vida, está a tantos anos fora de catálogo, sendo achado – e a preços absurdos – apenas em sites como o Mercado Livre.
Conversando com uns amigos meus, também fãs dos Engenheiros do Hawaii, a mais controversa banda gaúcha, descobri algo que mudou meu modo de ver o mundo: eles não davam a mínima pro “¡Tchau Radar!”! Relutei em aceitar, bati o pé, impliquei, mas tudo que ouvi foram respostas do tipo “ele não está nem entre os meus 10 favoritos dos Engenheiros”. Será, oh céus, que meu disquinho de estimação não passa de um coadjuvante na discografia hawaiiana?
Bem, é claro que minha opinião a respeito do 11° trabalho de carreira de Humberto e seus capangas é completamente passional. Afinal, esse jovem redator que vos escreve teve tal álbum como porta de entrada ao universo musical dos Engenheiros, há 10 anos, quando o CD foi lançado. Lembro-me, ainda hoje, de assistir aos primeiros segundos do clipe de “Eu Que Não Amo Você” no Top 10 da MTV, e me perguntar “o que diabos seriam esses Engenheiros do Hawaii??”. Essa pergunta precedeu uma explosão mental tão expressiva que, até hoje, depois de ter passeado por vários estilos e tendências roqueiras, “¡Tchau Radar!” ainda configura em minha lista de álbuns mais preciosos.
Mas a obra não é feita somente de nostalgia. Esse é o trabalho de amadurecimento da formação Humberto, Lúcio, Luciano e Adal, grupo que perduraria somente por mais um registro, o matador “1000 Destinos Ao Vivo”, lançado no ano seguinte. Aliás, poucas vezes a banda soou tão poderosa no palco, provando a indubitável qualidade do grupo. Infelizmente o General Gessinger não agüenta ninguém ao seu lado por muito tempo – ou seria o contrário? – e no ano seguinte o exército de um homem só já contava com outra tropa.
“¡Tchau Radar!” já começa com uma porrada, “Eu Que Não Amo Você”, o carro chefe do disco. A tecladeira marcante, a guitarra destorcida e a batera agressiva dão peso à composição, um tanto fechada e escura, assim como a maioria das demais canções do trabalho. Destaque para o solo de guitarra, simples e preciso, dando à faixa exatamente o que ela precisava.
O disco segue com uma brilhante adaptação de “It’s All Over Now Baby Blue”, de Bob Dylan, recriada por Péricles Cavalcante e Caetano Veloso sob o título de "Negro Amor". Humerto ataca com sua gaita, na época não tão utilizada em canções da banda quanto na fase mais recente. A faixa, uma balada semi-acústica, foi extremamente bem produzida e esbanja bom gosto, agradando a gregos e troianos.
A estradeira “Concreto e asfalto”, direta e indomável, faz com que o ouvinte transporte-se imediatamente a uma BR qualquer. Letra e melodia dão show, e a instrumentação mostra-se extremamente competente, com timbragem impecável. A faixa traz consigo um ar nostálgico irresistível, e apresenta coesão perfeita com o restante do álbum.
A melancolia que permeia todo o disco encontra um de seus mais belos momentos em “Até Mais”. Poucas vezes Humberto Gessinger falara de amor tão abertamente, tão assumidamente, tão sentimentalmente até essa canção. Audição agradabilíssima.
“Nada Fácil” e “O Olho do Furacão”, as duas faixas seguintes, abordam temas mais pesados, como suicídio, depressão e desamparo, tendo reflexo em sua musicalidade obscura e febril. Ambas as faixas possuem letras fantásticas, em que HG soube dosar sua compulsão metafórica.
Retomando o tema de “Concreto e Asfalto”, a banda nos traz “Seguir Viagem”, apresentando, a exemplo dessa última, uma ótima orquestração e produção esmerada. Mais um grande momento do disco, lírico e poderoso ao mesmo tempo.
A próxima canção, “1000 Destinos”, outra balada muito elegante, apresenta ótimas letra e melodia.
Quebrando totalmente o clima e diferenciando-se substancialmente de todas as canções anteriores, a descontraída “Na Real” questiona forças transcendentais, misturando um tema de filme de terror e musicalidade western. Humberto diz ter composto a letra sob uma perspectiva literal, mas aprendeu a considerá-la como uma canção de amor, devido ao fato de vários fãs terem a considerado como tal.
O álbum segue com a beleza rara de “3x4”, uma belíssima homenagem de Gessinger à sua esposa. Diferentemente da roupagem “bobo-alegre” dada à canção no show acústico da banda, aqui “3x4” é revelada com sua real essência: vulnerável e sublime. A gaita e o violão envolvem a voz de maneira perfeita, gerando um momento intimista e sincero.
“Melhor Assim”, outro momento um pouco mais descontraído do trabalho, é um conselho de amigo para amigo. A faixa possui bom trabalho de guitarra e teclado, dispensando maiores comentários.
Eu não consigo pensar em uma conclusão melhor para um álbum de tamanha expressão que a releitura de “Cruzada”, composição brilhante de Tavinho Moura e Márcio Borges. O arranjo de cordas desarma qualquer ouvinte, banhando a canção de maneira tocante. É claro que há o dedo de um grande músico por trás uma tão magistral roupagem: nosso velho conhecido Jacques Morelembaum, para quem já rasguei a seda diversas vezes aqui no blog.
“¡Tchau Radar!”, em minha concepção, foi o último grande álbum de estúdio dos Engenheiros do Hawaii, antes de a banda entrar na veia mais modernosa dos álbuns-gerúndio “Surfando Karmas e DNA” e “Dançando no Campo Minado” e, posteriormente, afundar de vez no patty-pop normalzinho dos discos acústicos. Agora resta esperar e rezar para que Humberto apareça novamente com um trabalho de tão poucas vogais e tanta qualidade quanto esse.
Estar longe demais das capitais, nas entrelinhas, pode significar estar longe dos grandes centros urbanos, detentores de uma maior visibilidade cultural. Mas quando a banda gaúcha Engenheiros do Hawaii lançou Longe demais das capitais, em 1986, significava, na verdade, estar presente de corpo e alma aqui no Brasil, precisamente em Porto Alegre.
A banda começou sua trajetória na Faculdade de Arquitetura de Porto Alegre, quando três jovens se uniram para tocar durante uma greve na instituição, em 1985. Humberto Gessinger (guitarra e voz), Marcelo Pitz (baixo) e Carlos Maltz (bateria) formaram um dos mais notórios power trios do rock nacional.
Nesse período, a gravadora BMG decidiu lançar uma coletânea chamada Rock Grande do Sul e a banda acabou sendo escalada. Com a repercussão alcançada entre as músicas da coletânea, veio a oportunidade de lançar, em 1986, o primeiro LP, puxado pelos sucessos Toda forma de poder (incluída na trilha sonora da novela global Hipertensão), Segurança e Sopa de letrinhas. A banda, então, deu início à sua trajetória pelo Brasil.
“Talvez este seja um dos discos menos datados dos Engenheiros, um dos mais verdadeiros. Não tivemos tempo para deixá-lo artificial, foi um retrato fiel da banda, ela mesma. Um retrato fiel do que estávamos fazendo na estrada para sobreviver. O disco tem uma realidade, uma urgência”, acredita o baterista Carlos Maltz.