Por Leonardo Bonfim
Hoje em dia um sujeito liga a distorção da guitarra, grita “yeah” e se diz garage; outro bebe vodka vagabunda pura e diz a mesma coisa; pedem carona e se dizem garage; matam uma barata e se dizem garage; roubam laranja na feira e se dizem garage... É a banalização total de um gênero que nasceu das entranhas mais pavorosas da década sixtie. Caras que mal sabiam afinar, que sonhavam com um pedal fuzz e um órgão farfisa e vestiam a rebeldia sonora em seu estado máximo de demência.
Se há um grupo brasileiro hoje que honra estes pioneiros selvagens, este é o FuzzFaces, nascido das entranhas mais pavorosas da zona leste paulistana.
“Ontem era um cara normal, escutou FuzzFaces e se deu mal!”
O grupo começou a tocar o horror em 2000, quando Gregor Izidro (bateria e vocal), Andréia Crispim (baixo) e Wagner “Fuzz” Tal (guitarra) saíram dos Espectros (outro fiel representante da hierarquia garage paulistana, ainda do tempo das fitinhas k-7) e resolveram partir para um som mais autoral. Os shows ensandecidos, com direito a versões para pauladas de Fuzztones, Undertone e Mummies, logo chamaram atenção de muita gente, e garantiram à banda um grande destaque dentro da efervescente cena garage da zona leste de Sampa, nessa época conhecida como “Tropitralha”.
O primeiro rebento foi o EP Nós Não Estamos Nem aí, de 2001, com cinco músicas sensacionais, cheias de fuzz e levadas alucinadas. Um dos grandes diferenciais da banda é a presença do vocalista/baterista Gregor Izidro (são poucos os bateras do mundo que conseguem tocar uma música dos Sonics e soltar aqueles berros ao mesmo tempo). Uma vinheta retirada do raríssimo filme brasileiro “Se Meu Dólar Falasse”, de 1970 - com a voz chapada de Grande Otelo afirmando “depois daquela festinha de ontem, agora eu sou é hippie!” - introduz a já clássica “A Menina do Corcel Vermelho”, que versa sobre uma moça jurada de morte por traficantes. Uma verdadeira crônica de um episódio comum a qualquer periferia do país. Já as outras canções do EP apresentam o lado mais drogado da banda, mas nada de viagens bonitinhas... O que surge são bad trips furiosas e desencontros carregados de ácido. As incríveis “Agora Não Tem Volta”, “Caminhos Cruzados” e “Um Milhão de Anos Luz” acertam o pulo em imagens como “o relógio marcando a hora para trás”. O EP termina com outra vinheta sensacional do “Se Meu Dólar Falasse”, com direito a uma ceia recheada de bolinho de LSD, coquetel de ácido lisérgico, cocada de cocaína, estrogonofe de barbitúrico e marijuana à grega. U-hu!
Depois desse lançamento, o FuzzFaces caiu na estrada e realizou shows memoráveis em vários cantos do Brasil. Brasília, Florianópolis e Rio de Janeiro, entre outras cidades, foram a loucura com a performance anfetaminada dos caras. O segundo lançamento foi o cd Voodoo Hits, de 2003. A temática drogada do EP deu lugar a um legítimo terror brasileiro. As letras do disco, quase todas de Wagner “Fuzz” Tal, poderiam ser roteiros de ótimos filmes de horror. Em “Fita K-7”, há um sujeito que vendeu a alma pro diabo para escutar uma fitinha com sons obscuros, já “Hospício” é um fiel retrato dos tenebrosos manicômios do nosso país. Se a faixa-título traz a história de um cara que fez magia negra para ressuscitar a noiva que, que mesmo com a pele azul e fria se decompondo, satisfez seu amor; “Só Neste Caixão”, voz de Walter Chinaski (do Laboratório SP), assombra com um rapaz completamente apaixonado por uma jovem vampira. O lado negro das drogas volta em “Um Autêntico Selvagem”, de sonoridade tribal sobre a agonia de um sujeito que tomou chá de cogumelo e regrediu até à idade das pedras. O lado mais autoral do grupo surge nos hinos “Um Cara Normal” e “Vendi a Rickenbacker”. Nessas duas músicas, fica claro que para ser um FuzzFace, o ideal é usar bijuteria feita de ossos humanos e cabelo cortado feito casco de tartaruga, além de nunca trocar uma Vox por qualquer outra guitarra. No cd, ainda há excelentes versões para pérolas obscuras de The Avengers, Billy Childish e Q65, entre outras. Uma obra-prima do garage rock brasileiro.
“Chesterfield, The Jam e The Who usavam... Mas eu prefiro a guitarra que os Fuzztones arrebentavam”
Continuando com a mesma pegada, o FuzzFaces pagou tributo a dois de seus grandes heróis. No cd argentino Here Aren´t The Sonics, dedicado ao demente e pioneiro grupo de Seattle, gravaram “I´m Going Home”. O Fuzztones também ganhou homenagem com a sensacional “Action Speaks Louder Than Words”, para o tributo Illegitimate Spawn, organizado pelo próprio líder do grupo Rudi Protrudi. Para 2007, a banda promete algumas novidades; dois discos, um com músicas inéditas – entre elas as já conhecidas de shows “Lobisomem” e “Quarto Escuro” - e outro de versões para hinos obscuros tirados de coletâneas como Peebles e Back From The Grave, além de um compacto duplo em vinil com regravações de canções da pouco valorizada garagem sixtie brasileira. Estas gravações terão a presença do novo integrante Sir Uly, o ser psicodélico responsável pelos órgãos.
Da zona leste de Sampa para o mundo. O FuzzFaces mantém acesa a chama dos loucos admiradores de um som visceral carregado de fuzz. Porque o que o rock garageiro atual do Brasil precisa, eles têm de sobra: autenticidade e selvageria.
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