Por Mauro Ferreira
publicado em 28 de agosto de 2011 no Notas Musicais
Em 1975, Marília Pêra teve a primazia de lançar o cantor e compositor carioca Eduardo Dussek em disco. Então ilustre desconhecido, Dussek teve sua marchinha Alô Alô Brasil gravada com esfuziante alegria pela atriz-cantora e incluída no álbum de estúdio que registrava músicas do espetáculo Feiticeira. Com sua mistura de música, poesia e teatro, Feiticeira foi fracasso histórico na trajetória gloriosa de atriz. A mistura de música, poesia e teatro - urdida em roteiro assinado pelo diretor Fauzi Arap com Nelson Motta, sob a direção de Aderbal Jr. - descontentou o público, à época mais seduzido por espetáculos engajados (o próprio Nelson Motta considera hoje que o tom íntimo e pessoal do espetáculo era inadequado para aqueles tempos de resistência). Mas o fato é que o disco é bom. A oportuna chegada de Feiticeira ao CD - em reedição produzida por Thiago Marques Luiz para a gravadora Joia Moderna, do DJ Zé Pedro, fã do disco - atesta que os poderes musicais de Feiticeira foram subestimados por público e crítica em 1975. Ouvido 36 anos após sua fracassada edição original, o disco resiste bem ao tempo e se revela até visionário pela reunião em sua ficha técnica de talentos emergentes. Com interpretação precisa da atriz, que expõe a fragilidade e a força aparente do narrador da letra, a paranoica O Medo - uma das poucas músicas que expressava o sentimento da face mais consciente de um Brasil amordaçado pela ditadura - evoca algo dos cantadores nordestinos e, não por acaso, é da lavra de Alceu Valença, então pouco conhecido, apesar de na época já ter no currículo dois álbuns, um deles dividido com Geraldo Azevedo, adaptador do repente A Natureza (Zé Vicente da Paraíba e Passarinho do Norte). Também em início de carreira, Azevedo toca violão na faixa, uma das melhores do disco, como enfatiza com razão o DJ Zé Pedro no texto que escreveu sobre Feiticeira para o encarte da reedição. O disco foi produzido por Guto Graça Mello e Nelson Motta, autores de cinco das 13 músicas do álbum. A melhor delas é o bolero A Cara do Espelho, que - também não por acaso - passaria 23 anos depois pelo crivo severo de Nana Caymmi, que reviveu o tema em seu álbum Resposta ao Tempo (1998). Já Dança da Feiticeira é valorizada pela participação de Walter Franco, então em seu auge criativo, enquanto o rock Avô do Jabor - assinado somente por Nelson - teve seu pegada anos 50 realçada na gravação feita por Marília com o lendário trio Vímana, formado por Lobão, Lulu Santos e Ritchie, três nomes que o Brasil ouviria com atenção a partir da década de 80. Mas os tempos eram outros e Estado de Choque capta a agonia dos porões sangrentos do país em gravação pontuada pelo trompete de Márcio Montarroyos (1949 - 2007). Parceria de Jards Macalé com Duda que seria incluída por Macalé em seu álbum Contrastes, de 1977, Sem Essa reverbera essa mesma tensão típica dos claustrofóbicos anos 70. Mas Feiticeira tem também leveza. É com suavidade vocal que Marília Pêra caiu no Samba dos Animais (Jorge Mautner) e ressaltou o clima bucólico de Bentevi, tema da dupla Luhli e Lucina, convidada da faixa. Em contrapartida, a atriz-cantora abriu a voz e a veia histriônica ao reviver Canção pra Inglez Ver com toda a verve exigida pela música de Lamartine Babo (1904 - 1963). Enfim, Feiticeira tinha, sim, poderes musicais que foram (injustamente) desprezados em 1975, mas que saltam aos ouvidos nesta bem-vinda reedição de 2011. Não os subestime...
Excelente Blog... Parabéns.
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