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MÁRCIO MELLO NO OLHO DA RUA
Por Franchico no Rock Loco em 3 de janeiro de 2012
Cantor lança DVD gravado ao vivo na rua, em plena festa de Iemanjá, no Rio Vermelho - e dispara a metralhadora verbal contra o estado das coisas em Salvador
Márcio Mello dispensa apresentações. O cantor / compositor, que já namorou com o mainstream (na época de Nobre Vagabundo, hit na voz de Daniela Mercury), iniciou sua carreira no underground local, na banda Rabo de Saia. E é ali que ele, orgulhosamente, continua.
O testemunho inegável desta afirmação está no DVD independente que ele acaba de soltar: Márcio Mello Ao Vivo no Rio Vermelho. De cara, o que se pode dizer é que se trata do mais precioso documento audiovisual a sair do cenário do rock / música independente local.
Gravado no dia 2 de fevereiro de 2010, em plena festa de Iemanjá, o vídeo é o documento definitivo do show gratuito que ele faz todos os anos, desde 1998 (data que ele mesmo lembra, mas não tem certeza) na varanda da empresa gráfica Venture, no Rio Vermelho.
É um vídeo primoroso nos quesitos espontaneidade / verdade. Com diversas câmeras espalhadas em cima do palco e no meio da plateia, ele capta todo o clima de bagunça do evento, transportando o espectador para o meio do povo, entre doidões, gatinhas, roqueiros, malucos de rua, ônibus, carros e caminhões abrindo caminho no meio da multidão a todo momento – além de convidados inusitados, como o ator Fábio Lago (dando uma canja no pandeiro) e o ex-baixista do Camisa de Vênus, Robério Santana.
Porém, mesmo feliz com o resultado do DVD, Márcio anda muito descontente com Salvador – e com todo direito. No DVD, o baterista é seu amigo Paulo Perrone, que respira por aparelhos desde julho, após ser baleado durante um assalto.
Márcio já queria gravar um DVD ao vivo há muito tempo. Mas faltava uma oportunidade realmente bacana, com a sua identidade, para a coisa andar. “Cheguei a pensar em fazer de forma careta, em um teatro. Mas também tinha esse show no Rio Vermelho, que é demais”, diz.
Seus sócios foram contra. “Acharam a ideia ruim, o lugar sem estrutura e tal, até por que a gente não faz passagem de som para esse show”, conta.
”Mas, pô, nos anos 1970 era assim mesmo. Se ficasse ruim, não tinha essa de tocar a mesma música de novo e de novo. Era a coisa real. E é isso que eu quero. Se ficar ‘bagunçado’, dane-se”, acrescenta Márcio.
A coisa ficou tão divertida e espontânea que o espectador corre o risco de achar que certas passagens do vídeo foram “combinadas”, mas não: era só o caos conspirando a favor. “Tem uma hora que a lâmpada de um poste estoura, você acha que é fogo de artífício”, ri.
Ele conta que já fez shows de divulgação do DVD em São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre com o Bizarromóvel, um caminhãozinho adaptado para shows.
“O executivo de marketing de uma operadora de telefonia viu o Bizarromóvel no Rio Vermelho e pirou. Detalhe: do marketing de Belo Horizonte. Os caras da mesma operadora daqui de Salvador não estão nem aí”, diz.
No dia 2 de fevereiro ele faz o show de lançamento do DVD, no mesmo lugar. A nota triste é que este deverá ser o último ano do evento que já rolava há mais ou menos 15 anos, já que a Venture, empresa dona do “palco improvisado”, já avisou a Márcio que está deixando o local.
Em 2012, Márcio pensa em gravar um álbum com músicas inéditas, seguindo o mesmo padrão despojado: “Vou fazer um acústico. Voz, violão e só. Hoje é tanta ‘mistura’ indigesta, tudo tem que ter DJ, VJ, toneladas de percussão, mas a verdade é que tudo começa ali, no violão”.
“Tá na hora de ter coragem, de fazer guerrilha. Salvador tá careta demais”, constata. “A cidade toda está em crise total faz tempo. E é crise artística. Tá na hora de expulsar a meia dúzia de mauricinhos que produzem o mercado e ditam o que todo mundo vai ouvir”, dispara.
“Chega da música baiana com cara de jingle da Bahiatursa, essa caricatura do negão feliz rebolando de óculos escuros. A verdade é que o negro baiano continua sendo vendido como escravo, só que em outro patamar. Se antes eram escravos do senhor de engenho, hoje eles tem de rebolar pra enriquecer os donos de bloco e das bandas, que são todos meninos branquinhos, ex-alunos de escola particular. Nada mudou”, diz.
“Outro dia um cara me perguntou se eu ouvia pagode. Eu disse que não. Ele estranhou: ‘E você ouve o quê?’, como se só existisse isso. Percebeu o nível da mediocridade?”, pergunta.
Márcio acredita que essa mediocridade já contaminou todas as instâncias da sociedade. “O axé não deixou nada para cidade, só destruição. Acabou com o Carnaval, a noite, até a arquitetura. A cidade está feia. A conclusão que eu tiro é que uma cidade com música ruim é uma cidade ruim de se viver”, afirma.
“Aí fica todo mundo com cara de Carlinhos Brown. Tem uns 15 anos que aturamos um cataclisma de Carlinhos Browns, todo mundo igual. Ninguém pensa em fazer um trabalho artístico. Só pensa em se dar bem”, lamenta.
Márcio confessa que não tem mais prazer em estar na cidade, ainda mais depois do que aconteceu com o baterista Paulo Perrone.
“O cara tá semimorto no hospital por que foi tirar 300 contos no banco. Poderia ser eu ou você. A música que as pessoas insistem em ouvir de forma ensurdecedora nas ruas é estressante. Você não consegue tomar uma cerveja em paz nessa cidade. A gente tem que ficar trancado em casa, por que Salvador nos tortura o dia inteiro”, desabafa.
Com isto, só resta desejar boa sorte aos desavisados turistas...
Por Franchico no Rock Loco em 3 de janeiro de 2012
Cantor lança DVD gravado ao vivo na rua, em plena festa de Iemanjá, no Rio Vermelho - e dispara a metralhadora verbal contra o estado das coisas em Salvador
Márcio Mello dispensa apresentações. O cantor / compositor, que já namorou com o mainstream (na época de Nobre Vagabundo, hit na voz de Daniela Mercury), iniciou sua carreira no underground local, na banda Rabo de Saia. E é ali que ele, orgulhosamente, continua.
O testemunho inegável desta afirmação está no DVD independente que ele acaba de soltar: Márcio Mello Ao Vivo no Rio Vermelho. De cara, o que se pode dizer é que se trata do mais precioso documento audiovisual a sair do cenário do rock / música independente local.
Gravado no dia 2 de fevereiro de 2010, em plena festa de Iemanjá, o vídeo é o documento definitivo do show gratuito que ele faz todos os anos, desde 1998 (data que ele mesmo lembra, mas não tem certeza) na varanda da empresa gráfica Venture, no Rio Vermelho.
É um vídeo primoroso nos quesitos espontaneidade / verdade. Com diversas câmeras espalhadas em cima do palco e no meio da plateia, ele capta todo o clima de bagunça do evento, transportando o espectador para o meio do povo, entre doidões, gatinhas, roqueiros, malucos de rua, ônibus, carros e caminhões abrindo caminho no meio da multidão a todo momento – além de convidados inusitados, como o ator Fábio Lago (dando uma canja no pandeiro) e o ex-baixista do Camisa de Vênus, Robério Santana.
Porém, mesmo feliz com o resultado do DVD, Márcio anda muito descontente com Salvador – e com todo direito. No DVD, o baterista é seu amigo Paulo Perrone, que respira por aparelhos desde julho, após ser baleado durante um assalto.
Márcio já queria gravar um DVD ao vivo há muito tempo. Mas faltava uma oportunidade realmente bacana, com a sua identidade, para a coisa andar. “Cheguei a pensar em fazer de forma careta, em um teatro. Mas também tinha esse show no Rio Vermelho, que é demais”, diz.
Seus sócios foram contra. “Acharam a ideia ruim, o lugar sem estrutura e tal, até por que a gente não faz passagem de som para esse show”, conta.
”Mas, pô, nos anos 1970 era assim mesmo. Se ficasse ruim, não tinha essa de tocar a mesma música de novo e de novo. Era a coisa real. E é isso que eu quero. Se ficar ‘bagunçado’, dane-se”, acrescenta Márcio.
A coisa ficou tão divertida e espontânea que o espectador corre o risco de achar que certas passagens do vídeo foram “combinadas”, mas não: era só o caos conspirando a favor. “Tem uma hora que a lâmpada de um poste estoura, você acha que é fogo de artífício”, ri.
Ele conta que já fez shows de divulgação do DVD em São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre com o Bizarromóvel, um caminhãozinho adaptado para shows.
“O executivo de marketing de uma operadora de telefonia viu o Bizarromóvel no Rio Vermelho e pirou. Detalhe: do marketing de Belo Horizonte. Os caras da mesma operadora daqui de Salvador não estão nem aí”, diz.
No dia 2 de fevereiro ele faz o show de lançamento do DVD, no mesmo lugar. A nota triste é que este deverá ser o último ano do evento que já rolava há mais ou menos 15 anos, já que a Venture, empresa dona do “palco improvisado”, já avisou a Márcio que está deixando o local.
Em 2012, Márcio pensa em gravar um álbum com músicas inéditas, seguindo o mesmo padrão despojado: “Vou fazer um acústico. Voz, violão e só. Hoje é tanta ‘mistura’ indigesta, tudo tem que ter DJ, VJ, toneladas de percussão, mas a verdade é que tudo começa ali, no violão”.
“Tá na hora de ter coragem, de fazer guerrilha. Salvador tá careta demais”, constata. “A cidade toda está em crise total faz tempo. E é crise artística. Tá na hora de expulsar a meia dúzia de mauricinhos que produzem o mercado e ditam o que todo mundo vai ouvir”, dispara.
“Chega da música baiana com cara de jingle da Bahiatursa, essa caricatura do negão feliz rebolando de óculos escuros. A verdade é que o negro baiano continua sendo vendido como escravo, só que em outro patamar. Se antes eram escravos do senhor de engenho, hoje eles tem de rebolar pra enriquecer os donos de bloco e das bandas, que são todos meninos branquinhos, ex-alunos de escola particular. Nada mudou”, diz.
“Outro dia um cara me perguntou se eu ouvia pagode. Eu disse que não. Ele estranhou: ‘E você ouve o quê?’, como se só existisse isso. Percebeu o nível da mediocridade?”, pergunta.
Márcio acredita que essa mediocridade já contaminou todas as instâncias da sociedade. “O axé não deixou nada para cidade, só destruição. Acabou com o Carnaval, a noite, até a arquitetura. A cidade está feia. A conclusão que eu tiro é que uma cidade com música ruim é uma cidade ruim de se viver”, afirma.
“Aí fica todo mundo com cara de Carlinhos Brown. Tem uns 15 anos que aturamos um cataclisma de Carlinhos Browns, todo mundo igual. Ninguém pensa em fazer um trabalho artístico. Só pensa em se dar bem”, lamenta.
Márcio confessa que não tem mais prazer em estar na cidade, ainda mais depois do que aconteceu com o baterista Paulo Perrone.
“O cara tá semimorto no hospital por que foi tirar 300 contos no banco. Poderia ser eu ou você. A música que as pessoas insistem em ouvir de forma ensurdecedora nas ruas é estressante. Você não consegue tomar uma cerveja em paz nessa cidade. A gente tem que ficar trancado em casa, por que Salvador nos tortura o dia inteiro”, desabafa.
Com isto, só resta desejar boa sorte aos desavisados turistas...
Assista o show na integra no youtube:
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