terça-feira, 23 de junho de 2015

Frodo é coisa nossa

Por André Barcinski no R7
publicado em 22 de junho de 2015


Uma parte quase desconhecida da história do pop brasileiro está prestes a ser revelada, e com ajuda ilustre: o astro do cinema Elijah Wood, o Frodo de “O Senhor dos Anéis”, está colaborando com o cineasta e documentarista brasileiro Artur Ratton, 43, na produção de “Brazilian Guitar Fuzz Bananas”, um documentário sobre o pop psicodélico brasileiro dos anos 60 e 70.

O filme nasceu da amizade de Artur e outro brasileiro, Joel “Stones”, dono de uma cultuada loja de discos do Lower East Side de Nova York, a Tropicalia in Furs, fechada em 2013.

Artur ficou fascinado com uma coletânea, também chamada “Brazilian Guitar Fuzz Bananas”, que Joel lançou em 2010, com faixas gravadas entre 1967 e 1976 por artistas como Marisa Rossi, Tony e Som Colorido, The Pops e Célio Balona, e convenceu Joel a fazer um filme que contasse a história de artistas que sempre viveram à margem da indústria musical brazuca. Elijah Wood era cliente da Tropicalia in Furs, amigo de Joel, e decidiu ajudar na produção.

Artur mora há 15 anos em Nova York. Fiz uma entrevista com ele sobre o filme e a história da Tropicalia in Furs. Aqui vai:


- Você pode falar um pouco de seu background? Como foi parar em Nova York?
- Vim para Nova York em 2002. Antes havia morado na Califórnia, onde estudei cinema. Ao todo, moro nos EUA há 15 anos. Vim para Nova York para poder fazer meus filmes junto com minha mulher, que também é dessa área documental.

- Como conheceu a loja e o Joel?
Conheci o Joel (abaixo, na foto: Artur e Joel) quando fui entrevistá-lo para um documentário que eu fotografei e produzi, chamado “Beyond Ipanema”, sobre música brasileira nos EUA. Logo começamos a fazer pequenos filmes na loja dele e também um programa em umawebradio que tinha aqui em Nova York. O programa era um documentário sonoro sobre os discos que passavam pela loja. Misturávamos psicodelia turca com Krafwerk e Arnaud Rodriguez com alguma banda nova de Detroit, além de muito funk, jazz e soul. Foi naquela pequena loja pintada de laranja berrante que passei a realmente gostar e conhecer a música brasileira.

- Quem eram os clientes mais famosos da loja do Joel?
- Mike D do Beastie Boys estava sempre lá comprando vinil. O Julian Casablancas, do Strokes, foi iniciado na música brasileira pelo Joel. Um dia, dei de cara com o Matt Dillon na loja. Muita gente dounderground de Nova York parava por lá: Sonic Youth, Blond Redhead, gente da época do punk nova-iorquino, além de DJs como Jonathan Toubin, que é o cara que faz as melhores festas para dançar na cidade, tocando apenas 45s e coisas super originais. Eram muitos personagens que passavam por lá e a troca cultural era intensa. E tinha uma coisa rara em lojas de discos: era um lugar amigável e onde ninguém era julgado. Assim como o Joel dava atenção a rockstars querendo saber sobre Tim Maia, dava a mesma atenção a um menino qualquer que passava por lá. O Joel sempre fazia questão de descer caixas das prateleiras para mostrar músicas.

- Quando fechou a loja, e por quê?
- O Joel é um doido iconoclasta, quis ver o que seria o próximo capítulo e fechou as portas em plena virada do ano de 2013, com a loja bombando. Foi até a First Avenue e jogou caixas e caixas de discos para o povo, foi engraçado ver. A loja existe agora nos subterrâneos virtuais e nas feiras de discos. Outra coisa que influenciou é como o East Village está virando careta e cheio de estudantes universitários andando de bermudas como se estivessem em algum campus suburbano. Também havia muita gente reclamando de som alto e chamando a polícia. Na loja o som estava sempre alto e as festas iam até de madrugada. Nova York está sofrendo um pouco de deficiência erétil, e os malucos aos poucos estão sumindo.

- Como surgiu o interesse em fazer o filme?
O filme foi resultado de uma residência artística espontânea que fiz na loja, junto com o Joel. Nesse processo fizemos o programa de rádio, produzimos shows, pequenos curtas-metragens experimentais e, sem saber, construímos uma historia na cena undergroundboêmia do East Village. Sem pretensão, do jeito do Joel, ele criou e construiu um ponto que vai fazer parte da mitologia daquele bairro especial para sempre. O filme foi resultado disso. Em nós surgiu também um prazer em apresentar o Brasil para os estrangeiros, à nossa maneira. Quando o Joel me disse que estava produzindo a compilação (“Brazilian Guitar Fuzz Bananas”) comecei a documentar do jeito que podia, e acabamos com um documentário de 15 minutos sobre o processo caótico, mas funcional, do Joel em pesquisar e relançar as músicas. Depois disso começamos a planejar o que seria o longa, um documentário road movie em um formato realmente psicodélico, um filme divertido que ajudasse a trazer esta era tão especial da música brasileira para a superfície. Apresentamos o filme como uma mistura de “Easy Rider” com “Buena Vista Social Club”, misturado com um pouco de Mussum.

- Esse lado desconhecido do pop brasileiro sempre te interessou?
- Sim, mas eu não tinha nem ideia da profundidade dessa verdadeira caverna escura e sinuosa que é a música brasileira que ficou pelas beiradas da indústria musical do país. Músicas que, até pouco tempo atrás, estavam fadadas a sumir, pois existiam apenas em compactos. A criatividade, originalidade, audácia e ingenuidade desse material são capazes de enlouquecer qualquer pessoa com sensibilidade musical e vontade de expandir a mente. É uma música simplesmente divertida e, às vezes, até perigosa de ser ouvida. Esteticamente, é subversiva.

- Vocês fizeram um projeto de crowdfunding e levantaram 25 mil dólares. Como está o andamento do projeto?
- Com os 25 mil fomos ao Brasil e filmamos por 15 dias ininterruptos entre Rio e São Paulo. Começamos com o cantor Fábio, de “Lindo Sonho Delirante”, no topo do Hotel Jaraguá, no centro de São Paulo, e terminamos abraçados e molhados de água salgada com o Serguei em Saquarema. Também achamos o mitológico Paulo Bagunça em uma vila no litoral norte do Rio. Voltamos com um material muito legal, mas quebrados de dinheiro. No momento, desistimos de tentar captar no Brasil e estamos deixando o projeto mais internacional, para podermos levantar recursos aqui. Tem dado certo. Nossa ultima empreitada agora é trazer o Paulo Bagunça para gravar em Los Angeles, com produção do Mario Caldato (brasileiro que trabalhou com Beastie Boys, Beck e muitos outros), que é um dos nossos apoiadores e incentivadores.

- Pode falar um pouco sobre a colaboração do Elijah Wood? Ele aparece no promo. Isso quer dizer que vai aparecer no filme também?
- O Elijah é muito amigo do Joel e coleciona e toca discos como DJ profissional, às vezes eles tocam juntos. Acho que a musica é onde ele gosta de andar na sombra, sem ser o astro do cinema. Ele realmente ama música com bastante paixão. Ele nos ajudou bastante na época do crowdfunding e quer muito participar do filme. Pediu uma cena em que não fale nada, então escrevi um encontro no deserto entre ele, o Paulo Bagunça e o Joel. Ele vai fazer o papel de uma cobra azul com a cabeça do Elijah.

- Você tem um cronograma para terminar o filme?
- Sim, o mais breve possível. O Paulo está tinindo, ainda toca e canta muito bem, tem um ótimo senso de estética fashion para escolher suas camisas floridas. Está perfeito para viajar com a gente e poder recriar seu som pelo menos mais uma vez, para os olhos e ouvidos do mundo. É agora ou nunca. Pretendo lançar o filme em 2016.

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