sexta-feira, 10 de maio de 2019

Jorge Ben - Negro Lindo [1971]

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Por Danilo em Oganpazan

JORGE BEN, TRIO MOCOTÓ & ARTHUR VEROCAI EM NEGRO É LINDO (1971)


JORGE BEN, TRIO MOCOTÓ & ARTHUR VEROCAI EM NEGRO É LINDO, PRODUZIRAM UMA PEÇA SINGULAR NA OBRA BENJORNIANA, DE LETRAS/ARRANJOS SENSACIONAIS!


Jorge Ben é um dos pilares mais importantes da música popular feita no Brasil pós-Bossa Nova, dono de uma inventividade incrível e que trouxe tons muito singulares a nossa música. Unindo um ataque violento, inovador e insinuante no violão a composições herdeiras da complexa simplicidade do samba. Suas composições talvez se caracterizem por um simplicidade unida a temas alienígenas, excêntricos ao que comumente se produzia no samba. Aliando por vezes uma abordagem diferente a assuntos comuns e em outros momentos inaugurando “letras” de um ineditismo total. Suas composições passeiam por temas como: amor, auto afirmação racial, temas cotidianos e lembranças da infância suburbana, mas também a filosofia de Santo Tomás de Aquino, Dostoievski, Alquimia, personagens históricos, futebol, mulheres.

Admirador do rock’n roll e da bossa nova, Jorge Ben estreia com Samba Esquema Novo em 1963, um disco que é ao mesmo tempo um herdeiro e destruidor da veia cool buscada pela tchurma de Copacabana. A força do seu ataque ao violão e seu balanço torto a essa altura só encontrou pares na turma do Beco das Garrafas e o seu samba jazz, com JT Meireles e os Copa Cinco. Tendo imprimido essa micro revolução na música brasileira em seu album de estreia e ao mesmo tempo alcançando amplo sucesso, o artista nunca se acomodou. Passeando por diversos gêneros e turmas da MPB, da Bossa Nova à Jovem Guarda, sendo também incorporado pelos Tropicalistas, Jorge Ben é das poucas figuras da música brasileira, senão a única, a ser admirado, gravado e a ter participado dos três movimentos nesta época. Talvez uma de suas principais características seja justamente essa leveza, entrando e saindo de todas as estruturas com sua liso como um ponta de lança.

Depois de uma estreia acachapante, pulamos para 1968, um ano após o lançamento de O Bidu – Silêncio No Brooklin (1967) época em que Jorge colou por São Paulo e com sua veia irreverente tentou o que chamou de Jovem Samba, adaptação benjorniana da Jovem Guarda. E foi nesse período que o Babulina (apelido dado por seu canto de Be Bop A Lula) de rolê por São Paulo, conheceu o Trio Mocotó na boate Jogral, point da night paulistana na época.

Grupo formado – estranhamente formado diga-se de passagem – por Nereu Gargalo (pandeiro), Fritz Escovão (piano, violão e cuíca) e Joãozinho Parahyba (bateria), os caras possuem (ainda estão na ativa) uma das formações rítmicas mais interessantes e inventivas já surgidas nas Universidade das Escolas de Samba do Rio de Janeiro. Logo um ano após esse encontro singular Jorge Ben & Trio Mocotó já estavam defendendo, em um Maracanãzinho lotado, o clássico Charles Anjo 45 no Festival Internacional da Canção.

Dessa parceria que muitos consideram a melhor da carreira do Jorge Ben, nasceriam três discos oficiais Jorge Ben(1969), Força Bruta(1970) e Negro é Lindo(1971), além do disco ao vivo lançado apenas no Japão On Stage in Japan (1972). Talvez seja possível afirmar que é nesse período de sua carreira que o cantor, compositor, instrumentista e arranjador forjou seu estilo mais pleno, seja como letrista mas também como instrumentista. Sua inquietude fez com que sua herança roqueira aflorasse durante esse período e talvez justamente pelo encontro com o Trio Mocotó, tornou o seu violão um instrumento rítmico, com uma pegada que ficou conhecida como samba-rock.

Até então Jorge Ben já tinha trabalhado com arranjadores da estirpe de um JT Meirelles, Maestro Gaya, Trio Luiz Carlos Vinhas, José Briamonte e Rogério Duprat, mas não sem motivos resolveu escalar um jovem arranjador, com pouca experiência profissional. Faziam apenas 3 anos desde que Arthur Verocai tinha abandonado o curso de Engenharia Civil para se dedicar profissional e integralmente a música. Mas apesar do pouco tempo como arranjador ele já trazia no currículo excelentes trabalhos. Arranjos para o disco Ivan Lins, Agora (1971), mas também tinha trabalhado com Erasmo Carlos em Carlos, Erasmo (1971), além de ter também arranjado Elizeth Cardoso, Gal Costa, Quarteto em Cy, MPB-4, Célia, Guilherme Lamounier, Nélson Gonçalves e Marcos Valle. Além disso, vinha desde os anos 60 compondo canções para diversos artistas e participado como autor festivais da época. 

Apenas um ano antes de lançar uma verdadeira obra prima – Arthur Verocai (1972) - o maestro se junta a Jorge Ben & Trio Mocotó para o delicioso disco que fechará com chave de ouro essa fase do artista. E é a partir dessa tríade que tentamos entender por que Negro é Lindo(1971) se fez um disco tão singular dentro da carreira de Jorge Ben.

Em um disco que se chama Negro é Lindo, Jorge Ben abre os trabalhos com uma linda homenagem a Rita Lee, mulher branca e loira. Uma prova inconteste de que o panfletarismo tão em voga nessa década nunca foi a praia dele e de que seja em aspectos ideológicos ou musicais, a transmutação e a mudança sempre foram valores importantes em sua mente. “Rita Jeep” abre o disco inclusive destoando também de uma certa linha musical que encontramos ao longo da bolacha, com os ricos arranjos de cordas servindo ao ritmo.

Dentro de suas composições, as vezes de forma bem humorada e muitas vezes abrindo mão de uma certa lisergia que fez parte de suas composições desde o advento do seu encontro com o Trio Mocotó, Jorge Ben compôs lindas canções sobre questões existenciais. E “Porque é Proibido Pisar na Grama” é a ode máxima a esses aspectos, podemos inclusive entendê-la como uma continuação da linda “Descobri Que Sou Um Anjo”, presente no disco de 69. Jorge Ben utilizou imagens recorrentes em suas composições, ora citando trechos de suas próprias músicas ora buscando continuações temáticas e aqui temos uma prova desse último procedimento: “Descobri que além de ser um anjo, eu tenho cinco inimigos“.

Aqui já podemos perceber a forte e doce mão dos arranjos de Verocai com a inserção de uma belíssima orquestração colocada como contraponto e ao mesmo adorno ao ritmo insinuante do Trio Mocotó e ao violão soberano do Ben. A melodia e a harmonia da composição orquestral casando perfeitamente com o tom de questionamentos existenciais, criando uma espécie de drama musical. Descobrindo que é um anjo, que precisa ser mais durão, mas que quer saber também porque é proibido sentir a maciez de um gramado, Jorge Ben adianta a música seguinte, criando um nexo com o personagem abordado a seguir.

Hoje, Muhammad Ali é em sua inteireza como homem e atleta um símbolo enorme e fortemente associado às qualidades éticas e estéticas do povo negro em diáspora. Seu corpo, sua fala, sua malandragem, mas também seus posicionamentos políticos encarnaram uma série incrível de características da cultura negra e passaram a influenciar pessoas, movimentos políticos e sociais, e também as artes. Em “Cassius Marcelo Clay”, Jorge Ben em parceria com Toquinho, capta isso em sua poesia com a genialidade que lhe é peculiar e com uma agudez que denota o quanto ele estava atento ao movimento dos direitos civis nos E.U.A.

Um herói negro, sucessor de heróis brancos, fantasiosos e porque não? representantes do status quo racista americano. Se hoje Ali é visto como um precursor do Spoken World e do Rap, Jorge Ben associa-o em seus espetáculos no ringue à cadência das escolas de samba e aos esquemas táticos do futebol. Mostrando que um corpo negro é pensamento e ritmo, logo arte, assim como Resnais & Marker constataram em Les Statues Meurent Aussi 1953. E meus amigos. que violão é esse que só o samba rock do mestre nos pode dar? Novamente aqui acompanhado de cordas porém, dessa vez sem a percussa do Trio Mocotó, com exceção de um solo de atabaque.

Outra grande qualidade da sua música é a forma como e o quanto cantou as mulheres, alcançando em 10 anos pelo menos algo próximo de uma centena de canções, com os mais diversos enfoques. Nomeando-as, localizando-as racialmente, construindo uma obra dentro da obra, que é um belo panorama das mulheres brasileiras. Só aqui nesse disco, das dez canções presentes, metade são sobre mulheres. Loiras, morenas e negras, Rita Jeep, Cigana e Zula, lembro com exatidão do meu amigo Adílio, o responsável por me apresentar o conjunto da obra do Ben, galanteador todo, sempre encontrando os tipos femininos do Jorge nas cocotas que víamos na rua.

Apesar do óbvio lugar de fala do qual emitia suas poesias ser o de um homem negro e assim carregar algum machismo, em geral suas músicas são lindas homenagens. “Cigana” possui um tom mais brejeiro, de elogios doces, promessas de amor e de espera, calhando muito bem com o andamento cadenciado e o os backing vocals femininos de fundo. Uma tristeza não saber o nome de muitos músicos e nem das meninas que aqui cantam. Já “Zula” tipifica uma mulher brasileira de origem Zulu, e a construção dos elogios pode ser lido num recorte racial muito interessante. Ben canta: “É impossível imaginar, tudo que essa nega merece, tudo que essa nega tem, tudo que essa nega promete“. Se por um lado é possível entender como um verso de fundo sexual, dada a temática do disco e a sempre elegante maneira de se referir ás mulheres, é possível entender também como uma exaltação da mulher negra brasileira.

Algo que pode ser reforçado pela faixa seguinte e que dá título ao disco: “Negro é Lindo”. De formação católica mas de evidente origem africana, sua mãe é etíope, Jorge Ben procede num estranho sincretismo em sua obra. A música que traz em seu bojo uma das frases de afirmação do movimento de direitos civis americano e dos Black Panthers: Black is Beautiful, é aqui atualizada a nossa realidade. Com referências a Zambi, ao nosso Preto Velho, Dandara e falando ao final da canção em Mbundu, temos uma sinal bastante claro de respeito a uma das culturas que compõe nossa herança africana e as lutas históricas do povo negro brasileiro. Uma das canções mais significativas da obra do mestre Ben e uma pedra de toque do disco aqui em questão. Outra das maravilhosas e engenhosas participações singulares do Arthur Verocai com sua mão orquestral.

E como acima dissemos, Jorge Ben tem uma farta quantidade de canções de afirmação racial e seria de se esperar que num disco que se chama Negro é Lindo, tivéssemos apenas variações sobre o mesmo tema. Mas ao produzir essa afirmação, ele incorpora a diferença como traço distinto de alteridade e vem em seguida com “Comanche”, tribo indígena da América do Norte. Novamente, uma tristeza não saber quem comanda o trompete alucinado ouvido nessa canção. Porque além da swingueira do Nereu, Escovão e do Parahyba segurando o groove com um excelência absurda, umflugelhorn literalmente duela durante toda a música com o órgão comandado (imaginamos) por Fritz Escovão. 

Sua segunda parceria com Toquinho presente nesse mesmo álbum e num momento onde o próprio Jorge Ben compunha todo o material que gravava, se transformou em um de seus maiores sucessos. “Que Maravilha” foi lançada originalmente em 1969 e é um dos muitos exemplares de músicas do Ben que foram regravadas por deus e o mundo, e a versão presente neste disco é a nossa preferida. Num bolerão de arranjos e execução que nos lembram um bar enfumaçado numa noite solitária, apenas a cerveja a esquentar na mesa enquanto lembramos do nosso amor. Em contraposição com a letra que descreve uma cena de dois amantes se encontrando alegremente em meio ao caos urbano durante um dia de chuva, mas com um ar ensolarado presente na felicidade expressa na canção. Simplesmente um clássico completo e absoluto.

O disco termina com um par de canções sobre mulheres e o amor gigantesco que Jorge Ben dispensa a todas elas. Um amor que pode encontrar nessa imagem seu equivalente para todos os casos de Bebete a Jesualda, de Dorothy á Domenica, de Gabriela à Lorraine:

“Os ramos ultrapassantes/ E as raízes invadentes/ Do meu coração/ Percorrem com carinho/ Com uma velocidade ilimitada de afirmação/ De como é grande o meu amor por você.”

Outros dois exemplos lindos, do que essa trinca Jorge Ben, Trio Mocotó & Verocai puderam produzir, a louvarem o amor pela música, a preocupação com a criação e sobretudo a uma certa noção de entendimento do que seja o humano. A beleza e a força das composições, dos arranjos dessa obra de arte que toma a afirmação da beleza negra para alcançar as diferenças, pensando a noção de alteridade como algo supremo nas relações e chegando assim ao humano. O reconhecimento do outro em sua diferença mesma, como aspecto principal do nosso conviver, a ideia de que o negro é a soma de todas as cores, sem recair num amor vazio pela Humanidade, nem na anulação da luta racial, com a plena consciência da historicidade nas relações de opressão. Um disco bonito, mais uma das obras primas compostas por esse verdadeiro gênio máximo da música brasileira e mundial.


A1 Rita Jeep
(Jorge Ben)
A2 Porque É Proibido Pisar Na Grama
(Jorge Ben)
A3 Cassius Marcelo Clay
(Jorge Ben, Toquinho)
A4 Cigana
(Jorge Ben)
A5 Zula
(Jorge Ben)
B1 Negro É Lindo
(Jorge Ben)
B2 Comanche
(Jorge Ben)
B3 Que Maravilha
(Jorge BenToquinho)
B4 Maria Domingas
(Jorge Ben)
B5 Palomaris
(Jorge Ben)

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