terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Pense - Além Daquilo Que Te Cega [2014]


Por Guilherme Guedes em Tenho Mais Discos Que Amigos

Oriundo de garagens suburbanas dos rincões dos Estados Unidos nos anos 1980, o hardcore chegou ao Brasil pouco depois, ainda mais próximo do punk, com a veia política inflada pela ditadura militar então prestes a acabar. De lá para cá, vimos várias gerações de subgêneros do HC brasileiro nascerem e morrerem, muitas vezes optando por letras em inglês ou naquele português macarrônico, com sílabas distorcidas para melhor se adaptarem aos nossos ouvidos colonizados.

De vez em nunca, uma ou outra banda acerta na balança entre a nossa complexa e rebuscada língua e a retidão do rock. Na maioria das vezes, o equilíbrio é alcançado pelo empobrecimento do vocabulário, em rimas previsíveis, daquelas que conseguimos adivinhar como termina antes mesmo do verso acabar. Não é o caso do Pense, excepcional banda mineira de hardcore que lançou o seu segundo álbum, Além Daquilo Que Te Cega, na última Sexta-feira (27).

O Pense surpreendeu a todos com Espelho da Alma (2011), o álbum de estreia do quinteto de Belo Horizonte. Altamente técnico e repleto de energia, o disco foi um sopro de esperança para os fãs do hardcore nacional, ainda dependentes demais de bandas que estavam na estrada muito antes de boa parte dos fãs atuais nascerem. Mas as letras das doze faixas de Espelho da Alma eram o destaque evidente do disco: furiosas mas sempre positivas, e distantes do óbvio apesar da ingenuidade ocasional, demonstravam o comprometimento do grupo com o nome de batismo – a proposta não era apenas moshar, gritar em coro ou lamentar relacionamentos platônicos frustrados; era instigar os ouvintes.

Assim, Além Daquilo Que Te Cega nasce com a missão de cumprir a expectativa gerada pela boa recepção do anterior. Para aumentar a pressão, do primeiro álbum para cá a banda trocou três integrantes – da formação prévia, estão apenas o vocalista Lucas Guerra e o baixista Judá Ramos – mas o que poderia representar uma mudança drástica transformou-se em evolução nítida, com arranjos e versos ainda mais intrincados que garantem não apenas a manutenção do nível do grupo, mas um crescimento incontestável.

O som, uma espécie de filho bastardo do Dead Fish com o Comeback Kid criado por padrastos fãs de metalcore, não é muito diferente, apenas um toque mais pesado. O segundo álbum do Pense parece amarrar melhor as influências, de forma que elas dialoguem melhor entre si em uma mesma abordagem, sem parecer um quebra-cabeça desorientado de referências. O ritmo é sempre frenético. Sempre mesmo, o tempo todo, do início ao fim. Bem, com exceção da introdução de “Contra-cultura”, faixa de abertura do álbum que começa com um discurso de Lucas sobre dedilhados límpidos, interrompidos antes do primeiro minuto por um riff feroz das guitarras de Cristiano Souza e Ítalo Nonato. Os dois abrem alas para a cozinha do grupo, composta por Judá e pelo habilidoso baterista Danilo Vilarino, que irrompem com velocidade e ditam o rumo do restante do álbum.

A maior parte das faixas preza pela celeridade, e a solução do Pense para evitar o tédio vem na forma de breakdowns e conversões, como o solo duplo de guitarras em “Aponte Pro Espelho”, ou a metade final de “Andando Sobre Pedras”, que vai de um hardcore veloz a um final grandioso intermediado por um breve momento de calmaria. A banda também acerta quando pisa no freio, como na ótima “Ismos”, que compensa o BPM mais baixo com linhas pesadas e aponta uma possibilidade interessante para o futuro musical do Pense.

E mais uma vez a habilidade de Lucas Guerra como letrista é digna de destaque. Lucas não canta versos complicados, pelo contrário. É adepto da simplicidade, mas até quando fala de relacionamentos, como em “Falta”, evita clichês exauridos por anos de abuso de compositores menos inspirados. Os alvos ainda são similares: a parcela conservadora da sociedade e da mídia em “Contra-cultura”, a egolatria em “O Que Me Cega” e o comodismo em “Seguro Demais”, que ecoa, intencionalmente ou não, grandes momentos do Noção de Nada, extinta banda de Gabriel Zander, atual líder do… Zander. Lucas acompanha o desenvolvimento do time instrumental entre os dois álbuns e também mostra avanço em “Expansão da Consiência”, que em versos mais abstratos parece pregar uma união coletiva em prol de um bem maior não-identificado, em versos igualmente empolgantes.

Além Daquilo Que Te Cega é superior a Espelho da Alma em todos os sentidos, e apesar de pecar pela falta de criatividade em alguns momentos em que a receita de oitavadas + tupa-tupa toma conta, mostra que o progresso do Pense continua a surpreender e a gerar frutos da melhor qualidade. Que venham os próximos.


3 comentários:

  1. massa o blog, pessoal..agora uma duvida..de quem eh essa frase-slogan do blog.. "quanto mais estilos absorvo, mais peculiar fico" ???

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    1. Sinceramente não lembro ao certo se é uma citação literal ou adaptação de algo que li há tempos.

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    2. Pois é..também não sei ao certo se é uma frase literal ou adaptação..por isso a dúvida.

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