Por Mauro Ferreira
Tropicália não é um documentário tão elucidativo como o filme que recontou a controvertida história de Wilson Simonal (1938 - 2000), para citar somente um exemplo feliz dentre a safra de documentários que vem investigando, nos últimos anos, fatos e nomes relevantes da música brasileira. Por fugir dos moldes convencionais do gênero e do didatismo histórico, o filme de Marcelo Machado impressiona mais pelo apuro estético com que expõe na tela imagens raras como a apresentação dos líderes tropicalistas no Festival da Ilha de Wight (na Inglaterra de 1970) e como o casamento hippie de Caetano com Dedé Gadelha em Salvador (BA). Ao aliar essa estética arrojada à trilha sonora de Kassin e ao rico acervo de imagens (estáticas ou em movimento) depuradas para o filme, Tropicália documenta o movimento com um espírito libertário condizente com a revolução musical arquitetada por Caetano Veloso e Gilberto Gil com o auxílio (nem sempre corretamente dimensionado) do artista plástico e músico Rogério Duarte e do empresário Guilherme Araújo (1937 - 2007). Aliás, ao expor a dicotomia entre Duarte e Araújo (este mais interessado em capitalizar em cima da Arte defendida por Duarte, peça-chave na construção do movimento), Tropicália dá sua mais expressiva contribuição para o entendimento dos códigos que regeram o movimento que quebrou barreiras, irmanando o lixo e o luxo da música brasileira. São também elucidativos os depoimentos que trazem à tona os ressentimentos dos poetas José Carlos Capinam e Torquato Neto (1944 - 1972) por terem sido relegados a um segundo plano naquela geléia geral. Em contrapartida, o filme omite o esforço de Gal Costa para manter acesa a chama tropicalista após a partida de Caetano e Gil para o forçado exílio em Londres. O filme abre, aliás, com rara imagem dos dois cantores já no exílio, se apresentando em programa da TV portuguesa, em 4 de agosto de 1969. Ao ser questionado sobre a Tropicália, Caetano enfatiza que o movimento já tinha morrido àquela altura. A partir daí, o filme procura investigar a construção daquela estética que, na opinião do hoje recluso Rogério Duarte, foi a "síntese de ideias contraditórias" enquanto, para Gil, a Tropicália se ergueu em "território idealizado". O diretor acerta ao mostrar somente no fim do filme os rostos envelhecidos dos entrevistados. Antes, suas vozes são ouvidas em off, como se estivessem explicando as imagens que jorram na tela. Dentro desse estilo, é especialmente emocionante a sequência em que o filme mostra o enterro do estudante Edson Luís de Lima Souto (1950 - 1968), o universitário assassinado pelo regime militar em 14 de março daquele ano que ainda não terminou, ao som de Coração Materno - sucesso do cantor Vicente Celestino (1894 - 1968) - na voz de Caetano Veloso. Se Tom Zé teoriza o movimento em depoimento que deixa entrever sua salutar inquietude, Gil - figura obviamente recorrente no filme - ressalta a importância de Jorge Ben Jor, "Tropicalista fundamental". Ilustrando significativamente o fim do ciclo artístico de seus protagonistas, o documentário mostra Caetano Veloso ruminando Asa Branca (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira) em programa da TV francesa e, no fecho propriamente dito do filme, rebobina imagens da Bahia de 1972 ao som de Back in Bahia (Gilberto Gil). Sim, Tropicália caminha contra os padrões dos documentários musicais e, por minimizar alguns fatos e personagens, desfolha a bandeira da geléia geral brasileira mais pelas imagens valiosas do que pelas palavras.
Será posssível um novo link para esta trilha sonora?
ResponderExcluirObrigadão!
Opa, tem sim. Está nesta postagem http://portrasdavitrola.blogspot.com.br/2015/02/tropicalia-2012-trilha-sonora.html
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