Por Carlos Roberto Merigo Filho
Publicado originalmente em 7 de julho de 2000 no Whiplash
No ano de 1966, aquele que seria chamado mais tarde de maluco beleza, Raul Seixas, já era conhecido na Bahia com a sua banda Raulzito e Os Panteras. Fizeram diversas apresentações, incluindo uma no Festival da Juventude no cine Roma, onde foram obrigados a voltar ao palco mais cinco vezes, de tão aplaudidos. Nessa época ele conhece a americana Edith Wisner, filha de um pastor, pára de tocar e volta aos estudos. Raul passa entre os primeiros colocados da Faculdade de Direito e declara: “Viu como é fácil ser burro?”
Casa-se com Edith, e depois de muita insistência de Jerry Adriani, volta a tocar com os Panteras. Mudam-se para o Rio de Janeiro, onde em 1968 gravam o primeiro disco, agora chamado de Raulzito e Seus Panteras. O álbum foi um fracasso total, a banda se dissolve e Raul volta pra Salvador.
Em 1970, Jerry Adriani apresenta Raul ao diretor da gravadora CBS, que o convida para ser produtor de discos. Raul aceita e passa a produzir para diversos artistas. Em 1971, ele produz e participa do seu primeiro disco de maior expressão “Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das Dez”. Porém, só em 1972 no Festival Internacional da Canção, todo o Brasil conheceria Raul Seixas através do rock-baião “Let Me Sing”. Raul e sua banda, embora sem crédito, interpretaram inteiramente o LP “Os 24 Maiores Sucessos da Era do Rock” em 1973.
Era chegada a hora de partir para seu primeiro trabalho solo, o álbum “Krig-Ha Bandolo!” pela Phiplips/Polygram. E se o produtor Raul Seixas aprendeu sua profissão no estúdio, o jovem Raulzito foi desde cedo emérito rato de livraria, lendo de tudo, desde gibis a livros de filosofia. Nesse disco Raul já conta com a parceria de Paulo Coelho na maioria das canções.
Raul começaria então, a destilar todo seu veneno, ironia e humor ácido contra a sociedade vigente e aos valores impostos por ela. Na primeira música do disco “Mosca Na Sopa”, Raulzito já mostra que cutucaria essa sociedade por muito tempo ainda e que não adiantaria dedetizá-lo, pois nem assim poderiam extermina-lo. Canção essa que mistura dois elementos musicais, começando solenemente com o som de batucadas, berimbau e palmas de rodas de capoeira chegando até ao ritmo contagiante do Rock ‘n Roll. Era Raul, começando a perturbar o nosso sono.
Segunda faixa, “Metamorfose Ambulante” nasceu já clássica, se tornando pouco tempo depois um sucesso estrondoso. Nela Raul mostra todas as suas faces, o Raul Guru, o Raul Raulzito, o Raul Maluco Beleza e sobretudo o que nem ele sabia o que era. Define perfeitamente a consciência humana, mostrando que não sabemos o que somos e que amanhã seremos completamente diferentes. Um ode ao livre pensamento e à necessidade de reconsiderar conceitos e opiniões. Uma das mais importantes canções do cânone raulseixista.
Como de costume, Raul adorava modificar as letras de suas músicas durante os shows. Em um show em São Paulo, 1983, Raul alterou a letra de “Metamorfose Ambulante” da seguinte forma: “Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante, do que ter aquela podre velha opinião formada sobre tudo, formada sobre toda essa babaquice que esta ai existindo e parando sobre nossas cabeças, essa lama que a gente engole e não faz nada, mas esse caos de gente é o sinal de que algo esta pra acontecer.” Que se concluiu numa performance arrebatadora.
Nesse mundo de sobe e desce, altos e baixos, “Dentadura Postiça” define o que entra e o que sai.
“As Minas do Rei Salomão”, onde o real e o falso se encontram quando o princípio encontra o fim. É pensar na relatividade da importância dos fatos e dos objetos pra quem se esqueceu do passado e se perdeu no presente.
Violão e clima espacial abrem e percorrem “A Hora Do Trem Passar”, onde Raul pergunta se é hora de partir ou hora de chegar. Aliás tudo passa, e já que vai passar porque não esperarmos e admirarmos a solidão do amanhecer?
Rock ‘n Roll rasgado e puro em “Al Capone”, que junta Hendrix, Frank Sinatra, Júlio César, Al Capone e Jesus Cristo na imortal frase de Bob Dylan: “Não existe sucesso como o fracasso e o fracasso não é sucesso algum”.
Gravada no estúdio da CBS, Raul canta em inglês e diz ter escrito para Elvis Presley a canção “How Could I Know”, sétima do disco.
Em “Rockixe”, Raulzito canta a mediocridade e o ridículo do “way of life” comandado pela indústria capitalista, mesmo que se encontre na esquina da falência ele diz: “O que eu quero eu vou conseguir!”
Cachorro-Urubu afirma que “aquilo que aconteceu na França sempre vai se repetir, essa mesma briga por um cigarro de palha”, sempre brigando pelo básico necessário. Uma alusão aos movimentos estudantis que tomaram a França em 1968.
Pra fechar este grande álbum, um dos maiores sucessos da década de 70 no Brasil, que se tornou um clássico absoluto da música brasileira. Para promover o disco, Raul circulava pelas ruas da cidade com o violão na mão cantando “Ouro de Tolo”, que é um tapa na cara dos valores do ser mediano, mostrando toda a mediocridade do ser humano.
"É você se olhar no espelho se sentir um grandissíssimo idiota, saber que é humano, ridículo, limitado, e que só usa dez por cento de sua cabeça animal. E você ainda acredita que é um doutor, padre ou policial que está contribuindo com sua parte para o nosso belo quadro social."
Raul nos mostra que o mundo vai além disso que pensamos, que podemos mudar nosso destino já que “existem mais coisas entre o céu do que supõe nossa vã filosofia”. Pensamento esse, mostrado claramente no final da canção: “Eu que não me sento no trono de um apartamento com a boca escancarada, cheia de dentes, esperando a morte chegar. Porque longe das cercas embandeiradas que separam quintais, no cume calmo do meu olho que vê assenta a sombra sonora de um disco voador”
Esse era apenas o trabalho inicial da carreira solo de Raul Seixas, onde ele já mostra as suas armas, suas doses de luta contra o conformismo, porque como ele mesmo diria: “Um microfone nas mãos é uma grande arma se usado com sabedoria!”
Krig - Ha, Bandolo ! me endoidou ou me entortou, no encarta escrito à mão na track list, constava Caroço de Manga, eu sacudi o disco, o encarte e não achei, aí me endoidou mesmo..é só historinha!!! ( quaisquer grafias que pareçam erradas ao convencional, são propositais ), AMÉM.
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