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Por Márcio de Aquino em Palavras Domesticadas
Egberto Gismonti é um dos mais respeitados e produtivos músicos brasileiros. Dono de uma discografia das mais celebradas, valorizadas e reconhecidas até internacionalmente, Egberto entre os anos 70 e 80 especialmente, lançou várias pérolas musicais que tornam seu trabalho um dos mais ricos em qualidade e experimentações. Em 1981, celebrando o nascimento de Alexandre, seu primeiro filho, Egberto lançou o disco Em Família, que trazia a particularidade do vinil ser branco. Em sua edição de 09/08/81, o jornal O Globo trazia uma matéria sobre o disco, assinada por Léa Penteado:
"Egberto Gismonti - 34 anos de idade, 14 de vida profissional - já gravou mais de 30 discos, em quatro países, mas diz encarar de modo especial o elepê que está lançando, 'Em Família'. É que depois de conquistar os mais cobiçados prêmios, como o Grammy e a Coruja de Ouro, ele explica que o novo disco reflete a melhor experiência de sua vida: a de ser pai. Daí a escolha do título e da capa do álbum, em que Egberto aparece ao lado do filho, Alexandre, e da mulher, a atriz Rejane Medeiros. Esta semana, de sexta a domingo, ele apresenta um espetáculo na Sala Cecília Meireles. O título do show: 'Em Família', naturalmente.
O apartamento de solteiro que até há poucos meses Egberto Gismonti ocupava na Gávea ganhou vida nova com a presença de Rejane Medeiros e a chegada de Branquinho - é assim que ele chama o filho Alexandre. Nada foi programado, tudo aconteceu de repente.
-Não pensei que fosse acontecer uma mudança tão grande em minha vida. Sempre tive uma vida muito louca, de viagens, gravando em diversos países e, desde que aconteceu a gravidez de Rejane, tudo foi mudando. Não foi nada programado, nós não pensávamos em ficar juntos, ou em ter filho; quando vimos, as coisas estavam acontecendo e, a partir de novembro do ano passado, comecei a desmarcar todos os compromissos, até os meses de junho e julho deste ano, para poder acompanhar o nascimento do meu filho.
Egberto conta que o relacionamento com Rejane, baseado em muita tranquilidade, surgiu sem que nenhum dos dois esperasse. Depois de um mês, ele teve de viajar para a Alemanha e foi em Hamburgo que recebeu um telefonema dela, comunicando a gravidez. À princípio, diz que não sabia o que fazer e, quando voltou, resolveu dividir seus espaços com ela e com o filho que chegaria.
- Desmarquei compromissos, para não perder essa relação que estou tendo com Rejane e Alexandre, querendo ficar esse tempo de papai e babá. Gostaria de ficar com ele um tempo até muito maior, mas sinto que não tenho preparo físico. Esse negócio de natureza é meio louco - o fato de uma mulher gerar uma criança faz com que ela desenvolva uma força muito maior do que a do homem, aguentando as barras, sabendo até fazer parar o choro...
Em termos musicais, Egberto Gismonti ainda não sabe até que ponto sua obra vai mudar, com a presença de Alexandre. Apesar de o filho participar de uma das faixas do novo disco, chorando, o trabalho de composição já estava concluído antes do nascimento.
- Não fiz ainda nenhum disco depois que ele nasceu, mas acredito que o fato de ter parado de viajar, estar vivendo dentro de casa com ele e com a Rejane, tendo um tipo de vida que antes não tinha, possivelmente vai me estimular a fazer outra coisa. Eu tenho certeza de que, antes, meus filhos e filhas eram os discos e shows, mas quando pintou o meu filho de verdade, fiz uma troca com a maior facilidade e não sei o que será dos outros. Mas também não estou nada preocupado, me dei o direito de não pensar. Sei que mudou a emoção e a vida, mas a música é difícil. Alguns amigos, que já ouviram esse novo disco, fizeram comentários, não a respeito da música propriamente dita, mas sobre a maneira de transar o disco.
Esse 'transar o disco' começa com a própria capa. Poucas vezes Egberto Gismonti se expôs em capas e nesse fez questão não só de aparecer como também de mostrar a mulher e o filho. Os detalhes ainda vão mais longe. A letra A da palavra família é representada por alfinetes de fralda e o encarte da capa do disco o 'Jornal Caipira', é dedicado às crianças, com desenhos variados e uma enorme fotografia do filho.
Egberto também fez questão de que todo o disco fosse em branco, até mesmo o acetato, que é branco translúcido. No selo, em lugar da marca da gravadora, há o sorriso de Alexandre impresso em preto e branco.
- Nunca pensei fazer um disco com uma capa mostrando a família, mas está me dando imenso prazer mostrar este meu outro lado.
O não pensar, não programar, sempre foi uma constante na vida de Egberto. Ele lembra que há 13 anos, quando começou a trabalhar com música, profissionalmente, tinha a família que o apoiava. Depois de dois ou três anos, mais pessoas já se interessavam por seu trabalho. Tudo foi indo nessa proporção, até chegar a um ponto que ele acha contraditório.
- Ao mesmo tempo que tenho consciência de não fazer uma música para a grande massa, me pergunto como em 13 anos, essa música foi gravada em mais de 30 discos. Às vezes até estranho porque, se não é comercial não deveria ter tantos discos gravados. É, se existe uma crise na indústria fonográfica, no mundo todo, por que os brasileiros, americanos, alemães e japoneses estão investindo tanto em mim?
Egberto Gismonti é contratado de quatro gravadoras: no Brasil, na Alemanha, no Japão e ainda nos Estados Unidos. Seus discos, somente no Brasil, vendem em média 30 mil cópias, um número considerável, já que seu trabalho não é considerado popular.
- Eu tenho consciência de ter um público pequeno em cada país e, por essa razão, saí do Brasil há alguns anos e comecei a buscar esse meu público. Isso me diferencia um pouco da maioria dos músicos instrumentais. Se eu ficasse no Brasil meus discos continuariam na faixa de vendas em que estão - o que para a companhia parece ser muito bom e pra mim é fantástico, permanecer em catálogo dez anos. Também tenho consciência de que minha música não chegaria num tempo curto a um número grande de discos, mas o que consigo já me permite viajar pelo Brasil fazendo shows, como se fosse um cantor popular.
- Tenho como função também juntar um pouco de música erudita com a popular. Não é nem para instruir. Na realidade, não estou querendo brigar com ninguém, nem sou contra música nenhuma, só quero deixar claro que existem outras músicas.
Segundo Egberto, a sua música permite imaginar o que se quiser, não direciona o pensamento de acordo com a letra, abre a possibilidade de sonhar. E é assim que ele vive, também.
- Vivo sonhando, sem nenhuma alienação, apenas com a possibilidade de liberdade, que acho ser muito mais importante do que a minha música. Não acho que tenha atingido algum ponto com a música; não fico chorando quando não dá certo, nem fico soltando foguetes quando tudo vai bem. Tive um disco muito premiado em 1978, 'Dança das Cabeças', festejado em diversos países, e não fui a nenhuma entrega de prêmios no exterior, como também não fui receber o troféu Villa-Lobos, nem a Coruja de Ouro, nem o prêmio de Gramado. Não é o fato de não curtir prêmio, mas prefiro não ficar envolvido com festejos, acho que tenho mais é que ficar fazendo música.
A música e os prêmios ganhos por Egberto Gismonti ficam em segundo plano, com a entrada de Alexandre na sala. Branquinho, como o apelido dado pelos pais, ele tem fisionomia tranquila, no colo da mãe, e sorri quando vê o pai. Tanto Egberto quanto Rejane acreditam que o ar de tranquilidade que o filho irradia é o reflexo da vida que eles têm.
(Egberto Gismonti)
A2 Don Quixote
(Egberto Gismonti, Geraldo E. Carneiro)
A3 Em Família
(Egberto Gismonti)
B1 Sanfona
(Egberto Gismonti)
B2 Folia
(Egberto Gismonti)
B3 Chôro
(Egberto Gismonti)
B4 Auto-retrato
(Egberto Gismonti, Geraldo E. Carneiro)
B5 Branquinho / Passarinho / 11/6/81 (Feito Em Casa)
(Egberto Gismonti, Marilda Pedroso)
Mais detalhes do disco AQUI.
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