Hoje*, estreou nos cinemas o documentário Daquele Instante em Diante, que traz depoimentos e imagens de Itamar Assumpção e artistas que trabalharam com ele com o objetivo de dar uma luz na obra do conhecido ‘maldito da MPB’, que viveu obscuro no underground por não aceitar as imposições do establishment.
O primeiro álbum funcionou como um verdadeiro laboratório criativo da vanguarda paulista. Itamar compunha usando partituras em cima de linhas de baixo livremente
E para manter aceso o legado de um artista tão disfuncional e iconoclasta, vamos relembrar o seu debut com a banda Isca de Polícia, que até hoje continua na ativa tocando clássicos de Itamar. Beleléu Leléu Eu deu início aos chamados registros da vanguarda paulista: repleto de brasilidade e experimentos estéticos, o grupo trabalhou tropicalismo, samba, funk e rock’n roll como um contraponto às demais manifestações artísticas naquele momento.
“Me chamam de maluco etc e tal”, não faz questão de esconder Itamar em “Fico Loco”. A faixa cria um ambiente sonoro obscuro com vozes desconexas supondo uma possível embriagação do álcool e até mesmo a excessiva empolgação da cocaína. Mas, quando ele se diz ‘maluco’, está mais associado às suas rupturas estéticas e sua repulsa em explorar certos padrões musicais já estabelecidos pela MPB e Jovem Guarda.
Para compor, Itamar usava partituras em cima de contrabaixo de forma livre, sem ser editado (como ele sempre deixava claro). Paulo Lepetit (baixo) e Rondó (guitarra e violão) criavam bases inspiradas no funk, enquanto as explorações vinham mais por conta dos vocais de Itamar e a vocalista (que ele chama de) Mari (em “Vinheta Radiofônica) e as percussões ora africanas ou roqueiras, tocadas por Paulo Barnabé.
Beleléu Leléu Eu foi um verdadeiro laboratório criativo: o funk espacial afrobrasileiro em vocais oníricos marca “Baby”, o R&B com guitarras afiadas com uma fuzarca sonora fica evidente em “Aranha” e a difícil situação brasileira nas vozes da personagem da canção “Luzia” é interpelada por um vocal que podia muito bem cair em um sambão, não fosse as borbulhas instrumentais grooveadas da Banda Isca de Polícia.
Talvez de todos os ritmos contidos na obra de Itamar, está imposta a verve jazzística pela sua audácia em ser livre e fazer o que quiser com os gêneros que metia o bedelho. Quando digo verve, não falo de estética, mas de método de composição (ainda que Itamar venha a explorar o jazz em trabalhos posteriores, como Pretobrás). Ele seguiu à risca os preceitos artísticos de algumas de suas maiores influências: Jimi Hendrix, Cartola e Miles Davis.
Todavia, vale destacar que em alguns momentos Itamar soava como uma mistura de James Brown (pelo ritmo, ainda que não tão dançante) e Frank Zappa (como bandleader), aparente em canções transgressoras como “Beijo na Boca” e “Nego Dito” ou na avant-garde “Embalos”.
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