Download
Entrevista a Alex Antunes, Bizz, edição 78, janeiro de 1992.
Época do Lançamento do álbum V
A longa jornada do trio, da fábrica de hits até o neoprogressivo
“Que dia é hoje? Dezoito de outubro? O dólar tá quanto? 670? Esta entrevista vai ser publicada em dezembro? DEUS ME LIVRE do que vai acontecer até lá!!!”
É o Renato Russo que eu conheço. Hoje é treze de novembro e o dólar está a 800 e qualquer coisa (despencou. Mas só depois de ter estourado a barreira dos mil, para gáudio dos alarmistas em geral e dos especuladores em particular). E não aconteceu nada de digno da preocupação de Deus - pelo menos nada do que Ele já não esteja careca de conhecer.
Pô, já faz um mês que eu entrevistei os caras. E só depois de uma longa e tenebrosa primavera é que nos chegou às mãos, hoje, o raio do disco (aliás uma cópia pirata. Não, dona Odeon, não conto como eu consegui). Também é só hoje que parecem, finalmente, estar superadas todas as confusões que Russo & Cia. criaram com os fotógrafos que a BIZZ incumbiu de clicá-los - em geral uma missão prosaica, mas nunca no caso da Legião.
A velha Legião íntegra e frágil. A velha Legião sublime e pentelha. É só por isso que a Legião está na capa de janeiro, e não de dezembro, quando foi lançado o disco... Ou, do meu ponto de vista, quando será lançado, visto que eu estou transcrevendo, em novembro, a entrevista feita em outubro. De volta para o futuro, parte quatro. O dólar tá quanto, leitor?
Que treta foi essa com a gravadora?
RUSSO - É que nós negociamos, para o quinto disco, um contrato com total liberdade artística. Nossa relação com o pessoal da Odeon era quase afetiva e, no momento em que resolvemos fazer a coisa sozinhos, pintou um certo ressentimento.
DADO - Eles já tinham pisado na bola. Tentaram lançar uma coletânea pelas nossas costas, a gente vetou... Aí cortamos o cordão umbilical.
RUSSO - Mas agora já está tudo resolvido... É que nós éramos os "bichinhos mimosos", os enfants gatés da gravadora. Pô, eu estou com 31 anos, um homem casado, com filho. Não é mais aquela coisa (imitando criancinha) de "Oi, tio, e o disco, tio?" Vá falar com os nossos advogados! Se até o Axl Rose já reclamou da Geffen...
E como é o disco?
RUSSO - Ih, tem umas coisas medievais, uns instrumentais. O primeiro lado é uma viagem. Vão dizer assim: "Legião repete fórmula e lança disco progressivo (risos)..."
Progressivo?
RUSSO - Ah, eu adoro progressivo! Porque não me faz pensar. É música escapista. Estou ouvindo o Nursery Cryme do Genesis, imagina... Não todo dia, é claro. Mas eu voltei a colocar na vitrola. Na MTV, se você pega o programa certo, tem umas coisas muito boas... eles passam De-Falla! Mas às vezes eu quero ouvir coisas que me acalmem. É todo meu imaginário, é o que eu ouvia quando tinha onze, doze, treze anos...
Você jogou seus discos progressivos fora? Porque eu, na época da new wave, dispensei e depois tive que comprar de novo...
RUSSO - Não, eu guardo tudo! E tem bandas que eu nem percebia como eram boas... Eu achava Emerson, Lake & Palmer o máximo - hoje eu ouço e sei que é creca, aquilo não é bom de jeito nenhum. Agora, você pega o Lark's Tongues In Aspic ou até o Islands do King Crimson, e tirando aquelas coisas barrocas... Cara, "Ladies Of The Road" é bom pra caralho!
Nosso disco vai ter uma balada de onze minutos e meio, que se chama... (em tom solene) "Metal Contra As Nuvens"... A gente tentou fazer umas coisas pesadas, mas ficava tão frau... Fizemos isso por preguiça. Poxa, a gente tem que trabalhar no formato LP. E seria muito desagradável repetir o Quatro Estações, que virou um hit singles pack. Até hoje está tocando "Sete Cidades"! Acho que não há uma música daquele disco que não tenha tocado no rádio, umas mais, outras menos... Até "Feedback Song", que é a que menos tocou, foi primeiro lugar na rádio 89 de São Paulo, ou coisa parecida. Aí como é que fica? A gente vai ser obrigado a fazer quantos hits, já que o último tinha nove...
E as outras faixas?
RUSSO - O lado A começa com um texto em português arcaico, escrito em 1200. É a antítese do Quatro Estações, aquela coisa de que o amor-vai-salvar-todo-mundo... De repente este disco abre falando assim... "Pois nasci nunca vi amor/E ouço dele sempre falar". É assim. Nunca vi. Não existe. Acabou. Aí vem aqueles onze minutos daquela coisa superlenta... Fala de coisas de hoje em dia, mas de um ponto de vista meio medieval: "Não sou escravo de ninguém/Ninguém senhor do meu domínio..." Depois tem um instrumental chamado "Ordem Dos Templários", e mais oito minutos de "Montanha Mágica", que é uma música sobre heroína... Esse é o primeiro lado. Do outro é que está a realidade, as canções mais normais. Acho que é um disco bom para namorar, para fumar um...
É uma espécie de Low do David Bowie ao contrário, com o lado "difícil" na frente...
RUSSO - Mas não deixa de ser Legião. A gente sempre é meio brega. No primeiro disco a gente ainda tinha uma certa virulência. Agora, em vez de ficar reclamando, a gente faz uma música totalmente linda (cantarolando), "parararará, o mundo está uma merda..."
E as letras?
RUSSO - É um disco de transição...
BONFÁ - Claro que é de transição. A gente grava só de dois em dois anos, todos os nossos discos são de transição...
RUSSO - É de transição porque eu comecei a fazer análise. Não tenho mais aquele angst de jogar tudo nas letras. Sei lá. É a primeira vez que eu tenho certeza de que as letras são boas, mas eu não sei se gosto. Antes eu gostava, mas não sabia se estava bom...
A Legião perdeu o ímpeto juvenil?
RUSSO - Não, no disco tem uma letra que diz "o mundo começa agora/Só agora que começamos"... É claro que quando eu tiver 40 anos vou dar outra desculpa. O nosso amigo Mick (Jagger) dizia: "Como é que eu vou cantar 'Satisfaction' quando eu tiver X anos?" E hoje o cara está com X mais 14 e tá lá, cantando "Satisfaction"... A verdade é que a gente ainda nem sabe tocar direito. Hoje é o Dia do Médico, e o Dado taí perguntando quando é o Dia do Músico Estagiário...
DADO - O Dia do Músico Estagiário é de noite...
RUSSO - O maior trabalho que esse disco deu foi para fazer a coisa o mais simples possível. Eu adorei escrever coisas como "Acrylic On Canvas", mas neste disco eu quis ser bem mais simples... A gente tem até público infantil... Eu já tenho trauma de ter falado coisas sérias demais.
No pop e no rock não adianta você ser panfletário. Eu não vou fazer o equivalente sonoro das fotos do Robert Mapplethorpe... Se eu falar do que está rolando, da miséria, da angústia, eu terei que falar disso duma maneira que não agrida, porque já existe muita, muita, muita agressão. Se a gente não tivesse tanta responsabilidade... Isso é uma coisa paradoxal e controvertida, as pessoas podem até me entender mal... Mas se nós não tivéssemos responsabilidade, com certeza estaríamos fazendo outras coisas.
Mas isso parece um marketing anti-Legião!
RUSSO - Cara, a gente está num país em que as pessoas não têm educação! Na época do Quatro Estações a gente ainda fazia a coisa perigosamente. Aquilo é o disco de um cara descrente. A gente não vai esquecer "Que País É Este", que era uma música adolescente boba e quase fode com a gente! Ou daquele show em Brasília, vendo a garotada se matando.
... É melhor não chutar o pau da barraca?
RUSSO - Eu tenho um filho pequeno, que está aprendendo a falar agora. Se eu quiser escrever sobre heroína, vou fazer de jeito que, quando meu filho ouvir a música, não fique chocado.
A Legião já foi considerada porta-voz de uma geração...
DADO - Tem uma dose de mitificação nisso.
RUSSO - Aquela coisa do Herbert (Viana) dizer que a Legião não é música... A gente é o que?!
DADO - ...É religião...
RUSSO - No momento em que a gente não é tratado como igual nem por nossos pares, eu me sinto colocado contra a parede. Legião nem é tão bom nem tão especial. Claro que tem coisas bacanas, mas também tem muita coisa que não presta... Só que tem uma certa empatia. Como eu faço as letras sempre em primeira pessoa, há uma identidade, paradoxal, entre a música e o ouvinte... "Poxa, esse cara tá falando da minha vida!"
Já teve um cara que até quis me bater! Eu estava andando no Shopping da Gávea, chega esse cara e diz: "Você não tinha o direito de escrever 'Ainda É Cedo' sobre a minha história, de ficar espalhando isso para as pessoas! Como é que você sabia de tudo?", e me olhando, com aquela cara de psicótico... Pô, cara, eu estava falando de mim! Eu sempre gostei de Bob Dylan, desse tipo de compositor que mesmo quando está falando do social, do que quer que seja, passa isso por um prisma psicológico-afetivo-emocional-íntimo, sei lá... Mas qual era a pergunta mesmo (risos)?
A Legião se sente parte dessa geração que está sendo detonada pela crítica por tentar mudar de registro? Tipo os Titãs, tentando fazer rock mais pesado, ou os Paralamas, cada vez mais românticos?
RUSSO - Eu acho que esse disco dos Titãs é o disco mais Titãs deles. O dos Paralamas é o mais Paralamas. E o nosso é o mais Legião... O que era açucarado, agora é sacarina pura... O Metallica sim é que deu uma diluída!
E as comparações entre a Legião e os Engenheiros?
RUSSO - Não estou muito em posição de falar de nenhuma banda, porque a coisa fica rebatendo durante meses. Numa entrevista, uma única vez na minha vida, falei alguma coisa dos Uns E Outros, que eu achava eles parecidos com a gente, e também reclamei um pouquinho do Capital, porque eles estavam dando no saco, pegando música antiga minha e gravando - e olha que eu sou amigo dos caras e tudo. Isso ficou rolando meses, era só abrir a revista... Eu li a entrevista do Humberto (Gessinger) na BIZZ, e achei que o que o cara falou tinha a ver, eu queria ter falado algumas coisas daquelas...
Lá fora esse tipo de coisa não existe porque para cada banda tem mais trinta iguais! Só banda-de-franjinha deve ter umas cinquenta! Eu não sei qual é a diferença entre Charlatans e Inspiral Carpets e Ride e não sei mais o que... Que importa se é o Humberto ou o Russo quem escreve melhor? Que bobagem, eu faço música para ganhar dinheiro! Não foi o Humberto que disse que todos nós somos umas putanas? Eu tenho aluguel para pagar. Tenho 31 anos, já passei da fase de morrer de overdose... Todos eles morreram com 27... Eu agora tenho mais é que virar Rod Stewart...
Calma lá!
RUSSO - Não estou dizendo que eu sou falso. Eu acredito no que eu canto. O que acabou foi essa coisa do Russo poeta romântico. Que nada, é só letra de música - e ainda por cima eles roubam toda a grana da gente! Tivemos que montar uma editora para cuidar dessas coisas... Será que não existe nada mais importante na vida que letra de rock'n'roll?
Para a molecada idealista, provavelmente não.
RUSSO - Eu estou sendo diplomático. Claro, tem coisas de que realmente eu não gosto. Por exemplo, todo munda adora o Lenny Kravitz, e eu acho o Lenny Kravitz um fake de marca maior. Não gostava dos Guns N'Roses, ficava puto com as coisas que o Axl falava...
Hoje em dia até respeito o cara: ele pensa realamente desse jeito, e está tendo que assumir a responsabilidade pelo que diz. Nada é impune. Até comprei um disco do Guns... Só não fico ouvindo porque acho que vai ser um desserviço enorme para o rock'n'roll. Toda a garotada que está vindo agora vai achar que foram eles que inventaram todos aqueles riffs... Na verdade eles chupam os caras que chupavam dos Stones, que já tinham chupado de alguém antes...
DADO - Tem que ter discernimento pessoal, subjetivo. Eu adoro Cowboy Junkies, é maravilhoso. É diferente de, sei lá, Divinyls... É tudo pop, mas dá para discernir. É tudo putana, mas tem as da rua Major Sertório e as da madame Claudette.
RUSSO - O que me irrita um pouco é que não tem jeito de a gente falar do nosso trabalho sem citar outros. Eu vim para cá e já sabia: vão me perguntar dos Titãs, dos Engenheiros... Será que não dá para falar do nosso trabalho?
É porque vocês se recusam a mostrar o disco... (Confusão. Bonfá quer mostrar algumas pré-mixagens no toca-fitas do carro. Depois acabaríamos no estúdio onde o disco estava sendo mixado, patra ouvir duas músicas... mas ambas do lado B).
Você, que gravou em português arcaico, acha que quem está escrevendo em inglês está prestando também um desserviço para a língua portuguesa?
RUSSO - Que língua portuguesa? Cadê nossas escolas? A língua portuguesa é muito bonita, mas é difícil. Dá muito menos trabalho escrever em inglês, que tem certos fonemas, e a divisão das sílabas... quando há sílabas! Porque o inglês é uma língua virtualmente monossilábica... Sério, é melhor fazer música em inglês do que uma música em português que diz "mulher é tudo vaca". Aí é o meu limite. Isso não dá.
Você a favor da censura?
RUSSO - Censura não, nunca. Tudo bem, alguém fez, tem o direito de se expressar. Mas "mulher é tudo vaca" é o cúmulo...
DADO - A gente tinha umas coisas em inglês neste disco, mas acabaram não entrando...
RUSSO - É, eram três músicas em inglês. Não entraram de propósito. E olha que eu adoro cantar em inglês. Meu inglês é legal, "Feedback Song" eu escrevi em inglês porque era uma coisa pesada, sobre a Aids... Mas talvez também tenha sido vislumbre disso, de quem sabe tocar lá fora, como o Sepultura...
Que eu aliás considero, humildemente, a maior banda nacional hoje em dia. Em termos de tudo. Eu nem entendo muito de metal, mas respeito o espaço que eles conseguiram, fazendo o que querem... Pode esquecer o tal triunvirato Titãs-Paralamas-Engenheiros... Tem um trocadilho com o heavy metal no refrão de "Metal Contra As Nuvens" que é assim: "Eu sou metal, raio, relâmpago e trovão/Eu sou metal, e eu sou ouro em seu brasão"...
Se você me permite uma comparação escrota, pensando no show do Pacaembu, acho que o Sepultura é mais herdeiro da Legião do que os Engenheiros...
DADO - (Entusiasmado) Totalmente verdadeiro!
RUSSO - É, a postura é parecida, só a música é diferente. "Dead Embryonic Cells", aquele clip é um escândalo! E eles são bonitinhos (risos)... Isso no rock conta! Você quer um bando de trolhas lá em cima (risos)? Eu, pelo menos, as fãs dizem assim (imitando tiete): "O mais bonito é o Dado, o Bonfá também é lindo. Mas o Renato é o mais inteligente"... deixa elas pensarem...
DADO - A beleza é inversamente proporcional à inteligência...
Isso é ofensa ou elogio (gargalhadas)?
RUSSO - Tudo bem. Vocês são bonitos e inteligentes (risos)... A imagem é importante. É que nem o Donny dos New Kids. Ele tinha que ser alguma coisa, já que é o mais feioso. Então ele tem que ser o rebelde, o que fala as coisas.
Te preocupa não ser bonito?
RUSSO - Só na hora de tirar fotos... (Valeu o aviso, grandessíssimo filho da mãe!)
Mas eu já ouvi fã dizer que você é o cara mais bonito do mundo...
RUSSO - Poxa, avisa essas pessoas para me darem mole com mais frequência (risos)! Pode chegar e dizer: "Renato, você é um tesão, vamos fazer isso e aquilo (gargalhadas)"...
Entrevista a Alex Antunes, Bizz, edição 78, janeiro de 1992.
Época do Lançamento do álbum V
A longa jornada do trio, da fábrica de hits até o neoprogressivo
“Que dia é hoje? Dezoito de outubro? O dólar tá quanto? 670? Esta entrevista vai ser publicada em dezembro? DEUS ME LIVRE do que vai acontecer até lá!!!”
É o Renato Russo que eu conheço. Hoje é treze de novembro e o dólar está a 800 e qualquer coisa (despencou. Mas só depois de ter estourado a barreira dos mil, para gáudio dos alarmistas em geral e dos especuladores em particular). E não aconteceu nada de digno da preocupação de Deus - pelo menos nada do que Ele já não esteja careca de conhecer.
Pô, já faz um mês que eu entrevistei os caras. E só depois de uma longa e tenebrosa primavera é que nos chegou às mãos, hoje, o raio do disco (aliás uma cópia pirata. Não, dona Odeon, não conto como eu consegui). Também é só hoje que parecem, finalmente, estar superadas todas as confusões que Russo & Cia. criaram com os fotógrafos que a BIZZ incumbiu de clicá-los - em geral uma missão prosaica, mas nunca no caso da Legião.
A velha Legião íntegra e frágil. A velha Legião sublime e pentelha. É só por isso que a Legião está na capa de janeiro, e não de dezembro, quando foi lançado o disco... Ou, do meu ponto de vista, quando será lançado, visto que eu estou transcrevendo, em novembro, a entrevista feita em outubro. De volta para o futuro, parte quatro. O dólar tá quanto, leitor?
Que treta foi essa com a gravadora?
RUSSO - É que nós negociamos, para o quinto disco, um contrato com total liberdade artística. Nossa relação com o pessoal da Odeon era quase afetiva e, no momento em que resolvemos fazer a coisa sozinhos, pintou um certo ressentimento.
DADO - Eles já tinham pisado na bola. Tentaram lançar uma coletânea pelas nossas costas, a gente vetou... Aí cortamos o cordão umbilical.
RUSSO - Mas agora já está tudo resolvido... É que nós éramos os "bichinhos mimosos", os enfants gatés da gravadora. Pô, eu estou com 31 anos, um homem casado, com filho. Não é mais aquela coisa (imitando criancinha) de "Oi, tio, e o disco, tio?" Vá falar com os nossos advogados! Se até o Axl Rose já reclamou da Geffen...
E como é o disco?
RUSSO - Ih, tem umas coisas medievais, uns instrumentais. O primeiro lado é uma viagem. Vão dizer assim: "Legião repete fórmula e lança disco progressivo (risos)..."
Progressivo?
RUSSO - Ah, eu adoro progressivo! Porque não me faz pensar. É música escapista. Estou ouvindo o Nursery Cryme do Genesis, imagina... Não todo dia, é claro. Mas eu voltei a colocar na vitrola. Na MTV, se você pega o programa certo, tem umas coisas muito boas... eles passam De-Falla! Mas às vezes eu quero ouvir coisas que me acalmem. É todo meu imaginário, é o que eu ouvia quando tinha onze, doze, treze anos...
Você jogou seus discos progressivos fora? Porque eu, na época da new wave, dispensei e depois tive que comprar de novo...
RUSSO - Não, eu guardo tudo! E tem bandas que eu nem percebia como eram boas... Eu achava Emerson, Lake & Palmer o máximo - hoje eu ouço e sei que é creca, aquilo não é bom de jeito nenhum. Agora, você pega o Lark's Tongues In Aspic ou até o Islands do King Crimson, e tirando aquelas coisas barrocas... Cara, "Ladies Of The Road" é bom pra caralho!
Nosso disco vai ter uma balada de onze minutos e meio, que se chama... (em tom solene) "Metal Contra As Nuvens"... A gente tentou fazer umas coisas pesadas, mas ficava tão frau... Fizemos isso por preguiça. Poxa, a gente tem que trabalhar no formato LP. E seria muito desagradável repetir o Quatro Estações, que virou um hit singles pack. Até hoje está tocando "Sete Cidades"! Acho que não há uma música daquele disco que não tenha tocado no rádio, umas mais, outras menos... Até "Feedback Song", que é a que menos tocou, foi primeiro lugar na rádio 89 de São Paulo, ou coisa parecida. Aí como é que fica? A gente vai ser obrigado a fazer quantos hits, já que o último tinha nove...
E as outras faixas?
RUSSO - O lado A começa com um texto em português arcaico, escrito em 1200. É a antítese do Quatro Estações, aquela coisa de que o amor-vai-salvar-todo-mundo... De repente este disco abre falando assim... "Pois nasci nunca vi amor/E ouço dele sempre falar". É assim. Nunca vi. Não existe. Acabou. Aí vem aqueles onze minutos daquela coisa superlenta... Fala de coisas de hoje em dia, mas de um ponto de vista meio medieval: "Não sou escravo de ninguém/Ninguém senhor do meu domínio..." Depois tem um instrumental chamado "Ordem Dos Templários", e mais oito minutos de "Montanha Mágica", que é uma música sobre heroína... Esse é o primeiro lado. Do outro é que está a realidade, as canções mais normais. Acho que é um disco bom para namorar, para fumar um...
É uma espécie de Low do David Bowie ao contrário, com o lado "difícil" na frente...
RUSSO - Mas não deixa de ser Legião. A gente sempre é meio brega. No primeiro disco a gente ainda tinha uma certa virulência. Agora, em vez de ficar reclamando, a gente faz uma música totalmente linda (cantarolando), "parararará, o mundo está uma merda..."
E as letras?
RUSSO - É um disco de transição...
BONFÁ - Claro que é de transição. A gente grava só de dois em dois anos, todos os nossos discos são de transição...
RUSSO - É de transição porque eu comecei a fazer análise. Não tenho mais aquele angst de jogar tudo nas letras. Sei lá. É a primeira vez que eu tenho certeza de que as letras são boas, mas eu não sei se gosto. Antes eu gostava, mas não sabia se estava bom...
A Legião perdeu o ímpeto juvenil?
RUSSO - Não, no disco tem uma letra que diz "o mundo começa agora/Só agora que começamos"... É claro que quando eu tiver 40 anos vou dar outra desculpa. O nosso amigo Mick (Jagger) dizia: "Como é que eu vou cantar 'Satisfaction' quando eu tiver X anos?" E hoje o cara está com X mais 14 e tá lá, cantando "Satisfaction"... A verdade é que a gente ainda nem sabe tocar direito. Hoje é o Dia do Médico, e o Dado taí perguntando quando é o Dia do Músico Estagiário...
DADO - O Dia do Músico Estagiário é de noite...
RUSSO - O maior trabalho que esse disco deu foi para fazer a coisa o mais simples possível. Eu adorei escrever coisas como "Acrylic On Canvas", mas neste disco eu quis ser bem mais simples... A gente tem até público infantil... Eu já tenho trauma de ter falado coisas sérias demais.
No pop e no rock não adianta você ser panfletário. Eu não vou fazer o equivalente sonoro das fotos do Robert Mapplethorpe... Se eu falar do que está rolando, da miséria, da angústia, eu terei que falar disso duma maneira que não agrida, porque já existe muita, muita, muita agressão. Se a gente não tivesse tanta responsabilidade... Isso é uma coisa paradoxal e controvertida, as pessoas podem até me entender mal... Mas se nós não tivéssemos responsabilidade, com certeza estaríamos fazendo outras coisas.
Mas isso parece um marketing anti-Legião!
RUSSO - Cara, a gente está num país em que as pessoas não têm educação! Na época do Quatro Estações a gente ainda fazia a coisa perigosamente. Aquilo é o disco de um cara descrente. A gente não vai esquecer "Que País É Este", que era uma música adolescente boba e quase fode com a gente! Ou daquele show em Brasília, vendo a garotada se matando.
... É melhor não chutar o pau da barraca?
RUSSO - Eu tenho um filho pequeno, que está aprendendo a falar agora. Se eu quiser escrever sobre heroína, vou fazer de jeito que, quando meu filho ouvir a música, não fique chocado.
A Legião já foi considerada porta-voz de uma geração...
DADO - Tem uma dose de mitificação nisso.
RUSSO - Aquela coisa do Herbert (Viana) dizer que a Legião não é música... A gente é o que?!
DADO - ...É religião...
RUSSO - No momento em que a gente não é tratado como igual nem por nossos pares, eu me sinto colocado contra a parede. Legião nem é tão bom nem tão especial. Claro que tem coisas bacanas, mas também tem muita coisa que não presta... Só que tem uma certa empatia. Como eu faço as letras sempre em primeira pessoa, há uma identidade, paradoxal, entre a música e o ouvinte... "Poxa, esse cara tá falando da minha vida!"
Já teve um cara que até quis me bater! Eu estava andando no Shopping da Gávea, chega esse cara e diz: "Você não tinha o direito de escrever 'Ainda É Cedo' sobre a minha história, de ficar espalhando isso para as pessoas! Como é que você sabia de tudo?", e me olhando, com aquela cara de psicótico... Pô, cara, eu estava falando de mim! Eu sempre gostei de Bob Dylan, desse tipo de compositor que mesmo quando está falando do social, do que quer que seja, passa isso por um prisma psicológico-afetivo-emocional-íntimo, sei lá... Mas qual era a pergunta mesmo (risos)?
A Legião se sente parte dessa geração que está sendo detonada pela crítica por tentar mudar de registro? Tipo os Titãs, tentando fazer rock mais pesado, ou os Paralamas, cada vez mais românticos?
RUSSO - Eu acho que esse disco dos Titãs é o disco mais Titãs deles. O dos Paralamas é o mais Paralamas. E o nosso é o mais Legião... O que era açucarado, agora é sacarina pura... O Metallica sim é que deu uma diluída!
E as comparações entre a Legião e os Engenheiros?
RUSSO - Não estou muito em posição de falar de nenhuma banda, porque a coisa fica rebatendo durante meses. Numa entrevista, uma única vez na minha vida, falei alguma coisa dos Uns E Outros, que eu achava eles parecidos com a gente, e também reclamei um pouquinho do Capital, porque eles estavam dando no saco, pegando música antiga minha e gravando - e olha que eu sou amigo dos caras e tudo. Isso ficou rolando meses, era só abrir a revista... Eu li a entrevista do Humberto (Gessinger) na BIZZ, e achei que o que o cara falou tinha a ver, eu queria ter falado algumas coisas daquelas...
Lá fora esse tipo de coisa não existe porque para cada banda tem mais trinta iguais! Só banda-de-franjinha deve ter umas cinquenta! Eu não sei qual é a diferença entre Charlatans e Inspiral Carpets e Ride e não sei mais o que... Que importa se é o Humberto ou o Russo quem escreve melhor? Que bobagem, eu faço música para ganhar dinheiro! Não foi o Humberto que disse que todos nós somos umas putanas? Eu tenho aluguel para pagar. Tenho 31 anos, já passei da fase de morrer de overdose... Todos eles morreram com 27... Eu agora tenho mais é que virar Rod Stewart...
Calma lá!
RUSSO - Não estou dizendo que eu sou falso. Eu acredito no que eu canto. O que acabou foi essa coisa do Russo poeta romântico. Que nada, é só letra de música - e ainda por cima eles roubam toda a grana da gente! Tivemos que montar uma editora para cuidar dessas coisas... Será que não existe nada mais importante na vida que letra de rock'n'roll?
Para a molecada idealista, provavelmente não.
RUSSO - Eu estou sendo diplomático. Claro, tem coisas de que realmente eu não gosto. Por exemplo, todo munda adora o Lenny Kravitz, e eu acho o Lenny Kravitz um fake de marca maior. Não gostava dos Guns N'Roses, ficava puto com as coisas que o Axl falava...
Hoje em dia até respeito o cara: ele pensa realamente desse jeito, e está tendo que assumir a responsabilidade pelo que diz. Nada é impune. Até comprei um disco do Guns... Só não fico ouvindo porque acho que vai ser um desserviço enorme para o rock'n'roll. Toda a garotada que está vindo agora vai achar que foram eles que inventaram todos aqueles riffs... Na verdade eles chupam os caras que chupavam dos Stones, que já tinham chupado de alguém antes...
DADO - Tem que ter discernimento pessoal, subjetivo. Eu adoro Cowboy Junkies, é maravilhoso. É diferente de, sei lá, Divinyls... É tudo pop, mas dá para discernir. É tudo putana, mas tem as da rua Major Sertório e as da madame Claudette.
RUSSO - O que me irrita um pouco é que não tem jeito de a gente falar do nosso trabalho sem citar outros. Eu vim para cá e já sabia: vão me perguntar dos Titãs, dos Engenheiros... Será que não dá para falar do nosso trabalho?
É porque vocês se recusam a mostrar o disco... (Confusão. Bonfá quer mostrar algumas pré-mixagens no toca-fitas do carro. Depois acabaríamos no estúdio onde o disco estava sendo mixado, patra ouvir duas músicas... mas ambas do lado B).
Você, que gravou em português arcaico, acha que quem está escrevendo em inglês está prestando também um desserviço para a língua portuguesa?
RUSSO - Que língua portuguesa? Cadê nossas escolas? A língua portuguesa é muito bonita, mas é difícil. Dá muito menos trabalho escrever em inglês, que tem certos fonemas, e a divisão das sílabas... quando há sílabas! Porque o inglês é uma língua virtualmente monossilábica... Sério, é melhor fazer música em inglês do que uma música em português que diz "mulher é tudo vaca". Aí é o meu limite. Isso não dá.
Você a favor da censura?
RUSSO - Censura não, nunca. Tudo bem, alguém fez, tem o direito de se expressar. Mas "mulher é tudo vaca" é o cúmulo...
DADO - A gente tinha umas coisas em inglês neste disco, mas acabaram não entrando...
RUSSO - É, eram três músicas em inglês. Não entraram de propósito. E olha que eu adoro cantar em inglês. Meu inglês é legal, "Feedback Song" eu escrevi em inglês porque era uma coisa pesada, sobre a Aids... Mas talvez também tenha sido vislumbre disso, de quem sabe tocar lá fora, como o Sepultura...
Que eu aliás considero, humildemente, a maior banda nacional hoje em dia. Em termos de tudo. Eu nem entendo muito de metal, mas respeito o espaço que eles conseguiram, fazendo o que querem... Pode esquecer o tal triunvirato Titãs-Paralamas-Engenheiros... Tem um trocadilho com o heavy metal no refrão de "Metal Contra As Nuvens" que é assim: "Eu sou metal, raio, relâmpago e trovão/Eu sou metal, e eu sou ouro em seu brasão"...
Se você me permite uma comparação escrota, pensando no show do Pacaembu, acho que o Sepultura é mais herdeiro da Legião do que os Engenheiros...
DADO - (Entusiasmado) Totalmente verdadeiro!
RUSSO - É, a postura é parecida, só a música é diferente. "Dead Embryonic Cells", aquele clip é um escândalo! E eles são bonitinhos (risos)... Isso no rock conta! Você quer um bando de trolhas lá em cima (risos)? Eu, pelo menos, as fãs dizem assim (imitando tiete): "O mais bonito é o Dado, o Bonfá também é lindo. Mas o Renato é o mais inteligente"... deixa elas pensarem...
DADO - A beleza é inversamente proporcional à inteligência...
Isso é ofensa ou elogio (gargalhadas)?
RUSSO - Tudo bem. Vocês são bonitos e inteligentes (risos)... A imagem é importante. É que nem o Donny dos New Kids. Ele tinha que ser alguma coisa, já que é o mais feioso. Então ele tem que ser o rebelde, o que fala as coisas.
Te preocupa não ser bonito?
RUSSO - Só na hora de tirar fotos... (Valeu o aviso, grandessíssimo filho da mãe!)
Mas eu já ouvi fã dizer que você é o cara mais bonito do mundo...
RUSSO - Poxa, avisa essas pessoas para me darem mole com mais frequência (risos)! Pode chegar e dizer: "Renato, você é um tesão, vamos fazer isso e aquilo (gargalhadas)"...
Nenhum comentário:
Postar um comentário