sábado, 15 de dezembro de 2012

Plebe Rude - Nunca Fomos Tão Brasileiros [1987]



Plebe nunca foi tão Rude

Por Jefferson Guedes
Publicado em 03 de maio 1987 no O Globo

Mas nunca foi tão brasileira; como olho de furacão, varrendo os críticos 'otários'

Um ataque à censura e aos críticos e as primeiras incursões em temas existenciais são as marcas do novo disco da Plebe, "Nunca fomos tão brasileiros", ainda mais rude nas lojas, via EMI-Odeon, em junho. A reportagem do Globo esteve no estúdio na terça-feira e pôde presenciar a alegria de Herbert Vianna, produtor do LP, que fez caras e bocas, posou, insólito, para nossa câmera e ainda se mostrou pródigo em idéias e articulações - principalmente ao detectar a ascensão do hip hop -, mas sóbrio o bastante para não interferir na concepção da Plebe Rude, que sofre influências musicais diferentes. Na discussão sobre a vanguarda, Philippe (guitarra solo e voz) sintetizou: "Esse papo é coisa de crítico paulista otário".

Não convidem para a mesma mesa a crítica paulista e a Plebe Rude. Pelo menos é o que se percebe das declarações do grupo, desde que a BIZZ estampou o "axioma" de Steve Severin, o baixista de Siouxsie, de que a Plebe era "very brazilian no sentido da cópia". A polêmica afirmação rendeu frutos em duas músicas nesse LP: "Nunca fomos tão brasileiros" e "Mentiras (por enquanto)".

A primeira reflete um pouco o caldo cultural de influências que é o Brasil e toca na ferida com sinceridade ("Nós não temos identidade própria / Copiamos tudo em nossa volta / Nunca fomos tão brasileiros"). A segunda é uma autêntica viagem da banda - auxiliadas pela bateria de Gutje e o baixo de André X em alta ebulição - em que eles dizem que o "olho do furacão está calmo / olhe em volta - veja os danos feitos pelo vento / não tente explicar a tempestade / procure um abrigo ou se torne vulnerável". Metáfora pura? Talvez, mas a leitura que a banda fez de "Mentiras..." enxerga o furacão Plebe explodindo em adrenalina nos shows; e os críticos olhando com a cara sisuda. Gutje define bem:

- Uma pessoa quando pega uma chuva, com um disco de que gosta, coloca-o dentro da roupa para protege-lo; o crítico, ao contrário, é o primeiro que o leva à cabeça para ficar todo molhado.

Em conseqüência, Philippe levanta uma questão: "Será que qualidade faz diferença neste país?" Segundo o vocalista, existem quilos de discos, despejados no mercado, sem a mínima preocupação com o acabamento, e que, mesmo assim, vendem como nunca. "Eu teria vergonha de lançar um LP assim", acrescenta.

Mas o que significa a Plebe produzida por Herbert Paralamas Vianna? Primeiro, muito bom humor. Ao pisar a entrada do estúdio, Herbert, de óculos, mereceu de Philippe a pergunta: "É saudade?" Resposta do homem: "São óculos sem grau". Depois, já no estúdio, Herbert comandou o primeiro balanço da noite: trazia uma fita com "Fat human in a diner", um funk eletrônico com muito swing, que ele havia composto naquela tarde, com Bi Ribeiro, "para uma festa, que adoramos fazer". Se você tem preconceito contra o funk, ouvindo o Paralamas você perde. "Fat..." é feita apenas com bateria eletrônica, sintetizador e voz.

A batida do funk acende um pavio: citando jovens que freqüentam bailes do subúrbio, perguntamos se o rock não teria virado reduto da pequena burguesia da zona sul e se o funk não teria muito mais a ver com a realidade dos negros. Herbert responde:

- É verdade. Você vai no morro São Carlos e as pessoas ouvem funk ou pagode. Além do mais, o rock não tem mais obrigação de carregar a bandeira libertária de nada. Hoje é puro entretenimento.

Philippe acrescenta: "Se você analisar, no conceito dos compradores, esta constatação é obvia". Gutje vai além: "O funk é muito mais próximo do samba do que o rock", analisa, tentando explicar a proximidade entre os dois ritmos.

Herbert, de pensamento bem articulado, questiona: "E os bailes do subúrbio? Que fenômeno é esse que a zona sul desconhece? São mais de três mil pessoas ouvindo as últimas novidades, com sua forma de dançar característica, suas bermudas, e cantando, junto, o funk, além de fazer suas versões pornográficas para as músicas e os raps". O Paralama considera que o "de mais interessante que existe em termos de produção, no momento, é o funk" (e sem falar que ele tem ouvido Led, Cream e, na terça, comprou o célebre "VU", do Velvet Underground, a banda maldita do fim dos '60).

Nesse ponto, Philippe não gostou muito da idéia: se o futuro é funk, "que desgraça de futuro, Herbert!". Mas ambos se entenderam, logo depois, quando se discutiu a tal vanguarda (como dizia a moçada da PUC de outros carnavais, cada vez mais vã). "Eu não entendo essa coisa de vanguarda, é algo falido, nada de um rebanho para todo mundo seguir, pois a música ganhou várias direções", analisa Herbert. Philippe sentencia e volta à polêmica com os paulistas: "Está me chateando este lero de reciclagem da música, via Sisters ou Cults da vida. Eu sinto a falta de algo mais forte, como Buzzcocks, por exemplo. A Plebe pretende fazer uma coisa nova, sem a pretensão de ser vanguarda, que é papo de crítico paulista otário".

Mas, se há alhos e bugalhos entre os Paralamas e a Plebe, os filhos de Brasília se entendem bem. Na pausa para o lanche, muitas pizzas, cocas, cerveja e garrafas de saquê azul regavam a descontraída turma. Philippe tocava ao piano Dire Straits e Herbert, bem alegre e falando muito em inglês, jurava que era Al Stewart. Logo depois, em poses "históricas" (segundo Philippe), Herbert fez caras e bocas e, literalmente, ficou de quatro para a Plebe. Mais tarde, Herbert apagou no estúdio, acordando bem depois para mostrar, animadíssimo, "Fat human dinner", para Dulce Quental e Leo Jaime.

E a concepção do disco? Philippe avisa que a predominância é eletroacústica. Sua única frustração é que, embora adore heavy metal, ainda não teve a chance de desfiar em disco um longo solo de guitarra. De qualquer forma, "A ida", que ele imagina ser o "Até Quando" do novo LP, tem a presença do violão acústico, sua mais recente paixão. A canção tem "uma visão pessoal da morte", para o vocalista, e significa a primeira incursão existencial da banda.

"Censura" também promete dar pano para manga: "A censura é a única entidade que ninguém censura / a unidade repressora oficial". Ameba (guitarra base e vocais) explica a inclusão da música: continua tão atual como nunca. Da mesma forma que o "Bravo Mundo Novo" que sugere uma releitura de "Até Quando": "Se eu lhe dissesse, olhe além do horizonte / será que você olharia? / bravo mundo novo / está nascendo / e pelo visto vai te surpreender um dia". A banda dispara outros rudes petardos em "Consumo" e "Nova Era Techno".

"Nunca fomos tão brasileiros" é um LP que pretende mostrar uma Plebe amadurecida e investindo no aprimoramento técnico sem perder a sensibilidade e a adrenalina que sempre marcaram seus shows. Um bom exemplo disso é o trabalho de André X, martelando seu baixo até chegar no ponto ideal, com a providencial ajuda do técnico Renato Luís. Ou Gutje, que tem uma nova bateria com seus power tom's , tambores que dão um som mais potente, melhorando o timbre e o resultado final.

Você está querendo um show com a Plebe? Calma. O Rio servirá de palco para o lançamento do LP, em junho (provavelmente no Canecão, ainda que o empresário Arnaldo Bortolon não abra a boca a respeito), pegando os paulistas depois (um público fiel, segundo a banda, que deverá abrigá-los no Anhembi), Brasília e, emendando, uma excursão de Porto Alegre a Natal. O Brasil vai rachar!

UM POVO EM BUSCA DE SUA IDENTIDADE

Nunca fomos tão brasileiros

Sou brasileiro
Você diz que sim
Mas importações não deixam ser assim
Pra que tudo isso na região tupiniquim?
Nasci aqui, mas não sou eu
Vocês estão neste barco também
Pensam que é o paraíso
Parece que eles vivem aqui
Nunca fomos tão brasileiros.
O que adianta vocês viverem assim?
Ser prisioneiro dentro do próprio jardim?
Pra que tudo isso na região tupiniquim?
Nasci aqui mas não sou eu
Vocês estão neste barco também
Nós não temos identidade própria
Copiamos tudo em nossa volta
Nunca fomos tão brasileiros
Pra que tudo isso na região tupiniquim?
Eu não sei, eu não sei, eu não sei, eu não sei.


ALGUMA CRENÇA PODE JUSTIFICAR A MORTE?

A Ida

Quem tem a razão,
um burocrata ou um padre,
Evangelho nas mãos?
Momento instante então
palavras não justificam uma ida em vão.
Esclarece, por favor,
o que é tão temido
só acontece com os outros?
O que você faria?
Quem escutar, então?
Delegado, jurista, relatório em mãos
ou um padre e seu sermão?
Um toque divino não é explicação.
Esclarece, por favor,
o que é tão temido
só acontece com os outros?
Me mostra, então
a ida sem razão.
Aceitar, ou não?
Crença nenhuma justifica
a ida em vão.
Sua papelada, então,
adianta alguma coisa?
Duzentas folhas e nenhuma conclusão?

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